“Eu e o Rio” (Luiz Antonio), com Miltinho e Emílio Santiago
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=XeKnarjq0Nc[/youtube]
“Eu e o Rio” (Luiz Antonio), com Miltinho e Emílio Santiago
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=XeKnarjq0Nc[/youtube]
Euclides Rossignoli
— O senhor aí, que está dando tapinhas nas cabeças do colega. Pra fora da classe!
— Quem professor!? Eu!?
— É, o senhor mesmo. Pra fora da sala!
— Mas eu não fiz nada, professor!
— Eu vi. Vai pra fora da sala!
— Ah, eu não vou, professor.
— Vai pra fora.
— Eu não vou, professor.
— Não vai!?
— Não.
— Pois então fique.
Esse era um professor que tive, meio século atrás. Não lembro o nome dele, até porque todo mundo o conhecia por professor Parafuso. Suas aulas eram uma verdadeira bagunça, e acho que não há necessidade de explicar a razão.
Foi em 1852, na Escola Profissional de Ourinhos, na Vila Margarida, lá no fim da Rua 7 de Setembro, perto da linha do trem. Os professores falaram. As professoras falaram. O diretor foi de classe em classe. O uniforme é cáqui. Inteiramente cáqui. Aquele brim meio cor de barro. Vocês sabem. Calça e camisa cáquis. A partir do dia primeiro do próximo mês, ninguém entra na escola sem uniforme. Essa ladainha foi repetida cansativamente durante um mês inteiro
No primeiro dia do mês seguinte, todo mundo apareceu trajando uniforme cáqui. Calças e camisa cáquis. Uma beleza!
Todo mundo, menos um. Um só. O Aristodemo, filho de um comerciante da Barra Funda, estava de verde. Calças e camisas verdes. Mas precisamente, verde-garrafa.
— Eu não tenho dúvida. Eu ouvi muito claramente e por diversas vezes que o uniforme tinha que ser inteiramente verde-garrafa.
A molecada tinha entre doze e catorze anos. Imagine o leitor a gozação em cima do pobre do Aristodemo, que, aliás, já era visado por causa do seu nome atrapalhado.
***
E já que estamos falando de professores e alunos, aproveitemos para apreciar alguns dos absurdos que o homem é capaz de produzir numa redação de exame vestibular. Vejas as afirmações a seguir.
Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor.
O petróleo apareceu há muitos séculos, numa época em que os peixes se afogavam dentro d’água.
As aves Têm na boca um dente chamado bico.
O coração é o único órgão que não deixa de funcionar 24 horas por dia.
Quando um animal irracional não tem água para beber, só sobrevive se for empalhado.
O Chile é um país alto e magro.
Na Grécia, a democracia funcionava muito bem porque os que não estavam de acordo se envenenavam.
As múmias tinham um profundo conhecimento de anatomia.
Os estuários e os deltas foram os primitivos habitantes da Mesopotâmia.
O terremoto é um pequeno movimento de terras não cultivadas.
A harpa é uma asa que toca.
Menos desmatamentos é igual a mais florestas arborizadas.
[youtube] http://www.youtube.com/watch?v=_wGPeLJfoYs[/youtube]
Luluzinha vivia querendo entrar no clube do Bolinha, onde era terminantemente proibido entrar meninas.
Os dois, e seus amigos, foram grandes companheiros da minha infância querida, que os anos não trazem mais.
Mas aquela fase de não gostar de tomar banho, como o Cascão, nem de menina, como a turma do Bolinha, não dura muito (felizmente), e os meninos grandes passamos o resto da vida tentando penetrar surdamente no reino das meninas moças, e quem sabe tomar um banho de espuma com elas.
Se a vingança é um prato que se come frio, por culpa do Bolinha e do seu clube recebemos agora o troco de Lulu, o aplicativo só para mulheres que permite a elas avaliar os homens que têm perfil em qualquer rede social. Depois de respondido um questionário variado, que vai de humor, bons modos, ambição, até atributos físicos e desempenho sexual, Lulu apresenta a nota final para o avaliado, que fica à disposição das outras integrantes do clube. E ainda tem o terror de hashtags como #UsaRider e #NãoFazNemCosca! Em compensação, tem também #TrêsPernas…
Nem bem chegou ao Brasil, o clube da Lulu se espalhou como epidemia de dengue, com mais de cinco milhões de downloads.
