Aniversário

 

Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto (foto)

 

 

 

 

 

 

 

 

                                               ANIVERSÁRIO

 

Do Adalberto para o Gama

 

                                               Parabéns a você,

                                               nessa infinitude de dias

                                               que um dia findarão

                                               (mas isso não se diz

                                               e tampouco se pensa)

                                               por isso é preciso festejar

                                               garbosamente

                                               este momento

                                               vamos soltar rojões

                                               brindar e comemorar

                                               a passagem cruel do tempo

                                               que tanto nos trouxe

                                               e esperar (como sempre)

                                               o que nos trará

                                               com otimismo e galhardia

                                               a vida voltas dá

                                               e desatando nós

                                               num carrossel implacável

                                               ingenuamente vamos girando

                                               esperando

                                               esperando

 

dondon 9

 

 

 

Talvez num tempo da delicadeza

 

 

 

Encantou-se Manoel de Barros.

Por ele continuamos encantados.

 

 

 manoel de barros

 

 

O LIVRO SOBRE NADA

 

É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.

Tudo que não invento é falso.

Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.

Tem mais presença em mim o que me falta.

Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.

Sou muito preparado de conflitos.

Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.

O meu amanhecer vai ser de noite.

Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.

O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.

Meu avesso é mais visível do que um poste.

Sábio é o que adivinha.

Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.

A inércia é meu ato principal.

Não saio de dentro de mim nem pra pescar.

Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.

Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.

Peixe não tem honras nem horizontes.

Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.

Eu queria ser lido pelas pedras.

As palavras me escondem sem cuidado.

Aonde eu não estou as palavras me acham.

Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.

Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.

A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.

Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.

Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.

Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.

Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.

O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.

Por pudor sou impuro.

O branco me corrompe.

Não gosto de palavra acostumada.

A minha diferença é sempre menos.

Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.

Não preciso do fim para chegar.

Do lugar onde estou já fui embora.

 

                                                                                                                                                                                                                                              Manoel de Barros

 

 

“Depois de te perder
Te encontro, com certeza
Talvez num tempo da delicadeza
Onde não diremos nada
Nada aconteceu
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu”

 

 

 

Na luz do luar…

 

 

Será que só nos resta acostumar com os vampiros nos ferindo, Selminha?

 

 

 

 

Vampiros nossos de cada dia

 

 

Dois animais, por asquerosos e irritantes, tiram-me do sério.

Um é o morcego, esse rato alado que, Bolsa Amêndoa garantida, se instala com a família nas árvores em torno de casa. Mal o sol se põe, eles batem ponto, obrigam-me a recolher os brinquedos e a chispar do jardim. O mais velho deles, imenso, sente-se posseiro, e toda santa tardinha faz o mesmo percurso: rasante na piscina, sobrevoada de inspeção na varanda, e lá se vai farfalhante, feliz da vida por me azucrinar e desconcentrar da leitura.

Dia desses, sozinha em casa, no computador do quarto, senti algo passar muito rápido por trás de mim. Só deu tempo de agarrar o celular, me trancar no closet, telefonar para os gêneros masculinos, pedir que encontrassem a criatura viva ou morta e me resgatassem dali. Sufoco.

O outro animal é o político, esse vampiro dos cofres públicos que, Bolsa Cretinice garantida, se instala nas árvores frondosas com seus acólitos (entre outras morcegadas). Incapaz de solucionar nossos graves problemas, também nos obriga a abandonar o jardim. Afinal, não se brinca com voo rasante de balas perdidas. Coincidente é que o mais graúdo deles, o “cara” do morcegal, também se acha posseiro e sai atropelando tudo.

Para minimizar o assédio dos morcegos do jardim, basta podar alguns galhos das amendoeiras. Solução simples, embora temporária.

Quanto às outras criaturas horripilantes, está mais complicado, sem prazo. Padecendo de terrível mutação, pululam feito bactéria. Crescem-lhes multiformes caras, feitas do mesmo barro, quase lama. E estão podres os galhos. Todos.

 

Fragmentos

 

 Annibal Augusto Gama

Annibal e Pichorro 3

 

 

 

 

 

 

 

 

Assim como há homens gordos ou mulheres magras, cavalheiros de conspícuas calvas, viúvas de olheiras e verrugas na asa do nariz, há almas rotundas ou magérrimas, almas que perderam os cabelos, e outras de nariz torto.

***

Três ovos no ninho do pássaro, mas um deles ia gorar: o silêncio, o nada, mais enigmáticos que o projeto da cor, do voo, do canto.

***

O muro era tão solitário que nunca se viu sobre ele passar um gato.

***

As flores imarcescíveis da retórica: não murcham porque são de papel.

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Romeu e Julieta: vejo-os casados, com filhos que também já se casaram e lhes deram netos. Aos domingos, a mamma faz uma bela macarronada, Romeu bebe vinho demais, embriaga-se e xinga Frei Lourenço. A tragicomédia que Shakespeare não escreveu.

