Posts by Antonio Carlos A. Gama

 

A pedido de Mestre André 

 

 

“Última forma” (Baden Powell / Paulo César Pinheiro) MPB4

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=mCSf3P52-fk[/youtube]

 

 

 

Pit-mamãe

 

      Selma Barcellos

Selma 2

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Querida ex-colega de trabalho envia notícias da chegada do primeiro netinho (bem-vindo, Bernardo!) e anexa esta charge. De imediato, a lembrança de certa “ pit-mamãe” , em relato de tempos atrás.

 

 

Não vejo novelas. São suficientes a ida ao salão, as mulheres comentando, e as dezenas de revistas que folheio enquanto as luzes do cabelo “acendem”. Daí saber que a atual “trama das oito” aborda uma pit-família. Pimpolho manda e desmanda, destrata a professora e é, invariavelmente, acobertado pelos pais em suas gracinhas.

Em recente reportagem intitulada “Pit-alunos levam professores a procurar divã”, leio o seguinte depoimento: “Um professor do curso de Direito foi procurado por um aluno que contou ser policial militar reformado por problemas psiquiátricos. O aluno começou a dizer que precisava de nota 6 para passar e que estava com vontade de matar alguém naquele dia.” O professor nem titubeou: “Toma um 8 e não se fala mais no assunto.”

O que anda acontecendo, senhores? Estive em sala de aula por 27 anos e não tenho uma pit-história?  “Os tempos eram outros, tia Selma!” , dirão alguns. Nem tanto, pois que parei ao final de 2007. Quero crer que contei com o auxílio luxuoso do meu amor pela profissão e da escola e seus setores disciplinares priorizando o diálogo.

Mas houve uma vez um verão em que precisei chamar determinada mãe para uma conversinha. Não lembro o sexo do filhote, nem se o motivo era falta de estudo ou má disciplina.

Só sei que, final de expediente, sentada à mesa corrigindo alguns trabalhos, escuto um “boa tarde, professora”. Levanto a cabeça para responder e vejo adentrar o recinto uma mãe de… quimono. Sim, quimono, havaianas e suor, muito suor. Meio aberto, o uniforme deixava à mostra seu pescoço e seu plexo “de responsa” . Os braços não ficavam totalmente abaixados. A marrenta criatura ainda era faixa marrom, ou seja, estava a um golpe da preta. E se a sparring fosse eu?

Pedi que sentasse, por favor, e ela o fez. Só que… em cima da carteira. E, balançando as pernas musculosas, mandou um direto: “Qual é o problema?”. Confesso que não me intimidei. Apenas respirei fundo por viver tão bizarra situação e apliquei um “Mãezinha, é o seguinte…”.

Acho que aquele diminutivo surtiu efeito de um ippon… Molinha, molinha, ela me ouviu até o final, agradeceu, pulou fora do tatame, ops!, da carteira, e caminhou serena em direção ao corredor da escola, já às escuras.

Sei não… Se a figura não foi contratada para mostrar sua arte em algum seriado de TV, ficou molinha para sempre, uma flor de candura fazendo crochê enquanto pimpolho não chega para estudarem juntos.

Nunca mais tive notícias.

 

 

Geratriz (II)

 

       Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto 2 (2) 

 

 

 

 

 

 

                                                           Magia

 

 

                                                           Perfuro

                                                           o fundo da fala,

                                                           fabrico da saliva

                                                           uma caixa,

                                                           transformo-a em silêncio

                                                           no silêncio mais negro

                                                           e me cubro desta noite.

                                                           Amanheço,

                                                           manhã difusa,

                                                           mutismo de setas.

 

                                                           Para melhor uso

                                                           de minha intenção,

                                                           lacro a caixa fabricada

                                                           com o parafuso sujo

                                                           tirado da língua.

 

parafuso 

 

 

 

Os urubus, as aves e outros pássaros

 

             Annibal Augusto Gama

ANNBAL~1

 

 

 

 

 

 

 

Os urubus, no chão, com um arranque, batiam as asas ― flap! flap! flap! ― subiam, subiam, e ficavam fazendo curvas lá no alto, no céu azul. Quando chovia, e depois que as águas deixavam de cair, vinham pousar na cumeeira do telhado, e ali permaneciam, hieráticos, de asas abertas, para as secar. Se caminhavam no chão do quintal, pareciam desajeitados. Não eram muito estimados, aves pretas que viviam de carniça. Mas tudo tem a sua utilidade neste mundo, até os carrapatos.

