Bell Gama
Nasci em 1979 – mais de dez anos depois do AI-5. Em 1992, ano do impeachment de Fernando Collor, eu tinha 12 anos. Lá pelos 14 anos eu acessei a internet pela primeira vez. Aos 18 anos tive meu primeiro e-mail. Em 2008 fiz uma viagem para Amsterdam e visitei a casa de Anne Frank. Foi somente a milhares de quilômetros do Brasil e com alguns anos nas costas que eu entendi o que era a restrição de direitos, a dita ditadura. Em 17 de junho de 2013 eu entendi o que é um manifesto político.
Explico tudo isso para que todos possam entender a emoção que senti ontem e tudo que estou sentindo nas últimas semanas. Sou uma entre milhares, milhões, da mesma geração.
Nasci no interior de São Paulo. Sou filha de funcionários públicos. Estudei em colégio particular e andava de ônibus apenas para ir às aulas de inglês. Andei de avião pela primeira vez na minha formatura do 3o colegial. Fui para Cancún pois o dólar estava um para um. Sou branca. Me consideram classe-média alta.
Política sempre foi assunto chato para mim. Comunicação não. Entrei na faculdade de Relações Públicas em 1998. Na época estudava-se Marshall Mc Luhan para tentar entender o que seria uma aldeia global. Eu achava a ideia incrível, porém distante. Tão distante quanto a ditadura. Tão distante quanto eu me meter em política.
E um dia você acorda. Já é 2013 e já está tudo misturado. A aldeia global existe. Moro nela. E é por meio dela, do universo fascinante e real que se tornou a internet, que a política está se fazendo.
O Manifesto pelo Passe Livre, nascido e alimentado na internet, foi quem arrancou da garganta dos paulistanos o grito de basta. É pelos R$ 0,20 de aumento na tarifa do transporte público e também não é. Mas é também pelos R$ 0,20. Quem vive na internet sabe que não há conversa lógica, diálogo direto, linha reta. Se você não vive nesse novo mundo não vai entender. Por isso é difícil dar uma explicação reta e lógica para quem desconfia da manifestação política que trouxe vida ao país nas últimas semanas. Desculpe não conseguir explicar. O mundo não é mais reto e lógico também. Assim como as opiniões. É por isso que a cobertura da imprensa não dá conta de cobrir. É por isso que os políticos não conseguem entender as exigências. É por isso que a polícia trata com truculência o que não consegue identificar.
Não é diálogo, é rede de opiniões.
Não é um grito, são várias vozes.
Não é uma exigência, é um desabafo completo.
Só uma coisa é igual: o povo precisou ir para as ruas para berrar, se fazer ouvir. E isso emociona a mim que nunca vivi, ao meu pai que viveu tudo isso e aqueles que ainda não têm nem idade para sair às ruas como eu em 1992.
Quer entender? Participe.
Quer ouvir? É preciso mais do que orelhas. É preciso também olhos para observar o entorno, tato para saber lidar e principalmente, coração aberto.
E se depois de tudo isso se ainda quiser discordar… Tenha argumentos.
Tenho quase 1.000 amigos no Facebook. Mas ontem me juntei a quase 150 mil (para mim esse é o número oficial) de paulistanos que foram às ruas para serem ouvidos. Eu era muitos. E da beleza disso tudo não há como discordar. Aceite.
Bell Gama – Junho de 2013
(Esse texto é dedicado aos meus filhos e netos que um dia terei)