Posts from fevereiro, 2014

Que maravilha viver…

 

 

“Se todos fossem iguais a você” (Vinicius de Moraes / Tom Jobim), com Gal Costa

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Paisagem afetiva

 

         Selma Barcellos

Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

Rubem Braga, considerado por tantos o maior cronista brasileiro depois de Machado de Assis, urbano e cosmopolita por excelência, gostava de escrever suas crônicas vendo e sentindo a paisagem da infância, a bela Cachoeiro de Itapemirim. Para isso, cultivava um jardim suspenso em sua cobertura, na Barão da Torre, Ipanema, onde, em meio a árvores frutíferas e passarinhos, curtia a vida e, entre um uisquinho e outro, reunia a fina flor literária do Rio de então – os amigos Otto Lara Rezende, Fernando Sabino, Vinicius de Moraes, para citar alguns.

Assim foi que, dia desses, sentindo falta da Niterói que já não há, tal qual Rubem, tentei compor a minha paisagem afetiva, aquela que me levaria de volta ao aconchego, na mala bastante saudade – o casarão da minha infância e juventude, construído por meus pais para viverem belíssima união.

Eis, então, queridos, a cidade cenográfica que gostaria de avistar diretamente da janela da redação do blog, aqui em Itacoá. Aos saudosistas, a recordação. Aos jovens, um exercício de imaginação:

A minha antiga rua com aquele cineminha que rolava ao ar livre quando a noite caía. As luzes dos postes cobertas por um capuz preto e eu, criança, sentada no chão para assistir às mais incríveis comédias e filmes de mocinho, olhos assombrados pela emoção e pelo medo do breu que me cercava…

O quintal, o do casarão mesmo, com sua imensa amendoeira em cujo andar mais alto havia uma casa de madeira, esconderijo perfeito. Aquele gramado onde eu tocava o terror no jogo de bola de gude dos meninos até ser expulsa da área. Aquele espaço mágico onde, de bailarina e tudo, entrava nas batalhas campais de mamona no estilingue contra os “inimigos” da vizinhança…

A praia com seu trampolim (só para admirar os marrentinhos aqualoucos), as palmeiras e os tatuís na areia, as carrocinhas amarelas da Kibon vendendo Jajá de coco pela orla…

A escola, a minha primeira, abraçada ao porta-caderno, me ‘achando’, indo e vindo no pequeno lotação com as amigas de trocar segredos, zoando, na boa, as meninas da escola vizinha que entravam depois de nós na condução…

Pelas ondas do ar, viria o som da rádio de maior audiência apresentando as 10 melhores músicas do dia, uma de cada cor, e eu só soltando a voz (desafinada desde sempre) com Sergio Endrigo, Charles Aznavour, Beatles, Roberto. Volare, volare…

O campo, aquele de santo nome, ora verdinho, ora florido, pois que assim foram os primeiros beijos que lá provei, pecado algum…

Os clubes, os das domingueiras e bailes de formatura, com os gatos de smoking tirando a gente para dançar, ao som de Moonlight Serenade

A luz seria a daquele quarteirão feericamente iluminado para as festas juninas da maior escola da cidade. Cheirinho de milho, churrasco no palito, maçã do amor e barraca de mensagens, onde já se agendavam futuros casamentos…

A baía, menos poluída, cortada somente pelas imensas barcaças que me levavam cedinho para a PUC, brisa da manhã no rosto, divertindo-me com o pessoal que cochilava batendo cabeça, sendo acordado no susto por algum engraçadinho, ao final da travessia…

E haveria carnaval… Ah, o carnaval da rua ao lado, lindamente decorada, com a gente ouvindo “me dá um dinheiro aí” sem ser assalto. A galera com a mesma fantasia, formando um bloco feliz, recolhendo confetes pelo chão e tornando a jogá-los para o alto, serpenteando por entre mascarados misteriosos e gentis…

Mas chega de saudade. A realidade é que, apesar do breu das ruas que insiste em nos rodear, ma-ra-vi-lha viver!

 

P.S.: Um dia, na praia de Icaraí, um maluquinho pulou do trampolim aí da foto e caiu bem no meio de um barquinho a remo que passava. Pastelão, senhores!

 

TRAMPOLIM-2