Na pedregosa Pedregulho, de terra vermelha e chão batido, com poucas ruas asfaltadas, o menino se esbaldava em total liberdade.
Próximo da casa o curral onde se buscava e bebia todas as manhãs o leite acabado de tirar. O campinho de futebol em frente, os eucaliptos, o grupo escolar um pouco acima.
Abaixo, atravessando uma vala equilibrando-se na pinguela estreita e improvisada com troncos de árvore, havia um grande pasto com um riacho, que empoçava e formava um brejo mais ao fundo . Foi ali que viu o sapão pela primeira vez. Havia outros, mas aquele era o rei, o macho alfa. Voltou várias vezes para admirá-lo. Num dia em que o sapão estava mais pachorrento do que de costume, atirou-lhe umas pedrinhas para que saltasse ou exibisse seu lingueirão repentino, mais rápido do que o saque de qualquer pistoleiro do Velho Oeste. Foi então que um dos amigos o alarmou:
─ Xiiiii, você não devia fazer isso, provocar o sapo! Agora tem de matar, senão ele vai à noite na sua cama e mija em você!
Não tinha coragem nem vontade de fazer mal algum ao pobre sapo, só queria mesmo atiçar ele um pouco. Claro que estava fora de cogitação matá-lo, mas ficou impressionado com a lorota do amigo, e passou duas ou três noites incomodado, acordando sobressaltado durante a noite. De dia, ia ver se o sapão continuava por lá. Será que de noite…?
Acabou contando sua aflição para o pai, que riu muito e lhe disse que aquilo tudo era bobagem. Foram juntos ver o sapão e na volta o pai, talvez para tranquilizá-lo de vez, contou-lhe que o avô era grande amigo dos sapos e até tivera um de estimação na fazenda que ficava ali perto, em Rifaina, na divisa com Minas Gerais, e que depois vendeu para quitar dívidas da grande crise cafeeeira.
─ Como você é neto do Coronel Asdrúbal, não precisa ter medo de sapos. Eles fazem parte da família…
Um dia, remexendo nos escritos do pai, reencontrou a história do sapo avoengo.
CROQUIBILU
Croquibilu era um sapão de mais de um palmo grande aberto, e achou de vir aos pulos balofos até à escada, subindo-lhe igualmente os degraus, e achou-se afinal no piso do alpendre. Então, foi indo, e escolheu um lugar, ali no canto, entre um caixote e um latão, e se acomodou, confortável. Logo viria, pois era noite, a lamparina de querosene, que foi posta em cima do parapeito. E as mariposas, imediatamente, começaram a rodar em torno da luz. Aquilo foi um gozo para o sapão Croquibilu, pois era só estender a língua e papear as bicihinhas. No entanto, alguém o viu ali e gritou: “Que horror, um sapão!”, pois a Mãe tinha muito medo dos sapos. Mas o Pai também veio vindo, viu Croquibilu no seu sossego, e recomendou: “Deixem o sapo em paz!” E assim se fez.
Logo que amanhecia, mal o sol despontava no horizonte, o Pai pegava a vassoura, e ia empurrando o sapão: “Vamos, amigo!”, e Croquibilu saltava uns palmos adiante – póf! Chegavam ambos até a escada, e desciam-na do mesmo jeito até alcançar, varando a porteirinha, o pasto, onde o sapão ficava, ou ia para os brejos, não longe. Ao entardecer, porém, Croquibilu retornava, galgava os degraus da escada, e ia para o seu canto habitual, a papejar as mariposas.
Longo tempo este ritual se repetiu, e Croquibilu já era um membro estimado da família.
Muitos anos depois, a trineta do Coronel Asdrúbal desde cedo se mostrou maravilhada pelos sapos, um dos seus bichos prediletos.
Quem sabe um deles se transforme no seu príncipe encantado? Aí eles poderão dormir e sonhar juntos.
Por ordem crescente de paixão: Croquibilu, o menininho, o mestre, coronel Asdrúbal e princesa Manu, que, se quiser cortar caminho, já sabe: há um príncipe candidato, à espera, bem aqui a meu lado.
Beijocas!
Antonio, que delícia de saga…
Gama, eu imagino você cantando essa música para a Manuela, eu também o faria.
Acho que a foto em primeiro plano é você pequeno, me passou um ar tão nostálgico…
E a crônica do seu pai, para variar, é excelente.
Abraçaço.
Realmente uma deliciosa recordação ver v. pequenino indo pra escola. E delícia total ler o que v. e seu pai escrevem. Tenho estranha atração por corujas e sapos. Figuras que colecionei por longo tempo e ainda tenho alguns exemplares guardados aqui. Atrações inexplicáveis.
Primo querido,
Que maravilha de post.
Voltei no tempo e a saudade apertou. O sapo de estimação do vovô fazia
parte do meu imaginário infantil.
Ah! As fotos… Você, Tio Annibal, Vovô Asdrúbal e Manuela.
Salvei-as com cuidado e carinho. Para guardá-las , admirá-las e sentir
vocês bem pertinho de mim.
Que 2014 traga saúde, realizações e muito amor.
Um abraço apertado e muitos beijos em todos. Um especial para a linda
Manuela.