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Miopia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

  

“Ele queria ver mais as coisas, todas, que o olhar não dava”.

Guimarães Rosa –  Manuelzão e Miguilim

 

 

“D-E-G-H”

“Parabéns!” – Disse o oculista à garota.

Ela não comemorou. Sua irmã um pouco mais velha acabara de ganhar óculos. Seu pai usava óculos. Sua mãe não usava por teimosia, mas era míope. Depois da consulta, ela passou a ser a única que enxergava diferente.

Inconformada, pediu aos pais um par de óculos. Eles sempre respondiam caçoando da garota:

“Para você, só óculos escuros!”

Ela não se conformava e todo ano, quando a irmã voltava ao médico, aproveitava a consulta e pedia para que sua visão fosse medida novamente. Enquanto o grau de sua irmã aumentava, a visão dela continuava perfeita. Acertava sempre todas as letras. Algumas vezes pensou em errar de propósito, mas nunca teve coragem pois tinha medo de acharem que ela não havia sido alfabetizada corretamente e a obrigarem a frequentar aulas particulares.

Além dos óculos, ela queria colocar gesso e aparelho.

O gesso conseguiu. Rompeu o ligamento do tornozelo sete vezes. Não de propósito, já que depois da primeira torção viu que aquilo doía pra diabo. Como uma praga, a cada passo em falso, seu tornozelo voltava a parecer uma bola de tênis. Piorou quando passou a usar salto alto. Sentiu-se uma idiota por não conseguir andar tão bem quanto as amigas. Mas a falta de elegância tinha a explicação que tanto a orgulhava.

O aparelho nos dentes ela também nunca conseguiu. Algumas vezes colocava um clipe de papel esticado na boca e contava para todos na escola que havia colocado aparelho. Na época, os meninos ficavam encantados. Diziam que meninas de aparelho beijavam diferente. Seu primeiro namorado usou aparelho, e quando ela o viu comendo coxinha desistiu de consertar seus dentes quase perfeitos.

Um dia, a garota que agora já era mulher, pegou uma forte conjuntivite. Sua vista ficou embaçada por mais de um mês. No começo, ela achou graça e não foi ao médico. Depois, entrou em desespero. Tudo o que ela costumava ver com nitidez estava embaçado e sem definição.

Decidiu voltar no oculista que cuidava de seus olhos perfeitos há mais de vinte anos. Mal conseguia ver o semblante envelhecido do médico. Ele quase não a reconheceu.

Fim do tratamento. Voltou ao retorno da consulta, pois sua vista continuava embaçada. Ainda desesperada, perguntou ao oculista:

“Não vou sarar nunca?”

Neste momento, ele lhe deu o presente que ela sempre esperou:

“0,75 de miopia”

Ela sorriu e mesmo com as pupilas dilatadas foi à ótica mais próxima, comprou os óculos do seu sonho.

Agora ela enxergava como todos os membros da família.

 

Bell Gama – agosto 2008

 

De mim para você

 

 A “garota Selminha”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(by Wayne Miller)

 

 

Guardo comigo as lembranças do que eu era-a-a-a… Favor, antes de ouvir a música, entrar no clima dos bailes da vida:

Vestido de cetim, decote-canoa de um ombro ao outro, justinho até a cintura marcada por uma faixa de cor diferente com laço e camélia. A saia meio armada respondia pelos efeitos especiais. Escarpins de brilho perolado. Cabelos? Abafa o caso.

Os rapazes (de smoking, se o baile era de formatura, viravam praticamente um Clooney) chegavam pertinho e sussurravam: _ Dança comigo?

Chato só quando eles vinham em nossa direção e tiravam a amiga ao lado. Tóin! Sem falar no “chá de cadeira” quando os astros não eram por nós. Bad days.

A orquestra de metais tocava uma série de sucessos durante 15, 20 minutos, tempo suficiente para rolarem desde antologias como “Selma, que você almeje tudo que deseje!”, até o mantra repetido pelo figuraça que passava o tempo da dança perguntando o que a gente achava disso ou daquilo. E, invariavelmente concordando, mandava com entonação de época: _ Somam dois!

