teus olhos
verdes
azuis
claros
escuros
são lumes
lâminas
de todos os gumes
Duas contas (Anibal Augusto Sardinha, “Garoto”), Rosa Passos
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=qqsl0GgFlwc[/youtube]
teus olhos
verdes
azuis
claros
escuros
são lumes
lâminas
de todos os gumes
Duas contas (Anibal Augusto Sardinha, “Garoto”), Rosa Passos
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=qqsl0GgFlwc[/youtube]
“Capoeira me mandou
dizer que já chegou
chegou para lutar”
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=FWU29T5O6s0[/youtube]
“Berimbau”, Vinicius de Moraes / Baden Powell
Era no tempo do rei.
Se fosse hoje, seria mais um “combate do século”, como Muhammad Ali X Joe Frazier; Muhammad Ali X George Foreman; Mike Tyson X Evander Hollifield; Anderson Silva X Chaell Sonnen, e tantos outros.
O apresentador anunciaria estrepitosamente:
— No corner azul, pesando 68 quilos, 1,70m de altura, invicto, o rei da ginga, capoeira Pula de Lado; no corner vermelho, pesando 71 quilos, 1,73m de altura, também invicto, o rei da pernada, capoeira Coice nos Bagos.
Aquele não foi apenas um “combate do século”, mas o combate de todos os séculos e de todos os tempos.
Não se travou no ringue nem no octagon, mas num recanto do Rio de antanho, lá pelas bandas dos Arcos da Carioca, como se chamava então os Arcos da Lapa.
Pula de Lado e Coice nos Bagos eram os dois maiores mestres do jogo da capoeira, com as cabeças a prêmio, caçados diuturnamente pelo major da Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte Miguel Nunes Vidigal, ou simplesmente Vidigal, o chefe da polícia de outrora, temido e odiado pelos bandoleiros, malfeitores, valentões, capoeiras e pelo populacho em geral, aos quais, com seu séquito de fardas azuis, não dava um segundo de trégua.
Pulo de Lado e Coice nos Bagos jamais haviam se enfrentado. Respeitavam-se. Evitavam-se. Ambos dominavam todas as manhas da capoeira, embora as alcunhas não deixassem dúvida quanto à especialidade de cada um.
Mas daquela feita, durante os folguedos do entrudo, não tiveram como se esquivar do confronto tão esperado. Era preciso resolver de uma vez por todas a pendenga de quem era o maior.
O jogo varou a noite enluarada, que salpicava de estrelas o chão de terra.
Todos os golpes de ataque e defesa foram exibidos pelos dois capoeiras: armadas, bençãos, cabeçadas, chapas, martelos, meia-luas, rabos de arraia, coices, saltos mortais, voos, rasteiras. O jogo de Pula de Lado era mais refinado e artístico; o de Coice nos Bagos, mais contundente e perigoso.
Há quem diga que o jogo demorou tanto tempo porque no fundo, no fundo, nenhum dos dois queria de fato acertar para valer o outro. Preferiam exibir-se, intimidar-se, e talvez um admirasse o que o outro fazia.
Até que, quando a manhã ia alta, um pândego anunciou:
— Evém o Vidigal!!!
Pula de Lado, que havia se desviado magistralmente de todas as pernadas e investidas do oponente, perdeu a atenção por um instante com a patranha (suspeita-se que o falso arauto era do grupo adversário), desviou-se para o lado errado e tomou o coice nos bagos, que nem fora o melhor golpe desferido pelo dito cujo.
Um certo Pessoa diria depois que “quem tem alma, não tem calma”
Pois quem leva um coice nos bagos, perde a alma e a calma. Pulo de Lado não quis afago, esqueceu a dor e partiu para a ignorância de vez, deixando a altivez de lado. Encabruado, apanhou um caibro abandonado e com ele acertou o joelho do escoiceador.
O jogo virou rixa generalizada, envolvendo os adeptos de cada facção e até o povaréu que acompanhava a refrega
Ao fim e ao cabo, Pulo de Lado, Coice nos Bagos e muitos outros acabaram detidos de fato por Vidigal e sua milícia, que acorreram ao local justamente por causa da arruaça.
Depois disso, nenhum dos dois voltou a ser o mesmo.
Pulo de Lado sumiu do mapa, sem deixar descendência.
Coice nos Bagos, manquitola, já não metia medo em ninguém.
Há quem afirme, contudo, que nas noites de lua cheia duas sombras se vislumbram nos velhos Arcos da Carioca trocando golpes de capoeira a mancheias.
P.S. Não sou o Yann Martel (veja aqui), logo entrego logo. Este texto me saiu do delicioso livro de Ruy Castro, “Era no tempo do rei”, que por sua vez escamoteia confessadamente Manoel Antonio de Almeida e seu antológico “Memórias de um sargento de milícias”. Ruy Castro menciona de passagem os dois capoeiras, “Pulo de Lado” e “Coice nos Bagos”, no extenso rol daqueles perseguidos e detidos pelo temível Vidigal. Não sei se existiram, mas os nomes me entranharam e perseguiram até que lhes arrumasse um tira-teima nos velhos Arcos da Carioca. Como diria Martel — desta vez com inteira razão —, sou um escritor menor diante de uma grande ideia.