Havia, porém, as aves e os pássaros gentis, o beija-flor, as andorinhas, os sanhaços, os canarinhos da terra, a rolinha fogo-apagou, o tico-tico, o joão-de-barro, as pombinhas, a viuvinha, os bem-te-vis, os periquitos, os pássaros-pretos, a tesourinha, tantos, tantos, inumeráveis. Ao longe, no dia abrasador, a araponga malhava no ferro. Nos descampados, as seriemas, nos ervaçais as codornas. A coruja, coitada da coruja!, não era benvista, embora sábia, porque se lhe atribuía o mau agouro, Rasgava mortalha, ao redor das casas onde havia um moribundo. Na fazenda, acharam uma grande coruja, ferida na asa. Trouxeram-na para casa, e deixaram-na empoleirada num quarto de despejo, onde ele passou a tratá-la, trazendo-lhe regularmente pedaços de carne e água. Agarrada no pau da cabeceira de uma cama, ela estagiou ali, alguns dias, e já reconhecia o rapazinho. Tic-tic-tic, fazia-lhe com o bico curvo. Até que se curou, e ele a levou para o parapeito da janela aberta. Ia anoitecer, e a corujona sondou, sondou os arredores . Em seguida alçou vôo. Mas ainda voltou para se despedir dele e, uma vez ou outra, ali aparecia, para o saudar.

Era na época em que, em todas as antologias, havia o soneto de Raimundo Correa:

 

                                   Vai-se e primeira pomba despertada…

                                   Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas

                                   De pombas vão-se dos pombais, apenas

                                   Raia sanguínea e fresca a madrugada…

                                   […]

                                  

                                   Também dos corações onde abotoavam,

                                   Os sonhos, um por um, céleres, voam,

                                   Como voam as pombas dos pombais;

 

                                   No azul da adolescência as asas soltam,

                                   Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,

                                   E eles aos corações não voltam mais…

 

O Irmão Reitor, marista, do ginásio, professor de português, insistia, em cada nova classe de alunos, em declamar o soneto de Raimundo Correa. Ficava de pé, atrás da sua mesa, rubicundo, e agitava as mãos e os braços  enfiados na batina negra. As pombas voavam, Ele, porém, parecia antes um urubu.

Em muitas casas, nos seus poleiros, havia papagaios.  Desbocados alguns, berrando palavrões. Outros rezavam o padre-nosso. Bebiam café.

 

                                                Purrupaco, tataco,

                                               A mulher do macaco,

                                               Ela pinta, ela borda,

                                               Ela toma tabaco,

                                               Torrado num caco…

 

Você, hoje, parece que viu passarinho verde…

E há aquela estória de Millôr Fernandes, do cuco do relógio que, na hora de bater as horas, saia da sua casinhola e perguntava: “Ei, velhinho, que horas são?”

Todas as gaiolas estão com a portinhola aberta.

Os passarinhos fugiram.

 

 

“Passaredo” (Francis Hime / Chico Buarque), MPB4

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=8ZbfbyLoCCE[/youtube]

 

 

Todas as mulheres do mundo

 

 

“Na minha vida tem sido como se uma mulher me depositasse nos braços de outra. Isso talvez porque esse amor paixão pela sua própria intensidade não tem condições de sobreviver. Isso acho que está expresso com felicidade no dístico do meu soneto Fidelidade: que não seja imortal posto que é chama / mas que seja infinito enquanto dure.” (Vinicius de Moraes)

 

 

Vinicius e a mulher 2

Vinicius e Gilda, sua última mulher, a quem apresentava como “minha viúva”

 

 

Eu que sou um bendito fruto entre mulheres ― Maria Delucena, Carolina, Isabella, Júlia, Manuela, pela ordem de chegada ― reconheço que nessa matéria não daria nem para a saída diante do nosso poetinha maior, que em 2013 faria cem anos, e outros cem viveria para servi-las, se não fora para tantos amores tão curta a vida.

Pois não bastassem seus tantos e antológicos poemas sobre as mulheres, Vinicius chegou a escrever poeminhas sobre a mulher de cada signo do zodíaco, com a verve e a maestria de sempre.

Não sei se os escreveu por encomenda, necessidade (“e tem um dinheirinho nisso?”, como lhe perguntou um Tom Jobim pobrinho e cheio de contas a pagar, ao ser convidado para musicar a peça “Orfeu da Conceição”; Manuel Bandeira, que daria seu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá, recebeu depois prendas do fabricante agradecido) ou mera brincadeira, mas os poemas chegaram a ser publicados num livrinho.