Se você é homem e tem conta no Facebook, já caiu nas garras de Lulu, querendo ou não, mas não vai poder entrar no clube e só saberá das notas que recebe se alguma menina da turma de Lulu lhe disser. E não adianta espernear pelas avaliações não autorizadas. Sim, meu caro, quando concordou (sem ler) com todos aqueles termos do Facebook ou de outra rede social, você, como Fausto, vendeu a sua alma ao diabo cibernético dos nossos tempos.
O que dirão Roberto Carlos e a turma do “Procure Saber”?
Parece que há um jeito de deletar os perfis não autorizados, acessando o link http://company.onlulu.com/deactivate. Mas dá trabalho e nem sempre funciona.
O que fazer então?
Ora, não se leve tão a sério, menino. Relaxe e se goze.
“Festa do Bolinha” (Roberto Carlos / Erasmo Carlos ), com Trio Esperança
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=-_OWFKNxSaA[/youtube]
Selma Barcellos
Da nossa correspondente em Portugal
No “Expresso” de 22/11, a propósito de “Tony Nagy, que está a ser investigado por suspeitas de enriquecimento ilícito, fugiu para o velho continente e pediu demissão por e-mail.” , comentário de um leitor que se assina Spitzer:
“O Brasil está a desenvolver-se. Há lá muita corrupção, como em todo o lado, mas lá começa a ser escândalo. Os corruptos têm de fugir do Brasil!
Quando é que os corruptos portugueses também terão de fugir?
Eu não quero viver num país onde os corruptos andam à solta, impunemente, e se tornam ministros e «conselheiros de Estado». Eu quero viver num país de onde os corruptos tenham de fugir, com medo da justiça. Eu quero viver num Brasil!”
***
No “Diário de Notícias” de 24/11, seção Classificados Relax VIP:
ANA
Senhora portuguesa, viúva, a passar dificuldades financeiras, convive com cavalheiros em troca de ajuda! Sem experiência… Desde já agradeço pela atenção…!
***
Mas hein?
ladainha
substantivo feminino
1 prece litúrgica estruturada na forma de curtas invocações a Deus, a Jesus Cristo, à Virgem, aos santos, recitadas pelo celebrante, que se alternam com as respostas da congregação (fiéis e/ou religiosos)
2 Derivação: por analogia.
falação fastidiosa que está sempre repisando as mesmas ideias; enumeração longa e cansativa; esp. repetição monótona e tediosa de queixas e recriminações; lenga-lenga
3 Rubrica: capoeira. Regionalismo: Brasil.
canto rogatório popular na abertura de uma roda de capoeira (‘jogo’)
(Fonte: Dicionário Houaiss)
“Reza” (Edu Lobo / Ruy Guerra), com Edu e Tamba Trio
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=YP0Uic6KCCw[/youtube]
Adalberto de Oliveira Souza
LITANIE
Il faut continuer
pas à pas,
il faut renverser
de tous les côtés,
Il faut réviser
ligne par ligne,
il faut résister
à tous les moments,
il faut tergiverser
de toutes les manières,
il faut se contrôler
soi-même,
il faut comprendre
beaucoup,
il faut réitérer
ce que l`on croit,
il faut croiser
les regards,
il faut maîtriser
notre conduite,
il faut retenir
ce qu`on a appris,
il faut dépasser
les obstacles,
il faut oser continuer,
il faut revenir
au point de départ,
il faut s`attacher
à ce qu`on aime,
il faut oublier
ce qu`on aime pas,
il faut récupérer
ce qu`on a perdu,
il faut rendre
la vérité
il faut atteindre
la liberté
il faut revoir
les ans passés,
il faut prévoir
l`avenir douteux,
il faut se perdre
pour se retrouver
il faut rechercher
pour trouver quelque chose,
il faut s`extenuer
pour se reposer
il faut…
il faut…
il faut…
LADAINHA
É preciso continuar
passo a passo,
é preciso demolir
de todos os lados,
é preciso revisar
linha por linha,
é preciso resistir
em todos os momentos,
é preciso tergirversar
de todas as maneiras,
é preciso controlar-se
a si mesmo,
é preciso compreender
muito,
é preciso reiterar
o que a gente crê,
é preciso cruzar
os olhares,
é preciso dominar
nossa conduta,
é preciso reter
o que apreendemos,
é preciso ultrapassar
os obstáculos,
é preciso ousar
continuar,
