Selma Barcellos
Dois dedinhos de prosa (e verso) sobre amigos, em silêncio companheiro, obsequioso…
Uma longa mesa de amigos, na churrascaria Plataforma, era o refúgio de Tom Jobim contra o sol do meio-dia e o tumulto das ruas do Rio de Janeiro.
Naquele meio-dia, Tom sentou-se em mesa separada. Num canto, ficou tomando chope com Zé Fernando Balbi. Compartilhava com ele o chapéu de palha, que usavam em turnos, um dia um, no dia seguinte o outro, e também compartilhavam outras coisas:
– Não – disse Tom, quando alguém chegou perto. — Estou numa conversa muito importante.
E quando outro amigo se aproximou:
– Você me desculpe, mas nós temos muito para falar.
E a outro:
– Perdão, mas nós dois estamos discutindo um assunto sério.
Nesse canto separado, Tom e Zé Fernando não se disseram uma única palavra. Zé Fernando estava em um dia fodido, num desses dias que deveriam ser arrancados do calendário e expulsos da memória, e Tom o acompanhava, calando chopes. E assim ficaram, música do silêncio, do meio-dia até o final da tarde.
Não tinha mais ninguém por lá quando os dois foram-se embora, caminhando devagar.
(Eduardo Galeano, em ‘Bocas do Tempo’)
*******
ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo
ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo
(Paulo Leminski)