 

livro a mulher e o signo (Vinicius de Moraes)

 

Maria Delucena é capricorniana (há controvérsias); Carol, aquariana; Bell, sagitariana; Júlia, geminiana; e Manu, pisciana.

E vocês, minhas queridas e binárias estrelas que orbitam pelo meu céu, de que signo são?

O poema respectivo do poetinha lhes cai bem (ou vocês não são nada disso)?

A todas, todo o meu bem, e parabéns pelo seu dia, todos os dias.

 

 

 zodíaco

 

 

Áries

 

Branca, preta ou amarela

A ariana zela.

 

Tem caráter dominador

Mas pode ser convencida

E aí, então, fica uma flor:

Cordata… e nada convencida.

 

Porque o seu dominador

É o amor.

Eu cá por mim não tenho nenhum

Preconceito racial:

Mas sou ariano!

 

 

                                                 Touro

 

                                                 O que é que brilha sem

                                                 Ser ouro? – A mulher de Touro!

                                                 É a companheira perfeita

                                                 Quando levanta ou quando deita.

                                                 Mas é mulher exclusivista

                                                 Se não tem tudo, faz a pista.

                                                 Depois, que dona-de-casa…

                                                  E a noite ainda manda brasa.

                                                  Sua virtude: a paciência

                                                 Seu dia bom: a sexta-feira

                                                 Sua cor propícia: o verde

                                                 As flores dos seus pendores:

                                                 Rosa, flor de macieira.

 

 

Gêmeos

 

A mulher de Gêmeos

Não sabe o que quer

Mas tirante isso

É boa mulher.

 

A mulher de Gêmeos

Não sabe o que diz

Mas tirante isso

Faz o homem feliz.

 

A mulher de Gêmeos

Não sabe o que faz

Mas por isso mesmo

É boa demais…

 

 

                                                 Câncer

 

                                                 Você nunca avance

                                                 Em mulher de Câncer.

 

                                                 Seu planeta é a Lua

                                                 E a Lua, é sabido

                                                 Só vive na sua.

                                                 É muito apegada

                                                 E quando pegada

                                                 Pega da pesada.

 

                                                 É mulher que ama

                                                 Com muito saber

                                                 No tocante a cama

                                                 Não sei lhe dizer…

 

 

Leão

 

A mulher de Leão

Brilha na escuridão.

 

A mulher de Leão, mesmo sem fome

Pega, mate e come.

 

A mulher de Leão não tem perdão.

 

As mulheres de Leão

Leoas são.

 

Poeta, operário, capitão

Cuidado com a mulher de Leão!

 

São ciumentas e antagônicas

Solares e dominicais

ígneas, áureas e sadônicas

E muito, muito liberais.

 

 

                                                 Virgem

 

                                                 Se Florence Nightingale era Virgem

                                                 Não sei… mas o mal é de origem.

 

                                                 A mulher de Virgem aceita a amante

                                                 Isto é: desde que não a suplante.

 

                                                 Sexo de consumo, pães-de-minuto

                                                 Nada disso lhe há de faltar

                                                 O condomínio é absoluto

                                                 A virgem é mulher do lar.

 

                                                 Opala, safira, turquesa

                                                 São suas pedras astrais

                                                 Na cuca, muita esperteza

                                                 Na existência, muita paz.

 

 

Libra

 

A mulher de Libra

Não tem muita fibra

Mas vibra.

 

Quer ver uma libriana contente?

Dê-lhe um presente.

 

Quando o marido a trai

A mulher de Libra

balança mas não cai.

 

Se você a paparica

Ela fica.

 

Com librium ou sem librium

Salve, venusina

Que guarda o equilíbrio

Na corda mais fina.

 

 

                                                 Escorpião

 

                                                 Mulher de Escorpião

                                                 Comigo não!

                                                 É a Abelha Mestra

                                                 É a Viúva Negra

                                                 Só vai de vedete

                                                 Nunca de extra.

                                                 Cria o chamado conflito

                                                 de personalidades.

                                                 É mãe tirana

                                                 Mulher tirana

                                                 Irmã tirana

                                                 Filha tirana

                                                 Neta tirana.

                                                 tirana tirana.

                                                 Agora, de cama diz –

                                                 que é boa paca.

 

 

Sagitário

 

As mulheres sagitarianas

São abnegadas e bacanas.

Mas não lhe venham com grossuras

Nem injustiças ou censuras

Porque ela custa mas se esquenta

E pode ser muito violenta.

Aí, o homem que se cuide…

– Também, quem gosta de censura!

