Annibal Augusto Gama
― O ilustre e ilustrado amigo pode me dar uma explicação?
― Depende. Se é para explicar o que é a vida, não posso. Pergunte a um morto.
― Mas os mortos não falam.
― Falam sim. Falam o hungarês, as línguas mortas, como o latim, e algumas outras.
― Então eu devo aprender hungarês para falar com um o morto?
― Se ele só falar o hungarês, é claro. Mas se ele não fala hungarês, mas só alemão, o senhor deve aprender o alemão.
― E como é que eu vou saber a língua que um morto fala, para falar com ele?
― Vá aprendendo as línguas.
― Ora, são centenas de línguas…
― São. Mas quando o senhor souber todas elas nem precisa mais falar com morto nenhum, porque saberá também o que é a vida.
― Quer dizer que as línguas, todas as línguas sabidas é que me explicariam o que é a vida?
― Já lhe disse quem quando o senhor souber todas elas não precisará mais saber o que é a vida.
― Por quê?
― Porque o senhor também já estará morto. E os mortos não precisam mais saber o que é a vida.
― Como é que o senhor sabe?
― Também já lhe disse que não sei.
― O senhor é muito radical. Não pode ao menos me dar um palpite?
― Palpite para o jogo-do-bicho? Isso, qualquer um pode ter.
― Não, um palpite que acerte no milhar.
― Então o senhor não quer saber o que é a vida, mas quer é ficar rico. E, se ficar rico, não precisará mais saber o que é a vida.
― Pelo que me diz, a vida é um jogo…
― Um jogo, mas também é preciso saber blefar. Vá blefando que um dia o senhor arrebenta a banca.
― Mas para jogar e blefar é preciso que haja outro jogador, ou outros jogadores.
― Sim, precisa. A vida são os outros. Nós mesmos, sozinhos, não somos nada. Os outros é que dão as cartas. E, olhe, há cartas marcadas, e fraude.
― O senhor é muito pessimista.
― Até que não sou tanto assim. Continuo jogando. Um dia, talvez, eu faça uma canastra só de curingas.
“Acertei no milhar” (Wilson Batista / Geraldo Pereira), com Moreira da Silva
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