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A voz do povo…

 

               Euclides Rossignoli

euclides rossignoli

 

 

 

 

 

 

 

O dito popular que sentencia “A voz do povo é a voz de Deus” é conversa mole. A voz do povo, prestem atenção caros leitores, serve muito frequentemente é para veicular a maldade, a injúria, a impiedade, ficando bem mais próxima da voz do diabo.

Vejam, por exemplo, o que faz a voz do povo no campo da alcunha. O apelido, uma verdadeira praga nas cidades pequenas, quase sempre surge carregado de maldade por associação à aparência física da pessoa, a atividade que ela exerce ou às suas habilidades e inabilidades. O grau de malignidade varia muito, mas a regra é que o apelido tenha a carga negativa do ridículo, do feio ou, no mínimo, do desagradável.

Quando jovem, eu soube de pessoas que tinham apelidos tão feios que nem podiam saber, embora a cidade de Ourinhos inteira soubesse. Tinha, por exemplo, lá na Vila Margarida, o João Quati, assim chamado porque de fato se parecia com aquele carnívoro da família dos prociônidas. Tinha o Zé Encrenca, que ficou assim conhecido simplesmente por ser esquentado. Tinha o Zé do Sino, um professor de história que era o primeiro a chegar às missas. Tinha o Zequinha Mortadela, que trabalhava como entregador de embutidos. Tinha o Chico Bucheiro, que vendia nas ruas, com uma carrocinha, miúdos de boi e de porco. Tinha o Tufik Cinco Por Cento, que atuava no campo da agiotagem. Tinha a Maria Galinha, mulher casada mas bem danada. Tinha o Jonas Relho, que nem posso falar porque tinha esse apelido. Tinha a Maria Bigodinho, morena bonita, mas dona de um buço marcante. Tinha o Hélio Cateto, um professor cuja compleição lembrava o porco-do-mato caititu. Tinha também o Jacaré, o Zé Apavorado, o Zé Toicinho, o Paulo Cuié, o Orelha de Pau, o João Geladeira, o Mauro Boca de Gaveta, o Tamancada. 

Agora me lembrei de muitos outros. Tinha o João Kilovate, que trabalhava na empresa de força e luz lendo o consumo nos relógios das casas. Tinha a Luzia Cadillac, que topava uma voltinha com todo mundo. Tinha o Zé Protocolo, assim apelidado porque trabalhava no serviço de protocolo da prefeitura. Tinja o Miltinho Alicate, um sujeito das pernas tortas. Tinha o Nelson Cachorro e o Jaime Peru. Tinha o motorista Tatu e o Ermenegildo Vaca. Tinha o Zé Diarreia e o Osmar Penico. Tinha a Maria Canecão, o Zé Cadelinha e o Sílvio Bagunça. Tinha o Zé Boi, o Leitão e o Antoninho Cabeça de Passarinho. Tinha o Capeta, o Ticanha, o Mané Pega Tudo, o Joel mico, o Lamparina e o Boca de Égua.

São apelidos, todos eles, muito desagradáveis. Mas nenhum ganha em ridículo e maldade daquele que a voz do povo reservou ao pobre que era dono do laboratório de análises clínicas da cidade. Como naquela época o exame mais comum e mais solicitado pelos médicos era o de fezes, o cidadão ficou conhecido como Zé da B…

 

PS: Esta crônica já estava acabada quando recebi correspondência de Curitiba, apontando lacunas. Vítimas da voz do povo, lembra o missivista, eram também o odontologista Diógenes Baratinha e o professor Mário Preto. Este Mário Preto, além de não ser afrodescendente, era branco até no nome: Mário de Oliveira Branco Filho, o Marinho. Veja o que não faz a voz do povo!

 

 

NOTA DA REDAÇÃO

 

“Euclides Rossignoli nasceu em 1939, na Fazenda Santa Clara, no município de Santa Cruz do Rio Pardo. Veio para Ourinhos com um ano de idade e foi criado na Vila Margarida, onde passou a infância e boa parte da juventude. Em 1959 mudou-se para a capital, onde estudou Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP). De volta a Ourinhos, foi professor de sociologia e de estudos sociais em escolas de ensino médio. Foi vereador de 1983 e 1988.”