Claro que seu apelido na roda ficou “Somam dois” e claro que morro de saudades dele. Não sei por onde anda, se “cresceu-vos” e multiplicou, se está somando em Brasília…

De qualquer forma, é dele a música “rosa pink” de hoje. Aquela que deixava a pista lotada e a galera ali, somando emoções. Muitas emoções.

 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=9r2pEdc1_lI[/youtube]

 

                                                      _ Gosta dessa música?

                                                       _ Somam dois!

 

 

Virtualidade

 

 

 

 

                             

 

 

 Brenno Augusto Spnelli Martins

 

 

 

                              É como se fosse um link

                              o amor curtido à distância.

                              Se não deu certo um lance,

                              não precisa nem xilique…

                              basta apenas um click

                              e o amor se desmancha.

 

                              E agora?

                              Mas…

                              e depois?

 

                              Como arquivar a ilusão?

                              Onde postar a emoção?

                              Compartilhar a paixão?

 

                              Onde baixar essa dor?

                              Cadê o download do amor?

                              Como excluir a saudade?

 

                              Como salvar a verdade?

  

 

 

O anjo caído

 

 

    Selma Barcellos 

selma_couri_barcellos

 

 

O dia fatídico da profecia dos maias se aproxima,

mas para o cirurgião amigo da Selma, tanto faz…

 

 

 

 

Era 2012 ou nunca, buzinaram-lhe os maias. Desfilaria na Sapucaí.

Amigo querido, cirurgião renomado, incumbiu o anestesista da equipe de escolher a escola e a fantasia, frisando que “só não queria aquela que homenageava iogurte com alas de bactérias que organizam o intestino.”

Chegado o dia, ansioso, coração “batendo mais que as maracas, descompassado de amor”, partiu para se arrumar na casa do colega folião, repassar o samba, tomar um uisquinho desinibidor…

Porém, ai, porém. O anfitrião avisou que não ia beber por “questão de  segurança”. Concordou. Longe dele bancar o chato. A sunga (branca!) de seu Anjo veio trocada, tamanho P. Se puxava na frente, faltava atrás. Sentiu-se praticamente um Gabeira de cache-sex. Os pés até entraram nas sapatilhas. Mas os velhos e torturantes joanetes, não. Pisou na avenida, quebrou-lhe a asa esquerda e o maldito ferrinho da armação começou a feri-lo “à altura da escápula”. Passou o desfile  inteirinho apoiando a traquitana. Na moral. Como assim, a escola perder pontos em fantasia e adereços por causa dele?

Escola evoluindo, um componente bebum resolveu crocodilar sua mulher e “evoluir” ao redor dela. Fingiu que não viu, fazer o quê. Deselegante um arranca-rabo diante da multidão e das câmeras. Como assim, a escola perder pontos em evolução por causa dele?

Na dispersão, já a caminho da condução fretada, passou por uma área estranha com gente esquisita e ouviu dos rapazes alegres: _ Beleza de reguinho! Acelerou o passo. Bufava. Derretia.

_ Caríssima, que tal minha estreia na avenida? – pergunta traumatizado.

Tento filosofar, dizendo-lhe que são dores e delícias do carnaval como, de resto, da vida. Conto sobre nosso carro novinho abalroado por trás por um gringo bêbado, sem carteira e sem condição de descer para dialogar, o que nos obrigou a fazê-lo com sua acompanhante, uma afroMinnie gigantesca – a visão do inferno – , igualmente bêbada. A criatura só balançava o laçarote de bolinhas sobre a cabeleira progredida e dizia: “Xês – hic! – podem me telefonar que – hic! –  tudo será resolvido.”

_ Obrigado, Selminha, mas nada se compara a desfilar com os joanetes doendo, a asa quebrada e a bunda de fora. E a escola caiu, sabia?

Ô dó.

