A manhã é um feto prematuro
sem esperança de futuro.
Morrerá ao meio-dia com o sol a pino
sem nenhum sino que lamente o passamento breve.
Carregarás o defunto insepulto pelo resto do dia
e quando não mais suportares o peso e o cheiro dos restos
a noite lhes servirá de sepulcro interino
até o milagre da ressurreição.
Quando enfim a tarde couber
num só olhar de sossego
poderás enterrar o sobejo
ainda que tarde.
Bela reflexão sobre a morte. A iniludível,triste e caroável.
Ainda que seja tarde
Não me cansarei de esperar
O futuro que vem chegando
E que parece demorar
Mas isso não é verdade
Pois tenho paciência
Pra desfrutar dele o quanto quiser
O máximo de tempo possível.
Ah! E o poema de sua autoria é dilacerante e muito inspirado. O que eu escrevi acima é pra fazer um contraponto.
Abraçaço.
Tenebrosamente lindo. Permita-me a inclusão de um parceiro nesse funéreo feito.
IDENTIFICAÇÃO
Com a frieza inalterável de um coveiro velho
vou enterrar mais um presente morto.
Vou descer (com cordas?) o caixão da morte
pro fundo da sepultura do esquecimento.
Com a impassividade de um coveiro velho
vou manter-me frio ante toda lágrima,
vou manter-me surdo pra qualquer discurso;
sou calmo e competente em meu labor cinzento.
Com a frigidez serena de um coveiro velho
vou pegar a pá quando chegar a hora,
vou cobrir com terra aquela coisa extinta…
pra isso não é preciso se ter sentimento.
Com a força fria de um coveiro velho
vou erguer com esforço a laje de cimento,
vou depositá-la sobre a obra pronta
e assento alguns ladrilhos como acabamento.
Com a serenidade de um coveiro velho
vou sentir no ventre a fome vir chegando,
vou lembrar qué tarde, é hora de ir pra casa
e vou jantar calado, mastigando lento.
Com a esperança opaca de um coveiro velho
vou crer que amanhã terei novo trabalho,
vou dormir tranquilo, sem ter pesadelos,
nessa noite fria de um coveiro velho.
Por oportuno, já nem me surpreendo de como vemos as mesmas estrelas de navios diferentes, conforme disse Aldir sobre ele e João Bosco.
Estrelas Binárias, caravelas unas, navegar é preciso, viver não é preciso.
Assim fica difícil, não acham?
Um poema lindo do Antonio Carlos, com a morte prematura da manhã, seguido de uma profunda descrição do trabalho de um coveiro velho do Brenno.
Uma emoção realmente ler vocês. Beijos aos dois.
Belos textos, os dois. Abcs
Belo, parceiros!
Belo!
Lindos os textos que se entrelaçam.