Essa a singela apresentação de Euclides, que consta da orelha do seu delicioso livrinho, “Ourinhos Histórias e Memórias”, publicado pelo autor com o prêmio obtido no “Concurso de Fomento a Produções Culturais e Oficinas Criativas” da Secretaria Municipal de Cultura de Ourinhos.

Adverte ele, modestamente, que “Embora haja neles muita história, os escritos que o leitor encontrará neste livro não constituem textos de História. O autor não é historiador nem realizou pesquisa alguma para escrevê-los. Usou apenas a memória e sabe que, muitas vezes, propositadamente ou não, registrou a versão mais do que o fato”.

Quem o lê, porém, logo se dá conta de que histórias ou estórias ele as conta com a graça e o talento de um belo escritor. Cada um guarda em si uma Recife de Bandeira, uma Itabira de Drummond, uma Macondo de García Marquez, uma Buenos Aires de Borges, uma Belo Horizonte de Pedro Nava, uma Istambul de Orhan Pamuk, uma Rio de Janeiro de sempre de Paulinho Lima, uma Guaxupé de Annibal Gama. Todas elas, assim como a Ourinhos de Euclides Rossignoli, são únicas e são a mesma, pois como diz Pessoa “A terra é semelhante e pequenina / E há só uma maneira de viver.”

Euclides vem rebrilhar a constelação de craques do Estrela Binária.

 

 

OURINHOS__HISTORIAS_E_MEMORIAS

 

 

 

D’ après Carlos Drummond de Andrade

 

          Selma Barcellos

Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                   “O homem atrás do bigode

                                   é sério, simples e forte.

                                   Quase não conversa.

                                   Tem poucos, raros amigos

                                   o homem atrás dos óculos e do bigode.”

 

Já sem o bigode da mocidade, alguns imbecis insistem em também tirar os óculos da estátua de bronze do poeta, em Copacabana.

O que ele (ou a estátua) diria?

O poema de Selminha diz.

 

MAS COMO DÓI!

 

                                   Se me chateio? Demais.

                                   Choram meus olhos inúteis

                                   e minhas retinas fatigadas

                                   já nem perguntam nada.

                                   Minhas pupilas estão gastas

                                   pela visão contínua de anjos tortos,

                                   desses que vivem na sombra,

                                   à espreita, no meio do caminho.

                                   Fosse esse gauche de óculos

                                   a estátua de uma bunda,

                                   a vasta bunda da Raimunda,

                                   engraçada, sempre sorrindo,

                                   haveria rima e solução.

                                   Eis que mais vasto é meu coração.

                                   E aqui de onde escrevo

                                   estamos todos vivos

                                   (mais que vivos, alegres) —

                                   eu, o poetinha, o Braga, o Jobim…

                                   Nada devia dizer

                                   sobre tristes fatos, ao cabo.

                                   Mas essa lua, mas esse conhaque

                                   botam a gente comovido como o diabo.

 

 

drummond não roubem meus óculos 

 

 

Os três mosqueteiros

 

        Adalberto de Oliveira Souza

 Adalberto 2 (2)

 

 

 

 

 

 

                                                           FREQUÊNCIA

 

                                                                                                          Ao Gama e ao Brenno

 

 

 

                                               Lá estão os mosqueteiros

                                               de aquém

                                               luas e mares,

                                               naufrágios

                                               e sufrágios

                                               particulares

                                               e universais.

 

                                               Exilado

                                               os vejo

                                               e os revejo,

                                               meus conterrâneos,

                                               sempre na memória

                                               partindo

                                               e voltando

                                               na presença

                                               e na ausência.

 

dondon 9

 

 

 

Da arte de dar com uma mão e tirar com a outra

 

        Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

Esta arte não é equivalente à “Lei de Gérson”, que gostava de tirar vantagem em tudo. Felizmente, porém, Gérson só tirava vantagem das equipes estrangeiras de futebol que jogavam contra o Brasil.