 

 

 

 

 

A vida começa e acaba todos os dias

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

8:00 – O despertador toca. Desligo com vontade de dormir. Não posso.

8:15 – Escovo os dentes e vejo que há um novo vazamento no banheiro. Interfono para o porteiro. “Problema no prédio todo. Estamos sem água”. Esbravejo. Fico puta. Penso em desmarcar todos os compromissos e voltar para a cama. Não posso.

8:30 – Tomo um café, fumo um cigarro.

8:30 – Ligo o computador, checo os e-mails. Revejo a lista de itens por fazer. Começo pagando o boleto da Receita Federal (preciso fazer a segunda via do passaporte). Transfiro o dinheiro para a conta de um locador de apartamentos no Rio de Janeiro (Eba! Vou ver o mar em dezembro). Dou parabéns aos aniversariantes no Facebook. Respondo a algumas pessoas…

10:00 – A massagista chega para me apertar na drenagem linfática. O batuque constante da reforma do apartamento de cima me irrita.

11:00 – Recebo um telefonema com um briefing para um roteiro.

11:30 – Recebo a proposta de um freela na próxima semana. Minha agenda está disponível (mais trabalho!).

12:00 – Ligo para o cliente do primeiro roteiro para tirar dúvidas. Acho que não vai ser difícil e marco para fazer as unhas (há mais de um mês não consigo ir). Começo o roteiro.

12:30 – Recebo por e-mail mais um roteiro a ser feito. Penso em cancelar as unhas.

12:50 –  Com o roteiro semi-pronto, almoço um lanche rápido no Shopping, recuso o convite de almoçar com a irmã (tenho que trabalhar).

12:55 – Ligo para os meus pais. Estão bem. Digo que amanhã vou para Ribeirão. Preciso vê-los (não volto para lá há quase dois meses).

13:20 – Faço as unhas.

14:00 – Termino e volto para casa.

15:00 – Reviso o roteiro e envio para o cliente. Hora de começar o próximo

15:45 – Recebo um e-mail do amigo GPeteanH “Recebi esse e-mail agora e estou muito triste. Como não estou em São Paulo, resolvi repassar a triste notícia… o Violla faleceu.”  Choque…

 

PAUSA – Marcelo Violla era um amigo. Um grande amigo dos meus amigos.  Portanto, meu amigo. A última vez que nos vimos foi há duas semanas no encerramento da peça “Meio Lá, Meio Cá”. Junto com Murilo Inforsato e GPeteanH, ele participou da criação da peça durante quase dois anos. Nos encontramos várias vezes. Trabalhamos juntos. Ele foi o nosso iluminador no “Prosa Afiada Conta Vinícius de Moraes”. Era um cara talentosíssimo. Trabalhava para várias companhias teatrais. Entendia muito de luz e de toda a cena teatral. Muito querido no meio das artes. Um dos mais criativos técnicos que vi trabalhar. Junto com LosbobosBobos estava cheio de planos. Estava investindo em fazer trilhas, queria outros caminhos. Na ocasião que nos vimos pela última vez eu estava sem ingresso para a peça deles. Ele me deu um de seus ingressos destinado à sua família e me disse “você vai sentar junto com a minha família”. Eu brinquei: “hoje sou team Violla”. Vi sua mãe, sobrinhos, irmã. Acho que as últimas coisas que falei foram: “Obrigada” “Tá feliz?” e “Parabéns”.

 

15:46 – Ligo para o Murilo para saber como ele está, descobrir notícias. Ele não me atende.

15:47 – Ligo para o GPeteaH com o mesmo objetivo, ele também não me atende. Sinal de que as coisas não vão bem.

15:48 – Tento descobrir algo pelo Facebook. É verdade. As pessoas começam a se manifestar.

15:50 – Decido ligar para a Laura, mulher do Murilo. Ela me conta toda a história. Não se sabe a causa da morte. Violla simplesmente foi encontrado morto na rua. Choque. Murilo está bem, em choque. GPeteaH está tentando ficar bem. Os amigos estão se mobilizando para falar com a família. Nada se sabe sobre velório. O corpo dele ainda está no hospital.