é preciso voltar
ao ponto de partida,
é preciso se ater
ao que se ama,
é preciso esquecer
o que não se ama,
é preciso recuperar
o que se perdeu,
é preciso contar
a verdade,
é preciso atingir
a liberdade,
é preciso rever
os anos passados,
é preciso prever
o futuro duvidoso,
é preciso perder-se
para se encontrar
é preciso pesquisar
para encontrar alguma coisa,
é preciso extenuar-se
para se repousar,
é preciso…
é preciso…
é preciso…
Para mim, entre as cinco mais belas canções de Chico Buarque
“E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãosSábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização”
“Futuros amantes” (Chico Buarque), com ele
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=mN306Fkg6Wg[/youtube]
“Anjo de mim” (Ivan Lins / Vitor Martins), com Ivan
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=qqhLEiz6nrY[/youtube]
O meu amor
Vida pulsar
Dentro de mim
Meu quero mais
Meu querer bem
Meu querubim
Anjo de mim
Me faz amor
Abraçadinho
Meu coração
Começo e fim
Meu pôr-de-mim
O meu amor
É meu luar
Em noite Jobim
É tanto céu
Dedo de Deus
Em meu caminho
Porto de mim
Meu sol, meu ar
Meu tudo enfim
Água é do mar
Como eu sou teu
Cuida de mim
Me leva, me leva
Euclides Rossignoli
Quando menino, eu acreditava no céu e no inferno. Era um pavor. O céu, lugar de mil delícias, eu não conseguia imaginar uma figuração mais concreta. Mas o inferno, esse me atormentava como lugar de inefáveis sofrimentos. Eram os fogos, as trevas e os ferros mais apavorantes que a mente humana pode imaginar, fustigando dia e noite nossas pobres carnes e mentes. E, no comando de tudo, horrorosos demônios chifrudos e rabudos que se divertiam e se inebriavam com a nossa dor.
Mas havia algo ainda pior do que o tormento em si. Algo com que minha cabeça de criança nunca pôde concordar, mas que era meu terror permanente. Para mim, pior do que o tormento, pior do que todos os suplícios, era a ideia da condenação eterna. Jamais pude aceitar que a danação ao inferno fosse eterna, fosse pra sempre, pra nunca mais acabar. Nunca. Uma vez condenado à suprema degradação era o sofrer e sofrer, pela eternidade, para o sempre que jamais termina.
Esse pavor do inferno me fazia um menino medroso. Tinha medo doentio da morte. Mas um dia o seu Abilinho disse para minha mãe que era capaz de curar meus medos. Era capaz de curar a ponto de me tornar, depois, um sujeito abusador. O seu Abilinho era um caboclinho esperto e bem falante, dado a orações curativas e benzeduras. Era compadre de dona Albina, a nossa vizinha, que tinha cinco filhos e um marido que bebia muito. O seu Abilinho estava tentando curá-lo da bebida.
Tudo o que seu Abilinho precisava para me curar era que eu fosse com ele ao cemitério. Não achei graça nenhuma na proposta, mas acabei concordando. Fomos. Minha mãe, dona Albina e dois dos filhos dela foram juntos. No cemitério, o seu Abilinho nos levou para passear por entre os túmulos, parando aqui e ali, quem sabe para nos acostumar com a morte. Depois de um bom tempo, pediu para que os outros esperassem e que eu o acompanhasse a um certo lugar. Esse certo lugar, logo descobri, era nada mais nada menos do que o ossuário, um poço largo onde eram lançados os restos finais daqueles que já haviam passado pela vida. Ali, o seu Abilinho me fez olhar demoradamente dentro do poço. Eram tíbias, fêmures, úmeros e crânios, destacando-se dos ossos menores em decomposição. Uma espécie de lixão dos mortos.
Antes de abandonarmos o local, o seu Abilinho abaixou a cabeça e emudeceu numa longa oração lá sua. Quando terminou disse:
— Agora, vamos embora.
Ainda hoje, passado mais de meio século, quando acontece de eu me mostrar descrente em relação às coisas do outro mundo, minha mãe, que é muito religiosa, diz:
— Bem que o seu Abilinho falou que você ia ficar abusante.
Inferno, quadro anônimo português, possivelmente de 1520