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=_e7ah-kyVyE[/youtube]
“Noite dos Mascarados”, Chico Buarque / Elis Regina
Selma Barcellos
Durante anos, pelas ruas calmas de Itacoatiara, lá vinha o carro de som lembrando que o melhor carnaval do mundo era o do clube aqui do bairro. A música de fundo? Invariavelmente “Bandeira branca, amor…”. Baixavam a voz do anúncio, subiam a da estrela Dalva: “Pela saudade que me invade, eu peço paz…”.
Pronto. Era a senha para sair à cata de cocares, o máximo com que meus meninos me permitiam fantasiá-los. Indiozinhos aculturados, bermuda de surf, sandálias… O maridão, na “folia pagã”, só movia as sobrancelhas e os indicadores pra cima. E ainda hoje. So british.
Diante de família tão contagiantemente carnavalesca, a mim, que sempre curti o “tríduo momesco” e suas fantasias (em moleca, a mãe confeccionava uma para cada dia), só me restava variar a flor dos cabelos, o colar de havaiana, e bora pro clube.
Matinê rolando, salão lotado, os meninos felizes apanhando confete e serpentina pelo chão, e eu? Ora, tomando conta deles (álibi perfeito para mães folionas) e seguindo o fluxo. Tanto riso, ó quanta alegria, não posso ficar nem mais um minuto com você, mas que calor, ô, ô, ô… De vez em quando um samba-enredo fazia aflorar a cabrocha de requebros febris. Tem cura não.
Ano qualquer, resolvi que o carnaval não ia ser igual àquele que passou. Cismei de me fantasiar de ‘Clóvis’. Segredo absoluto. Zoaria nossa turma de amigos e, de quebra, tentaria acabar com o medo que os meninos tinham de mascarado, dizendo: _ É a mamãe!
Com o clube quase ao lado de casa, pedi que o marido fosse na frente com as crianças. Chegava já. Vesti o palhaço rapidinho, aquela gola linda, purpurinada, as luvas e o adereço final: a máscara de cabelos cor de fogo espetados.
Suando em bicas com a correria, adentrei o clube. Vi onde a turma estava reunida. Com a voz modificada e naturalmente abafada pela máscara, cutuquei um daqui, mexi com outro dali… Até que resolvi sentar no colo do maridão para continuar o trote.
Claro que não o imaginei empurrando a mascarada misteriosa. Mas… gostando? Levando um lero? Mãos já na cintura dela tipo boneca de ventríloco? Mais um pouco pedia o telefone.
Como dizem por aí, “não sabe brincar, não desce pro play!” . Levantei a máscara. Gente, o susto da criatura, a cara de “foi mal” … O pigarro… Poucas vezes vi uma expressão de desespero tão de perto.
Por uns bons dias, o carro de som foi um homem ao vivo cantando, assoviando, declamando pelos corredores da casa “Bandeira branca, amor, não posso mais…”. Perdoei.
Evoé, Momo!
Para Luiz Barcellos (quebrou o maior galho…)
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=1pJT6o4-B7o[/youtube]
“Bandeira Branca”, Dalva de Oliveira
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=y2ccJzN6tQw[/youtube]
Manuela ainda não completou três anos, mas já faz alguns meses que está na fase das princesas.
Passa os dias na fantasia de uma delas, Branca de Neve (cujo lindo e colorido vestido é o meu preferido), Cinderela, Bela Adormecida, a Bela da Fera (que ela adora). Agora anda encantada com Rapunzel, por causa do filme “Enrolados” a que assiste continuamente. Aliás, a Rapunzel pequenina do desenho, ao nascer, se parece muito com ela (pelo menos aos babões da família, parece).
Isso significa que Babu se tornou o camareiro da princesa do dia, embora ela sempre insista em me dar outros papéis mais nobres.
Vestida de Branca de Neve, me indagou que personagem eu seria.
― Mestre, lhe propus.
― Não, Babu! Você não é anãozinho, não tem barba branca…
Disse-lhe que colocava uma barba de mentirinha e ficava de joelhos (pois é assim que sempre me ponho diante dela), mas ela não concordou.
Ela entra nas personagens, come um pedaço da maçã envenenada, ou espeta o dedo na roca, boceja e adormece teatralmente. Edipozinho básico já rolando, se o pai está por perto, é ele o Príncipe que tem de beijá-la para ela despertar. Quando ele não está, Babu quebra o galho.
Ao me dizer, na distribuição dos papéis, que o pai, como sempre, seria o Príncipe, respondi-lhe:
― Não senhora! Papai é o pai da princesa. O seu príncipe ainda vai chegar. De cavalo branco…
Devolveu-me na lata:
― Cavalo branco não, Babu! De carro… Vermelho…
Princesa sim, mas do século XXI!
Quem sabe uma Ferrari Testarrosa?
Rapunzel na torre, à espera do Príncipe