Posts in category "Tom Gama"

Outro retrato em branco e preto

 

 

 

“Retrato em branco e preto” (Tom Jobim / Chico Buarque), com Elis e Tom

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Já conheço os passos dessa estrada

Sei que não vai dar em nada

Seus segredos sei de cor

Já conheço as pedras do caminho

E sei também que ali sozinho

Eu vou ficar tanto pior

E o que é que eu posso contra o encanto

Desse amor que eu nego tanto

Evito tanto e que, no entanto,

Volta sempre a enfeitiçar

Com seus mesmos tristes, velhos fatos,

Que num álbum de retratos

Eu teimo em colecionar.

 

Lá vou eu de novo como um tolo

Procurar o desconsolo

Que cansei de conhecer

Novos dias tristes, noites claras,

Versos, cartas, minha cara,

Ainda volto a lhe escrever

Pra lhe dizer que isso é pecado

Eu trago o peito tão marcado

De lembranças do passado e você sabe a razão

Vou colecionar mais um soneto

Outro retrato em branco e preto

A maltratar meu coração.

 

 

Rolezinho

 

 

Fenômeno tipicamente paulistano, cujas praias são os shoppings, o rolezinho é o assunto do momento e começa a se espraiar por outras cidades por puro espírito de imitação, de “estar na moda”.

Aliás, “estar na moda” é a marca principal do rolezinho, embora já pululem por todos os cantos análises da intelligentsia tupiniquim conferindo, à direita e à esquerda, conotações político-sociais ao suposto “movimento”, comparando-o às manifestações de rua do ano passado, a protestos de excluídos e até ao “Ocupity Wall Street”! Com tanto tesão intelectual, já deve haver teses de mestrado e doutorado em gestação. 

A oposição enxerga reflexo da crise social; o governo, da ascensão social.

Devagar com o ardor, minha gente, às vezes um rolezinho é apenas um rolezinho, como diria Freud.

O que quer afinal a meninada do rolezinho?

Divertir-se, encontrar-se com amigos e conhecer outros, olhar vitrines, paquerar, beijar muito, fazer algazarra, como todas as gerações fazem e fizeram na mesma idade, cada qual a seu modo. O rolezinho é o footing da era da informática e das redes sociais.

Basta ver o que dizem, pensam e exibem os líderes e participantes dos rolezinhos, em frases colhidas ao acaso pela internet:

 

“Vamos ai pessoal zoa muito conhece novas pessoas e catar muitas minas e curti muito e sem roubo ai so curti mesmo”;

 

“Nós é Red Nós é Ouro Boné pa Tras Nike de Mola Nós é os Menino que as Menina Gosta”.

 

Afora a língua portuguesa, a turma do rolezinho não quer destruir nada, muito menos os shoppings, templos de consumo a que não teriam acesso. O que eles querem mesmo é celebrar os shoppings e o consumo. São tão consumistas, hedonistas e vazios quanto a molecada das classes A e B. Isso sim há de ser preocupante.

A magnífica charge de Jean Galvão na edição de hoje da “Folha de S. Paulo” (A2 Opinião) sintetiza tudo isso de uma forma que só mesmo a charge é capaz: num primeiro quadro, um homenzinho em close-up convida sorridente: “Ei, jovens! Eu apoio um rolezinho em minha loja!”. No segundo quadro, com a cena aberta, vê-se o mesmo homenzinho desanimado em frente de sua loja, que é uma livraria, enquanto a multidão de jovens ruma na direção oposta, seguindo a placa indicativa de “Moda, Cinema, Alimentação”.

É nóis, mano!

 

 

“Chopis Centi” (Dinho / Júlio Rasec), com os Mamonas Assassinas

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Eu ‘di’ um beijo nela

E chamei pra passear

A gente ‘fomos’ no shopping,

Pra ‘mó de’ a gente lanchar

 

Comi uns bichos estranhos,

Com um tal de gergelim

Até que tava gostoso,

Mas eu prefiro aipim

 

Quanta gente,

Quanta alegria,

A minha felicidade

É um crediário

Nas Casas Bahia

 

Quanta gente,

Quanta alegria,

A minha felicidade

É um crediário

Nas Casas Bahia

 

Paríba!

Joinha, joinha chupetão vamo lá

Chuchuzinho vamo embora

Onde é que entra hein?

 

Esse tal “Chópis Cêntis”

É muicho legalzinho,

Pra levar as namoradas

E dar uns rolêzinhos

 

Quando eu estou no trabalho,

Não vejo a hora de descer dos andaime

Pra pegar um cinema, do Schwarzenegger

“Tombém” o Van Daime.

 

Quanta gente,

Quanta alegria,

A minha felicidade

É um crediário

Nas Casas Bahia

 

Bem Forte, bem forte

Quanta gente,

Quanta alegria,

A minha felicidade

É um crediário

Nas Casas Bahia

 

 

Nos píncaros de belos horizontes

 

 

Drummond brincalhão (1)

 

A estátua de Drummond em Copacabana, vítima da imbecilidade de pichadores no final do ano, já sofreu várias depredações.

