“Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura.
Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino.
E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico.”
“Jovens: envelheçam rapidamente!
Já não me lembro se li ou vi pela televisão Nelson Rodrigues proferir essa sentença pela primeira vez.
Lembro-me, porém, que eu era bem jovem, e mesmo assim achei muita graça e logo me encantei com ele, com seu destemor em não afagar ou bendizer a juventude como era praxe então (estávamos na plenitude da onda “hippie”, do “é proibido proibir”, do “poder para os jovens” ou da “jovem guarda”, segundo o gosto de cada qual).
Ainda hoje os louvaminheiros dos jovens, em busca do seu aplauso fácil, formam a imensa maioria, como se a juventude fosse um dom e tudo o que dela provenha, um bem em si mesmo. Há, é claro, os que se colocam na posição totalmente oposta ― e igualmente equivocada ― de não aceitar ou dar valor a nada que seja jovem ou novo.
“Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”, diria Nelson Rodrigues a esses “cretinos fundamentais”.
Fiel a si mesmo, Nelson nunca abdicou de pensar por si mesmo, e dizer o que pensava, sem preocupação de agradar ou desagradar. Por isso foi tachado de tarado a reacionário, execrado pela direita, pela esquerda e pelo centro, por crentes e ateus, pelos críticos e pela censura.
Neste 23 de agosto, Nelson faz 100 anos.
Não uso o verbo no futuro do pretérito porque homens como Nelson Rodrigues são sempre presentes na sua obra, que nunca envelhece.
“A maioria das pessoas imagina que o importante, no diálogo, é a palavra. Engano, e repito: – o importante é a pausa. É na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão.”
“Não admito censura nem de Jesus Cristo.”
“No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte.”
“Todo desejo é vil.”
“O brasileiro chamado de doutor treme em cima dos sapatos. Seja ele rei ou arquiteto, pau-de-arara, comerciário ou ministro, fica de lábio trêmulo e olho rútilo.”
“O asmático é o único que não trai.”
“Todo ginecologista devia ser casto. O ginecologista devia andar de batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um são Francisco de Assis, com a luva de borracha e um passarinho em cada ombro.”
“Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante.”
“Em nosso século, o grande homem pode ser, ao mesmo tempo, uma besta!”
“O marido não deve ser o último a saber. O marido não deve saber nunca.”
“A companhia de um paulista é a pior forma de solidão.”
“O cardiologista não tem, como o analista, dez anos para curar o doente. Ou melhor: ― dez anos para não curar. Não há no enfarte a paciência das neuroses.”
“Copacabana vive, por semana, sete domingos.”
“O Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um orçamento.”
“Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos.”
“A dúvida é autora das insônias mais cruéis. Ao passo que, inversamente, uma boa e sólida certeza vale como um barbitúrico irresistível.”
“Só não estamos de quatro, urrando no bosque, porque o sentimento de culpa nos salva.”
“Falta ao virtuoso a feérica, a irisada, a multicolorida variedade do vigarista.”
P.S. Somente com a leitura muitos anos atrás do esplêndido livro de Ruy Castro (como tudo o que ele escreve) O Anjo Pornográfico ― A vida de Nelson Rodrigues, é que tomei conhecimento da real grandeza de Nelson Rodrigues, do que é e representa, da sua vida “mais trágica e rocambolesca do que qualquer uma de suas histórias, e tão fascinante quanto”.
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“Amar é ser fiel a quem nos trai.”
Gama, a partir de hoje, em comemoração ao centenário de Nélson Rodrigues, o canal Viva (36 da Net) vai reprisar a minissérie Engraçadinha, às 23:15 horas.
Quanto à música, Chico gravou no seu ótimo disco de 1984 (aquele de capa vermelha, que tem Pelas Tabelas, Brejo da Cruz, Tantas Palavras, Mano a Mano, Samba do Grande Amor, Como se Fosse a Primavera e Vai Passar) e fez parte da trilha sonora do filme Perdoa-me por me Traíres, de Braz Chediak.
Gal Costa e Nei Matogrosso também a gravaram com maestria – este último no magnífico álbum-tributo que fez a Chico em 1996, Um Brasileiro. Recomendo a audição.
Abraços,
André
“Em Brasília, não há inocentes, todos são cúmplices.”
Beijocas!
Esse vídeo do Chico tem “tudo” a ver com o post anterior (o dos chatos). Realmente, as pessoas que não conhecemos são fascinantes! O que me faz pensar nuns dias com Chico Buarque ou Tom Jobim, esses românticos maravilhosos… O Chico é um grande, enorme, pretensioso confesso. E o Tom, sei lá; alguma de suas letras poderia nos revelar…
Juntar o fascinante Nelson e Chico!!!
Clap, clap, clap.