A arte de dar com uma mão e tirar com a outra, não é dar mamão com uma mão e tirar mamão com a outra mão. Mas algumas vezes pode ser que sim. Você dá um mamão com uma mão e tira um mamão com a outra. Nestes casos, convém tirar o mamão maior. Próxima desta arte é a outra de uma mão lava a outra, e as duas lavam a cara.

Dar com uma mão e tirar com a outra é o que fazem quase sempre todas as pessoas, mas algumas fazem mais do que as outras, e poucas não dão nem com uma mão nem com as duas, mas tiram com ambas, e tirariam com uma terceira, se tivessem uma terceira mão. É uma espécie de troca. Para dar com uma mão e tirar com a outra, você precisa ser lento com uma mão e rápido com a outra. Só assim o sujeito que recebe de uma mão não percebe que se está lhe tirando com a outra. Quando ele se dá conta disso, você já deve estar longe, abanando-lhe a mão.

Se você for canhoto, convém dar com a mão direita e tirar com a esquerda, porque evidentemente a mão esquerda é mais esperta e ligeira do que a direita. E vice-versa, se você for destro. Se então for ambidestro, pode deitar e rolar.

Também é costume dar com os pés, e tirar com as mãos ambas. De qualquer maneira, não dê o braço a torcer, nem a mão à palmatória.

Há comerciantes que são muito hábeis em dar com uma mão e tirar com as duas. Para isso, eles falam em custo e benefício, e esses trecos de engabelar os trouxas. Quando vão vender uma mercadoria nunca dizem que a tal mercadoria custa quinhentos reais, mas sim quatrocentos e noventa e nove reais. Se for à prestação, eles espicham a prestação em sessenta vezes, e você paga cinco ou dez vezes mais o valor da coisa, que em geral não tem valor nenhum. Porque os juros estão embutidos. Os banqueiros então não dão nem com uma mão nem com a outra. Ao contrário, tiram com as quatro, porque os banqueiros têm quatro mãos, são quadrúmanos.

Quando se usava balança, a arte era botar os dedos, ou a mão, disfarçadamente, num dos pratos da balança, para o freguês ver que a mercadoria pesava mais do que os pesos no outro prato. Eram as balanças “Fiel”, fiel para o negociante. Por isso também se fala em “dois pesos e duas medidas”. A Justiça também pesa na balança, mas pesa menos para os ricos do que para os pobres. E se os pobres reclamam, ela está com a espada na mão para cortar qualquer reclamação.

Os manetas têm muita dificuldade em dar com uma mão e tirar com a outra. Mas podem valer-se das mãos ou dos braços ortopédicos. Ou de um gancho, como o Capitão Gancho.

Dando com uma mão e tirando com a outra, pelo menos você empata. Porém, se for hábil em dar com uma mão e tirar com a outra, usando de todos os recursos desta arte que lhe estou ensinando, ganha sempre. Empatar não é bom negócio.

Não ande com uma mão atrás e outra adiante. Ande com as mãos à frente para poder dar com uma e tirar com a outra, ou com ambas. Andar então com as duas mãos para trás é péssimo. Você fica indefeso, e tudo lhe é tirado.

É dando que se recebe, dizem alguns. Recebe o quê, depois de dar? Geralmente, você recebe um coice. Daí porque os motoristas costumam dizer: “Ou dá ou desce”.

Você pode dar uma volta, que é de graça. Mas se você der uma volta e voltar fica no mesmo lugar, e não vai em frente. Trate de dar com uma mão e tirar com a outra. E não tire a mão daí. Elas gritam, as mulheres nas quais você bota uma mão, ou as duas, mas acabam deixando.

E já que lhe ensinei essas regras de dar com uma mão e tirar com a outra, vou comer o meu mamão. Coma você também o mamão que tirou com uma mão para dar em troca um limão azedo.

 

dar com uma mão

 

 

Es muele?

 

            Selma Barcellos

 Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

Um olho nos lírios de las esquinas, outro nos taxistas:

─ Te gusta Buenossaires?

