Silêncio companheiro

 

 

          Selma Barcellos

Selma (perfil)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dois dedinhos de prosa (e verso) sobre amigos, em silêncio companheiro, obsequioso… 

 

 

 

Uma longa mesa de amigos, na churrascaria Plataforma, era o refúgio de Tom Jobim contra o sol do meio-dia e o tumulto das ruas do Rio de Janeiro.

Naquele meio-dia, Tom sentou-se em mesa separada. Num canto, ficou tomando chope com Zé Fernando Balbi. Compartilhava com ele o chapéu de palha, que usavam em turnos, um dia um, no dia seguinte o outro, e também compartilhavam outras coisas:

– Não – disse Tom, quando alguém chegou perto. — Estou numa conversa muito importante.

E quando outro amigo se aproximou:

– Você me desculpe, mas nós temos muito para falar.

E a outro:

– Perdão, mas nós dois estamos discutindo um assunto sério.

Nesse canto separado, Tom e Zé Fernando não se disseram uma única palavra. Zé Fernando estava em um dia fodido, num desses dias que deveriam ser arrancados do calendário e expulsos da memória, e Tom o acompanhava, calando chopes. E assim ficaram, música do silêncio, do meio-dia até o final da tarde.

Não tinha mais ninguém por lá quando os dois foram-se embora, caminhando devagar.

 

(Eduardo Galeano, em ‘Bocas do Tempo’)

 

 

*******

 

ainda ontem

convidei um amigo

para ficar em silêncio

comigo

 

ele veio

meio a esmo

praticamente não disse nada

e ficou por isso mesmo

 

(Paulo Leminski)

 

Paulo-leminski-em-foto-de-1984 

 

 

 

4 comentários

  1. Talita Batista
    28/05/14 at 9:05

    Tem dias que o silêncio fala mais que muitas palavras. E o silêncio é preciso colocar palavras e sentimentos em ordem, na nossa cabeça.

  2. 28/05/14 at 14:05

    Viva Tom e Zé, Galeano e Leminski, Antonio Carlos Augusto Gama e a colaboradora Selminha?

    VIVAAAAAA!

    Boa garimpada, Gama. Não me lembrava mais do post.

    Beijocas!

  3. André
    28/05/14 at 14:12

    Selma, às vezes o silêncio fala mais do que as palavras, pois há alguns momentos em que o silêncio total e absoluto me faz falta, para viajar para o interior do meu ser e me conhecer mais a fundo.

    Grande texto (de uma reflexão fecunda).
    Beijoca!

  4. 28/05/14 at 14:15

    Agora sim, Andrezinho! “Reflexão fecunda”.
    Muito querido, você.
    Beijocas!

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