16:00 – Divido a triste notícia com minha irmã.

16:10 – Ligo de novo para o Murilo. Desta vez, converso com ele. Tudo muito triste. Muito súbito. Muito difícil de descrever. Tento avisar outros amigos em comum, troco algumas mensagens. Fico sem ação.

16:20 – Tento me concentrar no segundo texto a ser entregue. Resolvo fazer somente um rascunho. Nada deve ser lido, entregue hoje. Não dá. Fumo, tomo café, volto para o computador, revejo as fotos do Violla. Fico num ciclo doido pensando no que devo pensar, pensando no que devo dizer, pensando no que devo fazer….

 

PAUSA

 

18:24 – Recebo uma mensagem de texto no celular: “Queridos, a Manu chegou. Cheia de saúde tanto que já está mamando. Estamos no hospital São Luiz. Obrigado pelo carinho, beijos da Rê, Cauê e Manu”. A filhinha da Rê nasceu!!!!!! Bem! Saudável! Linda! Quero visitar! Quero pegar no colo! Quero…

18:25 – Repasso as notícias. Checo com amigos mais próximos como está a Renata. Ela está bem, um pouco tonta, teve que fazer cesárea. Decido que é melhor não ir vê-la hoje. Muita notícia boa para ela. Precisa descansar para dar leite para a Manu.

22:45 – Penso no Violla que se foi. Na linda Manuela que chega.

 

 

Bell Gama

Outubro de 2012

 

 

 Marcelo Violla (de verde) junto com a trupe do “Prosa Afiada”

 

OBS – Pensei muito antes de escrever esse texto. Mas, todos os amigos de Violla estão fazendo questão de homenageá-lo deixando por escrito nossa gratidão por sua existência. Essa é minha singela homenagem. Hoje não tem luz no palco. Tem estrela nova no céu. #RIPViolla

Eu também não poderia deixar passar em branco o nascimento da querida e esperada Manuela, filha da minha querida amiga Renata Ferraz e do Cauê Dias. Sou madrinha de casamento deles. Sou fã do amor deles. Sou fã de tudo que eles fazem. Com a Manu, o orgulho é ainda maior. Tudo de melhor

 

Cauê, Renata e Manu logo após se encontrarem pela primeira vez (roubei a foto da mamãe) 

 

 

 

Canção do dia de ontem

 

 

A poesia de Selma Barcellos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

(by Dennis Stock)

 

 

 

                                  Deste cais

                                  De revoos

                                  E migração

                                  Dos sonhos,

                                  Sob sol e azul

                                                  Em deslimite,

                                  O poema,

                                                   Em vertigens,

                                  Insiste.

 

 

                                  Anoiteço ali,

                                                  Em silêncio,

                                  Alumiando candeias.

                                  Ainda

                                  À espera

                                  De que versos

                                  Jorrem-me das veias

                                  E celebrem esta ânsia como finda.

 

 

Itacoatiara, primavera de 2011

 

 

 

 

A certeza absoluta

 

 

 

 

 Uma das coisas de que mais tenho saudade da minha infância é da certeza absoluta.

Eu tinha certeza, enquanto colecionava os pôsteres do New Kids on the Block, que o Jordan gostava de mim. Eu sabia que do outro lado do mundo (não sabia nem de  que lado), ele pensava em mim telepaticamente. Não importava a nossa diferença de quase 15 anos de idade, nem o fato de eu não falar inglês e ele ser o maior astro da cultura pop da época.

Quando alguém me perguntava com quantos anos eu queria casar, respondia num relance: 24. A amiga fazia um quadradinho envolta, perguntava o nome de três pretendentes e de três lugares onde eu queria passar a lua de mel (lua de mel?). Eu respondia coerentemente Estados Unidos, Guarujá e Istambul. Em cima, ela colocava 1,2,3 (número de filhos) e ao lado R,P,M (Rica, Pobre ou Milionária). A partir da idade citada, ela ía eliminando os nomes e as possibilidades. Apesar de sempre torcer para ser milionária, eu nem me importava muito com os resultados. O importante é que naquele pedaço de papel estava um decreto, uma certeza absoluta: me casaria com o X, passaria a lua-de-mel em X, teria X filhos. Era um alívio ter aquela certeza aos 11 anos.