─ Brasileños de onde?

─ Já estoy juntando la plata pra Copa de usted, ãh! Fiz las cuentas, voy precisar de unos 20000 dólares. Tengo mucho que trabajar neste taxi… hahaha…

─ Congratulatión por “Tropa de Elite”, ãh! Sensacional! Já assisti mijones de vezes. Capitán Nascimiento merece todos los prêmios.

─ Si necessitam de chaqueta de cuero, la garantia soy yo. Los reales están valorizados por acá. Muy bueno pra usted, ãh!

─ Visitaram el Zoo? Es una beleza. Mira mis fuetos com a família.

─ E La Bombonera? Brasileños no tienen buenos recuerdos deste estadio… hahaha… pero te lo juro que Pelé foi muuuucho mejor que Maradona.

─ …

Entregamos a Dios o trololó ininterrupto da criatura e revezamos nos monossílabos. A noite em Las Cañitas vale qualquer sacrifício.

No taxímetro, 38 pesos. Damos 50. Com rapidez e habilidade de um prestidigitador, o surreal condutor observa a nota contra a luz, dá um peteleco nela, esfrega-a com a ponta dos dedos e declara: _ Es falsa.

Conhecedores do golpe da troca, citamos os últimos algarismos da nota e falamos em polícia.

Evade-se o Copperfield bribón, milongueiro, safado.

Pra cima de nosotros…

 

 

                                       Caminho por calles

                                       Plenas de azul

                                       Florido.

                                       Trago poesia

                                       E todos os risos

                                       Comigo.

                                       Os lírios

                                       Das esquinas

                                       son testigos.

 

 

                                                                     Buenos Aires, novembro de 2011

 

 

lírios

 

 

 

Horário de Verão

 

           Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

Embora todos houvessem adiantado uma hora nos relógios, ele manteve no seu o horário de sempre, isto é, passou a ter uma hora a menos do que os demais.

Por isso, chegava sempre atrasado aos encontros e compromissos, sua vida passou a ser um desencontro permanente. Mas já era, antes.

Ao enterro do amigo, chegou quando o defunto já havia sido enterrado. Limitou-se a olhar para a cova e dizer “por que esta pressa?”

O Verão tem três meses, como as demais estações, e suprimiam-lhe uma hora, avançando para o Outono. Explicavam-lhe que aquilo representava uma economia de energia elétrica, e ele retrucava: “Economia foi no dia 20 de outubro, em que desligaram a energia do meu bairro durante mais de seis horas”.

Era um homem de princípios e não admitia que através dessas manobras indecorosas alterassem o calendário gregoriano.

Continuou a fazer as suas refeições no horário habitual, ainda que isso provocasse discussões com a cozinheira. “Na minha casa e na minha vida mando eu!”

Os outros, porém, obedeciam as ordens que vinham do governo, ou seja lá do que fosse.

A uma audiência em que devia comparecer em juízo à uma hora da tarde, chegou ao meio dia e, como não visse ninguém, deu uma banana a todos que ali não estavam e foi embora. O resultado é que foi marcada nova audiência para que ele comparecesse debaixo de vara, como se diz, para sua indignação.

E como faleceu às quatro horas da tarde, em seu relógio, exigiu, do outro lado, que lhe restituíssem mais uma hora. Restituíram-lhe e, por milagre, foi socorrido a tempo, sobreviveu ao ataque cardíaco que tivera, e continua vivendo, com a hora certa, isto é, atrasada de uma hora no relógio.

Quando, afinal, passou a hora do Verão e todos atrasaram uma hora em seus respectivos relógios, ele ainda disse: “Gente mais besta. Comigo não mexem”.

 

 horario-de-verao 2

 

 

Minha terra tem palmeiras

 

 

Do BLOGHETTO SELMA BARCELLOS, Barquinho e Estrelinha,  parceirinhos queridos, como Vinicius gostava de dizer.

