Posts from fevereiro, 2014

Samba do Adoniran

 

 Ernesto Paulelli com a partitura do “Samba do Arnesto” 

Arnesto (Foto de Leonardo Soares-Estadão)

 (Foto de Leonardo Soares/Estadão)

 

 

Eles se conheceram nos idos de 1938, nos estúdios da Rádio Record, onde ambos trabalhavam.

 — Muito prazer, meu nome é Ernesto Paulelli.

— Ernesto? Mas Ernesto não existe! Seu nome é “Arnesto”.

Algum tempo depois, Adoniram disse ao já então amigo:

— Arnesto, você sabe que o seu nome dá samba?

Um dia lhe apresentou o samba, que se tornaria um dos seus maiores sucessos.

O Arnesto sempre foi um gentil-homem, porém nunca convidou Adoniran e o resto do pessoal para um samba em sua casa (aliás, ele morava na Mooca e não no Brás). E se tivesse convidado, jamais lhes daria o cano.

Mas não teve jeito. Ficou com a má fama.

Um dia reclamou com Adoniram, que lhe respondeu com a voz rouquenha:

— Arnesto, se não tivesse mancada, não tinha samba!

Conformou-se, e seguiram grandes amigos.

Adoniran se foi em 1982 e agora convidou o amigo Arnesto para um samba, que desta vez não será no Brás, mas no Paraíso.

 

 

“Samba do Arnesto” (Adoniran Barbosa), com ele

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=plOezZ6936Y&hd=1[/youtube]

 

 

Luzidio Adiós

 

Paco de Lucía (Francisco Sánchez Gómez )

* 21 de dezembro de 1947

+26 de fevereiro de 2014

 

“Tico-Tico no Fubá” (Zequinha de Abreu), com Paco de Lucía

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=k6Nw0Hm_wTM[/youtube]

 

 

 

Estratégias de Abismo

 

 

                                        Estabeleço estratégias

                                        para conviver

                                        com o abismo.

 

                                         Ele me atrai

                                         eu o traio

                                         desvio

                                         negaceio

                                         adio.

 

                                         Quando parto

                                         no absurdo

                                                                             flutuo

                                         infarto de vazio.

 

 

 

 

 

Voltam os jasmins

 

         Selma Barcellos

Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                          Há de haver algum recado

                                          Na floração desse jasmim

                                          Que cresce além-muros

                                          Perpassa fios tramados

                                          E me invade o quarto

                                          Assim.

 

                                         O que quer ele de mim?

                                         Que repense novos planos

                                         Alertar-me sobre enganos

 

                                         Ou me trazer a certeza

                                         De que está tudo aqui

                                         Agora:

                                         Seu perfume

                                         Esta paz

                                         Nossas auroras.

 

                                                                                             “No ar” , verão de 2012

 

 

 

 

 

Tempo

 

      Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto 2 (2)

 

 

 

 

 

 

 

                                                           TEMPO

 

                                               A paisagem mostra

                                               e confronta o mundo

                                               e a gente.

                                               A estabilidade e o delírio

                                               Aparente e permanente.

 

                                               Mudanças não se evidenciam

                                               e tudo parece resplandecente

                                               numa manhã de sol escaldante.

 

                                               O recomeçar é bem mais

                                               que uma ordem

                                               é fatalidade

                                               irreversível e rarefeita.

                                               Alguma coisa se fará

                                               ainda que seja

                                               nada a fazer.

                                               Apesar de mim ou de nós

                                               mesmos

                                               Algo ocorre.

 

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Tenho passado tão mal…

 

 

 

“O orvalho vem caindo” (Noel Rosa / Kid Pepe), com Carlos Lyra e Verônica Sabino

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=SB8WGC_2qno[/youtube]

 

 

 

O assobio

 

           Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

Depois de examiná-lo escrupulosamente, botando a sua orelha cabeluda em seu peito, o médico lhe disse: “ O senhor tem um sopro no coração”. E ele perguntou: “Dá para assobiar um samba de Noel Rosa?” De fato assobiou:

 

                              “Tenho passado tão mal…

                              A minha cama

                              É uma folha de jornal…”

 

Já não ouço, nem vejo, pelas ruas, as pessoas passarem assobiando. Antes, a cidade era cheia de assobios. E havia aqueles que eram mestres no assobio, como o meu cunhado, que assobiava canções como se tivesse um instrumento na boca. Também se assobiava para as moças que vinham e iam. Elas não, mulheres não assobiam, achavam que era falta de educação.

E lembro-me de Camões, ao final da sua epopeia:

 

                              “No mais, Musa, no mais, que a lira tenho

                              Destemperada, e a voz enrouquecida;

                              E não do canto, mas de ver que venho

                              Cantar a gente surda e endurecida”.

 

Desde cedo, os meninos começavam a aprender a assobiar. Havia também, entre eles, aquele assobio estridente e longo, para o qual era necessário botar os dois polegares dentro da boca. Assobiava-se até para chamar o vento. E os cães atendiam imediatamente ao assobio do dono, chamando-os.

Tarde da noite, ouvia-se alguém passar pela rua, assobiando uma canção.

De um quintal para outro (ainda havia quintais) os meninos assobiavam um para o outro, mandando-lhes recados, em seu código próprio.

Do assobio, muitos passavam a usar um instrumento musical, como a flauta, ou a gaita.

Agora, aqui na minha casa, quem assobia de manhã e de tarde, é o meu papagaio Horácio, o Hino Nacional. É um patriota verde.

Também eu, indo pelas ruas a levar o meu cachorrinho Pichorro, assobio para ele. E, se não o vejo, aqui em cima, assobio, chamando-o, e ele rapidamente sobe a escada e chega aos meus pés.

E havia ainda os pios para chamar pássaros. A família de Rubem Braga era especialista na fabricação de pios. E ele mesmo conta que um dia, em Cachoeiro de Itapemirim, pegou um pio para chamar macuco e foi para o mato, com uma espingarda. Piou, piou, até que veio vindo, lentamente um macuco. Ele engatilhou a espingarda, mas o macuco lhe disse: “Não atire não, moço… Eu só vim ver quem piava tão mal para chamar macuco”.

Assobiai, moços e cavalheiros! O assobio é um recado para a vossa própria melancolia.

 

assobiando 2

 

 

 

 

Fadinha minha

 

fada-sininho 

 

 

Na hora do almoço, Manu chega para filar a boia, antes de ir para a escola.

Encalorada, irrompe pela saleta da TV, onde estou com o ar condicionado à toda.

Pula no meu colo:

─ Babu, quero ver Peter Pan!

Anda apaixonada pelo tal do Peter e assiste repetidamente aos filmes e desenhos dele. Sua festa de aniversário de 4 anos vai ser na Terra do Nunca.

Súbito, enquanto revemos o filme, puxa meu rosto e me dá uma lambida numa bochecha, na outra, no queixo e na testa.

Sinto-me um picolé de groselha, docemente saboreado, e derretendo…

Sem precisar de asas ou pó de pirlimpimpim, o vô avoa pela Terra do Sempre.

 

 

 “Fico assim sem você” ( Abdullah / Cacá Moraes ), com Adriana Partimpim

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=iojYDSjKK00[/youtube]