 

 

 

 

Na época a AIDS era avassaladora. Depois do dono da floricultura, levou Cazuza e Renato Russo. Era o pior diagnóstico que alguém poderia ter. Tranquei-me dias na casa da Kel tentando descobrir a cura. Ao bebermos água na talha (filtro de barro, tá gente?) tivemos a certeza absoluta de encontrar a solução: tiraríamos o sangue todo do corpo do doente e colocaríamos litros e litros de sangue novo. Kel também tinha a certeza absoluta de que seríamos alquimistas quando crescêssemos.

Minha certeza era tão absoluta que uma vez peguei o Opala Comodoro escondido do meu pai e bati a lateral inteira. Para disfarçar, colei lama na lataria do carro e achei que ele nunca veria!

E aí um dia o pai vê, no outro você se estrepa, no seguinte toma um chute na bunda e depois do quinto ou sexto tombo vê que cresceu e que nenhuma certeza é absoluta.

 

Bell Gama

Outubro 2012

 

 

(Dedico esse texto a Kel, amiga que me deixou um recado lindo no Facebook nesta semana. Depois de ler, tive a certeza que mesmo sem nos vermos há décadas, nossas lembranças são absolutas)

 

 

Parceria em foco

 

 

 

 

 

 

 

Ele é bem mais velho do que eu.

Nasceu no mês de agosto de um longínquo ano…

Eu, no mês de novembro!

Natural, pois, que a catarata o pegasse primeiro (se bem que a dele foi causada por uma pancada que sofreu).

Mas isso pouco importa. 

O que importa (com ou sem catarata) é que desde os verdes anos observamos as mesmas estrelas, ainda que de navios diferentes (com sua licença, Aldir).

 

 

 

Em homenagem aos seus novos focos,

permita-me que lhe dedique novamente

esses flocos

de poesia:

 

 

                                      DEJÀ-VU

 

 

                                    De olho no olho que não vê

                                    já vejo tudo.

                                   Como um dejà-vu constante,

                                   tenho registrado cada instante

                                   de um tempo antecedente,

                                   quase oculto,

                                   por detrás das cataratas

                                   e das corredeiras.

                                   Onde ordeiras baratas

                                    e satânicos colibris

                                    faziam seu festim macabro…

                                    acabo já-já com esse passado!

                                    levado embora

                                   pela impávida aspiração

                                   que seca a neblina,

                                   que embaça a nitidez

                                   da paisagem cristalina.

 

                                    Mas as cortinas já se abrem

                                   para o segundo ato

                                   e o fato se submete

                                   ao enredo teatral.

 

                                   E a verdade aparece na revista

                                   mesmo vista

                                   com olho artificial.

 

 

(mas um pouco de miopia é bom, porque permite não se ver as coisas como de fato são…

 e deixa ver outras como gostaríamos que fossem. Lembra?)

 

                                                                                                                                                                                       Brenno Augusto Spinelli Martins

 

 

 

 

 

 

 

Românticos em alta

 

 

 

 

 

 

 

      Selma Barcellos

Leio que os homens não estão apenas mais românticos, como andam desejando plateia para suas declarações de amor e pedidos de casamento.

Veríssimo. Nas redes sociais, nas novelas ou aqui mesmo, na rua mais movimentada de Icaraí, o apaixonado chegou numa Kombi pink cheia de balões coloridos, e depois daquela clássica do Wando, do hino do Flamengo (na voz de João Bosco!) e do foguetório, declarou-se em vários decibéis. Pena que a moça, uma atendente da loja, ficou envergonhada e se trancou no provador. Não houve jeito de convencê-la que lá fora poderia estar o amor de sua vida. Tentamos. “SUENEIDE, TE AMOOOO!” , gritava ele no megafone. Soube depois que ela não gostava do nome e ouvi-lo assim amplificado, complicou.