***

Lentamente, a mocinha passou de modelo a dançarina, de dançarina a call girl, de call girl a prostituta, de prostituta a marafona e cafetina, Mas sempre que se registra nos hotéis se qualifica com a profissão de sua primeira carteira de identidade: modelo. Modelo de virtudes.

***

Todas as vezes que lhe batiam na porta abria apenas uma fresta e dizia que não queria absolutamente nada, e que não tinha mais nada para dar, livrando-se assim dos vendedores e dos pedintes. Morto, à porta do céu, ficou com receio de que São Pedro lhe respondesse do mesmo modo. Não bateu na porta. Sentou-se ali, e ali ficou durante séculos. E as outras almas batiam, abriam-se-lhes a porta, ou eram enxotadas. E ele ali. Até que São Pedro perdeu a paciência. “Que é que o senhor quer?” “Não quero nada”. Com um pontapé, São Pedro botou-o para dentro. Mas havia muitas outras portas fechadas, infinitas portas de infinitas moradas. Diante de cada uma delas, ele sentava-se e continuava esperando. Mais outros séculos, e era posto para dentro a pontapés. Jamais saberá quantas portas lhe restam e quantos pontapés.

***

Projeto de suicídio: Raspou todos os rótulos das garrafas de bebida e numa delas, vazia, despejou cianureto. Misturou-as. Noites e noites, bebia de uma das garrafas, e apenas se embriagava ligeiramente. Uma a uma, as garrafas foram consumidas, sem que se envenenasse. Restou a última, certamente a de cianureto. Olhou-a longamente. Chegou a hora. Mas ao invés de lhe beber um trago, comprou mais duzentas garrafas de bebida, retirou-lhes os rótulos e misturou-as com a de cianureto. Continua bebendo.

***

Para meu gosto, o poeta Laforgue (L´Imitation de Notre-Dame la Lune, Les Complaintes et les premier poémes), que conseguiu aquele belo verso, “oh, que la vie est cotidienne!”, tem “oh, ah, ô” demais em seus poemas, helas! “Ô vision du temps ou l´être trop puni…” , “Oh! monter, perdu, m´étancher à même. “Ô pilule des léthargies finales”, “Ô Diane à la chlamyde trés-doriques”, “Ah! d´um trait inoculant l´être optere,” “Des nuits, ô Lune d´Immaculée-Conception”, “Ô Radeau du Nihil aux quais seuls de nos nuits”, etc…. As exclamações estouram como bolhas de sabão.

***

No silêncio da madrugada, o médico de branco e mascarado desliza pelo corredor do hospital como um ladrão asséptico.

***

As borboletas quando pousam fecham as asas; as borboletas noturnas, mais conhecidas como bruxas, pousam de asas abertas. Como as mulheres que sentam de pernas fechadas ou abertas, umas são pudicas e outras não.

***

 Os anjos não sentam, estão sempre de pé, porque suas asas são impraticáveis no encosto das poltronas e das cadeiras.

***

 

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Tantas Cecílias…

 

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                                                           De longe te hei-de amar

                                                           — da tranquila distância

                                                           em que o amor é saudade

                                                           e o desejo, constância.

 

                                                           Do divino lugar

                                                           onde o bem da existência

                                                           é ser eternidade

                                                           e parecer ausência.

 

                                                           Quem precisa explicar

                                                           o momento e a fragrância

                                                           da Rosa, que persuade

                                                           sem nenhuma arrogância?

 

                                                           E, no fundo do mar,

                                                           a Estrela, sem violência,

                                                           cumpre a sua verdade,

                                                           alheia à transparência.

 

                                                                                                       (Cecília Meireles, in “Canções”)

 

 

 

 

 

Mil Perdões

 

 

 “Mil Perdões” (Chico Buarque), com Gal Costa

[youtube] http://www.youtube.com/watch?v=yp0wzjUICFU[/youtube]

 

 

 

Rol dos Culpados

 

grades

 

 

                                                           ROL DOS CULPADOS

 

                                                           Preso nesta cadeia nua

                                                           atrás de uma janela de grades de ferro

                                                           e desta porta fechada

                                                           cumpro uma pena que não sei

                                                           de tão longa, de tão incerta.

 

                                                           Que réu sou eu?

                                                           Serei o que matou o rei

                                                           ou o que violou uma donzela?

                                                           Fui eu que furtei o ouro

                                                           do tesouro de um deus sem rosto?

                                                           Sou um soberano deposto

                                                           ou um bandido sem grei?

                                                           Não me dizem e não sei.

 

                                                           Ouço de tão longe

                                                           a voz de uma mulher

                                                           que chama alguém.

                                                           Quem ela odeia ou ama?

                                                           Serei eu?

 

                                                           Mas quem sou eu?

                                                           Sou o que matei,

                                                           ou o que roubei?

                                                           Ou ela chama ninguém?