Não deixam em paz o poeta, a apreciar a cidade escrita no mar. Arrancam-lhe os óculos, emporcalham-no com tinta, colocam-lhe bonés e flores na cabeça, vestem-lhe camisetas futebolísticas. Além disso, tem de suportar a palração dos que sentam ao seu lado e as fotos intermináveis com amigos instantâneos. Eu mesmo, confesso, tenho uma foto dessas com ele.

Pois não é que o jovem Drummond e seu grupo modernista ou futurista da velha Belo Horizonte também faziam das suas pelas ruas da cidade provinciana, que os rejeitava?

Segundo Pedro Nava, “Queríamos a deposição do presidente do Estado, o encarceramento dos seus secretários, um esbordoamento de deputados e uma matança de delegados. E, enquanto não vinham os morticínios exemplares, derivávamos contra a cidade e os concidadãos”.

Uma das práticas para épater le bourgeois era, de madrugada, trocar as placas dos médicos, dentistas e advogados nas fachadas de suas casas ou consultórios.

O próprio Drummond e Pedro Nava, um dos seus amigos mais chegados, relatam em verso e prosa, respectivamente, o quase incêndio que, uma noite, provocaram na casa das moças Vivacqua, cujos saraus literários frequentavam. Assustados, eles mesmos trataram de apagar as chamas e teriam passado por heróis aos olhos das moradoras, se um guarda-noturno não tivesse acompanhado toda a cena. Drummond dizia que se tratara de uma experiência do “ato gratuito” imaginado por Gide, mas a versão corrente era a de que os dois incendiários pretendiam de fato ver as moças de camisola quando saíssem às pressas da casa.

Drummond foi também o criador de uma modalidade temerária de alpinismo urbano, consistente em escalar um dos arcos do recém-construído viaduto de Santa Teresa. Fez vários discípulos e, muitos anos depois, os chamados “Cavaleiros do Apocalipse” da geração de 45 — Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino — repetiam como um ritual as escaladas noturnas do viaduto, cuja altura, dita “vertiginosa” por Nava e calculada em pelo menos cinquenta metros por Fernando Sabino, é na realidade de dezessete metros, o que não é pouco.

Consta ainda que uma noite, quando já se achava aboletado no píncaro do arco do viaduto, Drummond recebeu voz de prisão de um guarda, a quem desafiou a ir até lá em cima prendê-lo. Prudentemente, o guarda achou melhor relaxar a prisão.

Mas o grande escândalo literário, e de repercussão nacional, entre os vários promovidos pelos jovens modernistas mineiros — que se tornaram conhecidos como o “Grupo do Estrela”, bar em que se reuniam para beber, discutir sobre o modernismo, mostrar suas produções e conspirar — seria a publicação, em 1928, do poema “No meio do caminho”, de Drummond, na “Revista da Antropofagia”, de Oswald de Andrade.

Essas e muitas outras peripécias estão deliciosamente reunidas no livro de Humberto Werneck, “O desatino da rapaziada — Jornalistas e escritores em Minas Gerais (1920-1970)”, editado pela Companhia das Letras.

 

 

“E vamos à luta” (Gonzaguinha), com ele

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Um elogio ao amor puro

 

         Selma Barcellos

Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

“Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão.

Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em “diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam “praticamente” apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, banancides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.

Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso “dá lá um jeitinho sentimental”.

Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. é uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra.

A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.”

 

Texto de Miguel Esteves Cardoso para o Expresso

 

 
“Que reste-t-il de nos amours” (Charles Trenet – versão de Ronaldo Bastos), com Henri Salvador e Rosa Passos
 
 
 
 

Feliz 2015

 

 2014

 

 

Se 1968 é um ano que não terminou, como nos revela o delicioso livro de Zuenir Ventura, 2014 será a crônica do ano que não começou.

Os otimistas de plantão — ou pessimistas, dependendo do ponto de vista — dizem que hoje é o primeiro dia útil do novel ano.

Como assim? Todo mundo está careca de saber que o ano só começa de fato no Brasil depois do Carnaval, que este ano será em março.

Mas quando o Carnaval acabar, já em meados de março, estaremos muito próximos do grande acontecimento do ano, a Copa do Mundo, que começa em 12 de junho no Itaquerão (se estiver pronto) e termina só em 13 de julho, no Maracanã. Quem aguenta fazer alguma coisa nessa expectativa da convocação dos jogadores e dos preparativos do escrete nacional, nossa Pátria de Chuteiras? Se o Brasil for campeão, pelo menos dois meses de comemoração. Se perder, dois meses ou mais de profunda depressão.

Bem, mas depois disso o ano finalmente começa. Começa nada! E as eleições, a longa campanha que paralisa o país até o primeiro turno em outubro? E se houver segundo turno, até novembro.

Encerradas as eleições, já estamos pertinho do Natal e do Ano Novo de novo, fazer mais o quê?

A todos, feliz 2015.

 

“Quando o Carnaval chegar” (Chico Buarque), com Nara Leão

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=E667i9Hynro&hd=1[/youtube]