E no cinema? O rapaz ficou na fila da pipoca e a namorada foi guardar lugar. Quando ele finalmente entrou, luzes já apagadas, nem titubeou: – Gildinha, cadê você? Levanta a mão, aê! Tá com vergonha que eu tô falando alto, né? Eu amo essa mulher, gente! Aplaudidíssimo. Ri a sessão inteirinha.

Merecemos. Somos desde sempre tão românticas, concessivas… Lirismo puro ouvir minha manicure cortar o papo sobre abdômen ‘tanquinho’ : – Homem tem que ter uma barriguinha pra gente dormir de conchinha e ela se encaixar na nossa lordose… O côncavo e o convexo, meninas… Sabe tudo.

Os galanteios também evoluíram muito, convenhamos. “Não é placa, mas para o trânsito…” , “Você deve ser dentista, deixa todo mundo de boca aberta…” , “Ana Graça? Mas isso não é nome, é pleonasmo…” Só saber o que é pleonasmo já é meio caminho andado.

O que não vale é exagerar, ficar temático demais. Porque eram fazendeiros, precisava a declaração ser feita com feno e… estrume? Manda pastar.

Mas o que importa é o que interessa. É lindo o amor.

 

 

Post e música dedicados a Sueneide. Saudade dela

 

 

 

 

Nota da Redação: Não deixem de clicar no link acima “Manda pastar”, que leva ao post das declarações de amor referidas pela nossa estimada colaboradora.

 

 

Por que Poesia em tempos de indigência?

 

 

 

 

 

Os que costumam orbitar por aqui certamente já conhecem e admiram Selma Couri Barcellos pelos seus comentários deliciosos, pela sua sensibilidade e cultura, por sua delicadeza e irradiante luz.

Agora essa luz passará a aquecer e rebrilhar esta Estrela com intensidade ainda maior, pois consegui convencê-la (quase obrigá-la) a se tornar colaboradora permanente do blog.

Conhecemo-nos pela internet, no Bloghetto da Maria Helena, do qual, após o encerramento, ela e o blog que mantinha havia algum tempo tornaram-se os únicos sucessores possíveis, com a benção da própria Maria Helena. 

Desde o primeiro encontro, muitas têm sido nossas conversas, trocas e parcerias, afinidades surpreendentes e complementares.

É ela a minha Estrela Binária, que doravante passamos a dividir e reduplicar.

Assim, singelamente, ela se apresenta no seu adorável Bloghetto:

 

 

“Fui menina em  Niterói (RJ), cidade à beira-mar plantada.

Desde sempre me fascinou a palavra, a redação a partir daquelas imensas e coloridas gravuras postadas à frente da classe (ainda as guardo, todas, na retina e na memória), a leitura do texto pronto em voz alta…

Moleca ainda, mal chegavam as visitas,  vestia correndo a bailarina e recitava poesias. A bem da verdade,  algumas visitas nunca mais voltavam, mas eu ficava em estado de graça…

Formei-me em Jornalismo e Relações Públicas pela PUC/RJ e UnB/DF.

Porém, seguindo um pensamento de Confúcio, escolhi um trabalho que amei. E não precisei trabalhar um só dia de minha vida.

Sim, exerci o magistério por mais de 25 anos.  Por puro prazer, de forma apaixonada, respirando poesia porque lidei com crianças, criaturas poéticas em sua essência, viajando e acreditando na força encantatória e transformadora da palavra.

Em 2004, fui agraciada com o 1º lugar no Concurso de Redação para Professores da Academia Brasileira de Letras e do jornal Folha Dirigida. O tema, sugerido pelo poeta Ivan Junqueira, então presidente da ABL, foi “Por que Poesia em tempos de indigência?”.