 

 

                                                 Capricórnio

 

                                                 A capricorniana é capricornial

                                                 Como a cabra de João Cabral.

                                                 Eu amo a mulher de Capricórnio

                                                  Porque ela nunca lhe põe os próprios.

 

                                                 A caprina é tão ciumenta

                                                 Que até os ciúmes ela inventa.

                                                 Mulher fiel está aí: é cabra

                                                 Só que com muito abracadabra.

 

                                                 Suas flores: a papoula e o cânhamo

                                                 De onde vêm o ópio e a maconha

                                                 Ela é uma curtição medonha

                                                 Por isso nos capricorniamos.

 

 

Aquário

 

Se o que se quer é a boa esposa

A aquariana pousa.

 

Se o que se quer é uma outra coisa

A aquariana ousa.

 

Se o que se quer é muito amor

A aquariana

É mulher macho sim senhor.

 

Porém não são possessivas

Nem procuram dominar

Ou são meigas e passivas

Ou botam para quebrar.

 

 

                                                 Peixes

 

                                                 Mulher de Peixe… peixe é

                                                 Em águas paradas não dá pé

                                                 Porque desliza como a enguia

                                                 Sempre que entra numa fria.

                                                 Na superfície é sinhazinha

                                                 E festiva como a sardinha

                                                 Mas quando fisga um namorado

                                                 Ele está frito, escabechado.

                                                 É uma mulher tão envolvente

                                                 Que na questão do Paraíso

                                                 Há quem suspeite seriamente

                                                 Que ela era a mulher e a serpente.

                                                 Seu Id: aparentar juízo

                                                  Seu Ego: a omissão, o orgulho

                                                 Sua pedra astral: a ametista

                                                 Seu bem: nunca ser bagulho

                                                 Sua cor: o amarelo brilhante

                                                 Seu fim: dar sempre na vista

 

 

 

 

Talvez num tempo da delicadeza…

 

 

 

Pretendo descobrir

No último momento

Um tempo que refaz o que desfez

Que recolhe todo o sentimento

E bota no corpo uma outra vez.

 

 

Será que tem volta, Selminha?

 

 

 

 “Todo o sentimento” (Chico Buarque / Cristóvão Bastos) 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=anFxDsg20KE[/youtube]

 

 

 

Querido diário

 

    Selma Barcellos

Selma 2

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Manhã de check-up: 

 

Saio quase duas horas antes por causa do trânsito infernal. Chego pontualmente e ainda mofo para ser atendida em exames marcados.

Aguardo minha vez com aquelas risadas tor-tu-ran-tes de Ana Maria Braga na TV da sala de espera. Não consigo ler meu livro. Não posso fugir. Corto os pulsos? Ao menos eu entraria logo.

Uma jovem folheia “Caras”, sacode o carrinho do bebê com os pés e imita um chocalho ininterrupto com a voz. A criança grita fininho. Sabe motor de dentista?

Toca um celular. O ring é um cidadão aos berros: “Ora comigo! Sai deste corpo que não te pertence! Sangue de Cristo tem poder!” Que isso.

Na volta, já perto de casa, mais engarrafamento. São 40 cones para 10 homens asfaltarem UM buraco, em horário de pico, num trecho afunilado da estrada.

À tardinha… o impensável: “Senhora, queira desculpar, mas vamos estar repetindo um dos seus exames porque faltou luz* e nós o perdemos. Não se preocupe, vamos estar disponibilizando o horário que lhe for mais conveniente”.  _ De madrugada!, respondo. Mentira, rosno.

Querido diário, eu não acho, tenho certeza. Nunca mais domínio sobre a qualidade do nosso tempo, pessoas silenciosas, inteiras (suas metades estão sobre a mesa, no bolso, nas mãos), respeito mínimo, privacidade… Nunca mais restaurantes calmos, praias quase vazias…

Admirável mundo novo.

 

 

 

*Que faltou luz. Simplesmente o  profissional que me atendeu não dominava aquela estrovenga de medir esqueleto e o exame ficou ilegível. Rrrrr…

 

 

Geratriz

 

       Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto 2 (2)

 

 

 

 

 

 

 

 

FUNIL INVERSO

  

 

A unidade

guindado num poço

o funil

a idade.

Posição falsa,

falácia, falcatrua.

Pretensão unívoca

e uma retidão contrária

à área de pouso.

Neste funil

não passa caldo

só saldo de um jogo.

Solto da gravidade

retém

disperso por ócio

ou negócio da China

um caleidoscópio.

A ubiquidade

fora do poço

a única idade.

 

Water reflection inside of well, directly above