Annibal Augusto Gama
Em primeiro lugar, para pentear os cabelos é preciso ter cabelos, salvo se você for calvo como um ovo; então, você pode pentear a sua cabeleira postiça. Pode-se pentear com os dedos, com um pente ou com a escova. Se você for rico, prefira um pente de marfim. Se for remediado, ou pobre, um pente de qualquer massa de plástico serve. Ah, há também o pente fino, geralmente preto, para pentear os cabelos de quem está com piolhos neles ou na cabeça. As mulheres de antigamente eram muito prevenidas porque, depois de penteadas, feito um coque atrás, deixavam nele, fincado, um pente.
Não é usual pentear os cabelos dos sovacos, porque o costume é depilar os sovacos, e sovacos sem pelos como é que poderiam ser penteados?
Não sei se também se penteiam os pentelhos, mas acho que sim. O difícil é pentear os petelhos, porque eles são sempre sujeitos desgrenhados.
É claro que também se pode pentear a barba. Convém, não obstante, penteá-la depois de a botar de molho. Os que usam apenas um bigodinho, como eu, devem penteá-lo com um pentinho; já os sujeitos com bigodões, com um pente de bom tamanho.
Penteia-se melhor mirando-se no espelho. Então, o cara pode repartir os cabelos bem no meio da cabeça, ou num dos lados, numa risca certa. Sem espelho, todavia, o sujeito ou a sujeita conseguem pentear-se. E há as mulheres que trazem, na bolsa, um espelhinho, para isso. Aqui em Ribeirão Preto, onde há muitas poças dágua nas ruas, que são viveiros de pernilongos, consegue-se pentear abaixando-se e olhando a sua imagem refletida numa poça.
Quando o ônibus estaciona num ponto da estrada, isto é, diante de um grande restaurante, os passageiros saem depressa dele, e correm para o que chama de toalete, e ali, depois de verter água e aliviar-se, podem lavar as mãos e pentear-se diante dos espelhos na parede. E é claro, as mulheres também. O que não aconselho é o motorista, dirigindo o carro, ao mesmo tempo pentear-se, olhando para o espelho retrovisor do veículo. Mas há quem o faça, e esbarronda o carro na traseira de um caminhão. Neste caso, vai em seguida pentear-se no quinto dos infernos, ou no céu.
Para pentear-se, depois de lavada a cabeça, enxugados e secados os cabelos, convém usar um fixador qualquer, brilhantina, gumex, glostora, laquê, ou coisa semelhante. Goma arábica não é indicada.
Atualmente, as moças não se penteiam. Ao contrário, metem os dedos na cabeleira e a afofam, de tal modo que se tornam ninhos de guaxo.
O que também se usava antes, para manter os cabelos no lugar, era uma redinha. E as mulheres usavam papelotes, e agora bóbis. Uma mulher de papelotes ou de bóbis, fica parecendo um extra-terrestre. E talvez seja.
Havia cabeleiras de mulheres (e ainda há, creio) que caiam até os pés. Não era fácil para elas pentearem tais cabeleiras. Elas chamavam as mucamas, que então as penteavam muito bem, e ainda lhes faziam cafuné. Uma delícia.
Eu não sou mulher, mas tenho a minha mucama. Chamo-a:
— Josefa, vem pentear os meus cabelos e fazer-me cafuné.
Ela vem.
Lamento se você não tem uma mucama. Trate de arranjar uma.
E vá penteando-se, até que não lhe reste nem um fio de cabelo.
Ontem hoje e amanhã
O homem o cabelo parte
Parte o cabelo com arte
Até que o cabelo parte.
(Millôr Fernandes)
Gama, que arte é essa de pintar os cabelos… nunca havia pensado nisso. É muita criatividade.
Abraçaço.
Ops… Erro de digitação. Onde escrevi “pintar”, leia-se “pentear”.
Entre troca de fraldas e colo ao netinho, tempo para ler o mestre. Boas risadas.
Adorei saber da mucama Josefa a fazer-lhe as delícias capilares, Dr. Annibal.
E sabe do que me lembrei? Do tempo em que vocês usavam um pente pretinho, geralmente de plástico e com o escudo do time do coração, bem no bolso da lapela. A pontinha ficava de fora. Era a moça aparecer e o galã sacar o apetrecho embelezador. Uns exageravam, davam uma de Zé Bonitinho. Tinham até uma certa angústia na sobrancelha…
Moço formidável, esse Annibal.
Beijocas, mestre!