Atualmente, enquanto aguardo os netos que me darão os dois filhos, seres adoráveis, tão diversos quanto únicos, escrevo crônicas, ensaios, poemas, pinto quadros…

E agora, com este blog, irei partilhar memórias, experiências, reflexões.

Vem comigo?”

 

 

Vamos todos…

 

 

 

Por que Poesia em tempos de indigência?

 

 

“Repetir, repetir – até ficar diferente.”

(Manoel de Barros)

 

 

Porque precisamos, mais que nunca, de lirismo que é libertação, delírio do verbo. De tocar tango argentino e dançar sobre um palco iluminado até o sapato pedir pra parar. De ser gauche na vida e ouvir estrelas, que felicidade aparece mesmo é em horinhas de descuido.

Porque temos visto demais o beco. E no meio do caminho, pedras. E rostos assim tristes, assim magros, olhos tão vazios. Temos tido febre, dispnéia, suores noturnos. Diante de nossas retinas fatigadas, o horizonte é apenas o da fotografia na parede. Isso dói. Navegar é preciso e nosso barco, estranho barco, navega a remo, a dor de braço; de vela é rico, de vento é escasso.

Porque nos têm sufocado a mediocridade pachorrenta; a miopia displicente das elites, mudas telepáticas; o vazio absoluto das ideias, falácias que não sabem de rima, nem de solução.

Porque José nunca tivera querido dizer palavras tão loucas a sua Fulô. Mas a mão que afaga também apedreja. E agora José, sem carinho, em total solidão, fim de quem ama, vai viver da poesia que entorna no chão, inventar o cais, se lançar. Ainda que o Tejo não seja o rio de sua aldeia. O resto é mar.

Porque é mentira que basta de lero-lero, vida noves fora zero e um dia estaremos mudos – mais nada. A alquimia do verbo sempre irá nos lembrar de nunca morrer assim, num dia assim, de um sol assim! Pois para isso fomos feitos: para a esperança no milagre, para vermos a face da morte e, de repente, nunca mais esperarmos. Apenas nascermos, imensamente. E, na medida do impossível, renascermos. A cada dia, Fênix. A cada dia. Vida é para ser reinventada.

Assim, que poesia é voar fora da asa, migrando ao sabor dos voos e vertigens das redondilhas, pedirei à cotovia que leve aos céus este avigrama redentor:

Senhor, poupai os poetas! Eles abriram janelas, salvaram afogados. Teceram as palavras em poesia, oráculo pelo qual rompestes Vosso silêncio. Deixai que flutuem para o Amanhã, livres de correntes, remidas, suas almas nuas!

Em tempos de carências, bem-vinda a poesia, louvados os magos-poetas que nutrem nosso espírito e nos afagam os sentidos. Jamais seres acima do bem e do mal. Tampouco o novo homem. Apenas vetores de sentimentos, emoções e ideias e por isso mesmo, de mudanças onde toda indigência se dilui.

Seja-lhes sempre fontana a inspiração, pois daqueles a quem deu o dom de conceber ideias ou emoções especiais e exprimi-las de forma estética, parece claro que Deus espera algo. Quem dá os meios, dá a missão. 

“Não me acorde, se estou sonhando” ─ disse Dom Quixote, o maior dos sonhadores, ensinando-nos que a utopia, da qual nasce a esperança, é parte da condição humana, assim como transcender, superar ou modificar essa mesma condição é necessidade indispensável ao homem, justo porque essa condição é imanente.

A cada um de nós é dado ver as coisas como são e perguntar-nos: por quê? E sonhar como as queremos ver e perguntar-nos: por que não?- refletiu Bernard Shaw.

Assim também, em tempos tais que vivemos, sejam abençoados os magos-professores, esses desdobráveis de pés no chão e olhos nas estrelas, a quem cabe o cotidiano desafio de soltar amarras, romper margens, dissipar sombras e conduzir barcos a ultramares onde a Educação, plasmada em novo código genético, há de diluir indigências e tecer mais luminosas manhãs.