 

 

barquinho e estrela

 

 

O amor de Vinicius pelo RIO DE JANEIRO…

 

Vejo de minha janela uma nesga do mar verde-azul de Copacabana e me penetra uma infinita doçura. Estou de volta à minha terra… A máquina de escrever conta-me uma antiga história, canta-me uma antiga música no bater de seu teclado. Estou de volta à minha terra, respiro a brisa marinha que me afaga a pele, seu aroma vem da infância. Retomo o diálogo com a minha gente. Uma empregada mulata assoma ao parapeito defronte, o busto vazando do decote, há toalhas coloridas secando sobre o abismo vertical dos apartamentos, dá-me uma vertigem. Que doçura!

Sinto borboletas no estômago, deve ter sido o tutu com torresmo ontem misturado ao camarão à baiana de anteontem misturado à galinha ao molho-pardo de trasanteontem misturada aos quindins, papos-de-anjo, doces de coco do primeiro dia. Digiro o Brasil. Qual canard au sang, qual loup flambé au fenouil, qual pâté Strasbourgeois, qual nada! A calda dourada da baba-de-moça infiltra-se entre as papilas, elas desmaiam de prazer, tudo deságua em lentas lavas untuosas num amoroso mar de suco gástrico…

– É a brazuca! – disse-me Antônio Carlos Jobim balançando a cabeça com ar convicto, enquanto empinava o seu VW em direção ao Arpoador.

Há uma semana e meia atrás, pelas cinco da manhã, eu tocava violão para uns brasileiros e espanhóis da terceira classe, no Charles Tellier, que me trazia da Europa. De repente, um clarão lambeu o navio e todo mundo correu para a amurada. Era um farol de terra, possivelmente o de Cabo Frio. Havia entre nós um padre que regressava depois de quatro anos de estudos em Roma e Paris, um bom padre mineiro cheio de zelo pela nova missão de que vinha investido. Juro que vi o velho palavrão admirativo, o clássico palavrão labial de assombro formar-se em sua boca sem que ele sequer desse por isso.

Domingo passado fui almoçar na casa materna. Muito mais que as coisas vistas, os sons é que me emocionaram. Lá estava na parede o velho quadro de Di Cavalcanti, representando um ângulo da rua Direita pouco depois do antigo Hotel Toffolo, em Ouro Preto, mas o que me chegou foi o tinir das ferraduras dos burrinhos nas velhas pedras do calçamento, de mistura ao soar dos sinos e à voz presente de minha filha Luciana chamando-me: “Pai… iê!” para que eu fosse ver qualquer coisa. Depois, o sussurrar de vozes se amando baixinho no escuro de um beco, sob a luz congelada de estrelas enormes…

– Você gosta de mim?

– Gosto.

– Muito?

– Muito!

Minhas artérias entraram em constrição violenta, o peito doeu-me todo e eu me levantei e fui até a rua para respirar. Sei que morrerei um dia de uma emoção assim. Mas não adiantou. Lá estava o capim brotando de entre os paralelepípedos, lá estava a ladeira subindo para o verde úmido do morro, ali à esquerda ficava um antigo apartamento onde eu morei. Naquele tempo eu ganhava novecentos mil-réis por mês e estudava para o concurso do Itamaraty. Dava apertado, mas dava.

Por que será que só no Brasil brota capim de entre os paralelepípedos, e particularmente na Gávea? Existe por acaso um sorvete como o do seu Morais às margens do Ródano? Vêem-se jamais as silhuetas de Lúcio Rangel e Paulo Mendes Campos numa cervejaria em Munique? Quem já viu passar a garota de lpanema em Saint-Tropez?

Adeus, mãe Europa. Tão cedo não te quero ver. Teus olhos se endureceram na visão de muitas guerras. Tua alma se perdeu. Teu corpo se gastou. Adeus, velha argentária. Guarda os teus tesouros, os teus símbolos, as tuas catedrais. Quero agora dormir em berço esplêndido, entre meus vivos e meus mortos, ao som do mar e à luz de um céu profundo. Malgrado o meu muito lutar contra, eis que me vou lentamente tornando – logo eu! – num isolacionista brasileiro.

