“Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!”
(Bernardo Soares)
Acordou num quarto de hotel, sem saber onde estava e como fora parar ali.
Percebeu que anoitecia, em vez de amanhecer.
Quando procurou o relógio na mesa de cabeceira para ver as horas, encontrou um bilhete de trem, que partiria às 22h30min.
Faltava pouco para as 20h e se quisesse pegar o trem deveria se apressar.
Estava nu. Foi ao banheiro, escovou os dentes e tomou um banho usando os utensílios e produtos oferecidos como cortesia pelo hotel.
Abriu a porta do pequeno armário do quarto e encontrou as roupas e os sapatos. Havia também uma pequena valise de couro, bastante desgastada, com alguns livros. Nada mais.
Vestiu-se, apanhou a valise e desceu à recepção.
— A conta já está paga, senhor, e o táxi o espera, disse-lhe a recepcionista.
Tomou o táxi e o motorista, sem que lhe dissesse nada, levou-o à estação.
Chegou com quarenta minutos de antecedência. Teve tempo de perambular um pouco pelos corredores tentando descobrir, sem êxito, em que cidade se achava. Tomou um café e o atendente, assim como a moça do hotel, conversou com ele em inglês, mas as pessoas ao redor falavam espanhol, francês, alemão, árabe, japonês e até português.
Não teve tempo de mais nada.
Tratou de embarcar no trem e se acomodou numa poltrona vazia, junto da janela.
Pouco depois o comboio partiu, deixando para trás a cidade misteriosa. Logo percorriam uma região campestre, com lindas paisagens que se alternavam, planícies, grandes lagos, florestas espessas, montanhas e túneis. O céu estrelado estava magnífico, e a lua cheia projetava uma luz suave e melancólica.
Além dele, havia apenas três ou quatro passageiros dispersos pelo vagão.
Tirou um dos livros da valise, com a capa de couro avermelhado e letras douradas. Era de Fernando Pessoa. Abriu-o ao acaso e deu na página do poema que se inicia com o verso “Viajar! Perder países!”. Releu este e alguns outros. Pouco a pouco a leitura e o embalo do trem deixaram-lhe os olhos pesados de sono.
Adormeceu com a sensação apaziguada de quem está voltando para casa.
Toda viagem é um regresso.