 

 

 

De poeta para poeta

 

  

Brenno 4

 

 

 

 

 

 

Brenno Augusto Spinelli Martins

 

 

                                                               Estivestes comigo em todos os inícios

                                                               mas me abandonastes nos finais.

                                                               Repartistes comigo todos os vícios,

                                                               mas me deixastes sozinho

                                                               nas ressacas dos meus carnavais.

 

                                                               Por que demorastes tanto, ó Poeta?

                                                               por que ainda demorais

                                                               pra me ensinar vosso canto,

                                                               elegias,

                                                               desencantos,

                                                               poesias,

                                                               acalantos

                                                               e o tanto que sois capaz?

 

                                                               Chegastes tarde, ó Poeta!

                                                               agora é tarde demais:

                                                               não tenho mais bala na agulha…

                                                               Por que me influenciais?

                                                               estando sempre presente

                                                               na retina dos meus eyes…

                                                               na rotina dos meus ais.

 

 

 vinicius de cavanhaque

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Namorados da Noite

 

           Selma Barcellos

 Selma-no-Jardim-de-Luxumburgp

 

 

 

 

 

 

 

 

(ilustração do blog A pelada como ela é)

 

 

Começo a crer que deveríamos ter dado a largada para as comemorações do centenário de Vinicius de Moraes muito mais do que um ano antes. Há tanto o que relembrar e até mesmo descobrir sobre o poeta…

Leiam que delícia de pesquisa realizou o jornalista Sérgio Pugliese sobre o passado peladeiro de Vininha. Claro está que “peladas para o Poetinha só mesmo as musas inspiradoras e nessa arte ele certamente superou os mil gols, desbancando consagrados artilheiros” , mas há novidades sobre outra arte – a do encontro de “um pontinha individualista”, como ele se autoproclamava em campo, com os amigos e o prazer de viver. Crônica imperdível, queridos!

Petiscos:

[…] Nesse dia, decidiram oficializar o time, batizá-lo, criar um estatuto, um escudo, um uniforme, um hino e convidar Vinicius para técnico. Sabe-se lá quantos barris de chope depois, nascia o Namorados da Noite, o azulão estrelado.

– Ele topou, claro, afinal o importante era estar entre amigos. E com um nome desses, Namorados da Noite, ele tinha que estar dentro – brincou Carlinhos Vergueiro.

[…] Em sua partida de estreia como técnico, nenhuma estratégia e apenas um pedido aos craques do Namorados da Noite: “Entrem e vençam!”. Nas vitórias, claro, as resenhas eram mais divertidas e o uísque descia redondo.

[…] – Consta que Vinicius quando jovem jogava futebol, lutava boxe e jiu-jítsu e nadava muito bem, porém não há nada que comprove isso e quem viu já não está por aqui. O certo é que torcia pelo Botafogo e isso está registrado numa de suas crônicas, na qual ele chama a atenção de um bilionário americano, Mr.Buster: “…O senhor sabe lá, Mr. Buster, o que é um choro de Pixinguinha? O senhor sabe lá, Mr. Buster, o que é ter uma jabuticabeira no quintal? O senhor sabe lá, Mr. Buster, o que é torcer pelo Botafogo?” – divertiu-se Toquinho.

O prato cheio aqui. Deliciem-se.

 

E o hino do glorioso Namorados da Noite? “Com raça, elegância e galhardia” é tudo de bom… (já está no CD de Toquinho “Quem Viver, Verá” )

 

 [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=Wf3uRzEUQnc[/youtube]

 

 

O farol

 

         Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto 2 (2)

 

                                

 

 

 

 

 

                                                                  O FAROL

 

                                                           Farol é condão,

                                                           Cordão desatado,

                                                           Revelação.

 

                                                           Farol é empurrão

                                                           Para um lado só,

                                                           Seguro toque em vão.

 

                                                           Farol é momento,

                                                           Assento com ímã,

                                                           Prisão,

                                                           Guerra fria.

 

                                                           Farol é lei?

                                                           Estático êxtase

                                                           Feroz.

 

farol 2