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Dr. Vanzolini e Mr. Paulo

 

 

“O Paulo é erudito e eu sou pitoresco: o samba iguala tudo.” (Adoniran Barbosa)

 

“Todo mundo, em ‘Volta por cima’ presta atenção em ‘volta por cima’, mas tem uma outra coisa que pra mim é muito mais importante, é ‘reconhece a queda’.” (Paulo Vanzolini)

 

 

O Dr. Vanzolini era um cientista e pesquisador emérito. Doutor em zoologia pela famosa Universidade de Havard, tem pesquisas e trabalhos reconhecidos e divulgados no mundo todo.

Foi diretor do Museu de Zoologia da USP de 1962 a 1993, e passou a maior parte da vida em laboratórios, viagens de trabalho e estudo (foi numa dessas viagens que ele e Antônio Xandó recolheram do folclore a maravilha de “Cuitelinho”).

Todavia, o Dr. Vanzolini, homem da ciência, reverenciado pelo seu saber, acima de qualquer suspeita, tinha uma face notívaga, que de vez em quando o assaltava e o levava a rondar a cidade, misturando-se com boêmios, sambistas e capoeiras 

O Mr. Paulo do Dr.Vanzolini começou a se manifestar por volta dos 18 anos, quando estudava Medicina no Rio de Janeiro.

Se a produção científica do Dr. Vanzolini é vasta e merecedora de grande apreço, o cancioneiro de Mr. Paulo, menos profuso, não fica atrás em qualidade e importância.

Certa vez, em 1963, o Dr. Vanzolini passou uma temporada enfurnado na Amazônia, pesquisando seus bichinhos, e quando retornou a São Paulo, espantou-se. Um samba de Mr. Paulo, “Volta por cima” — que a sua amiga de velha data, Inezita Barroso, não quis gravar — estava em primeiro lugar nas paradas de sucesso, na voz do grande cantor Noite Ilustrada, que o lançou pela antiga Philips.

Antes disso, Mr. Paulo já se tornara conhecido por uma outra canção, “Ronda”, gravada inicialmente pela mesma Inezita Barroso, depois por Márcia (numa interpretação maravilhosa que já se tornou clássica), Maria Bethânia, e até mesmo por João Gilberto.

As atividades intensas do Dr. Vanzolini não permitiram que o boêmio quase abstêmio (segurava na bebida por causa do trabalho), Mr. Paulo, se manifestasse com a frequência que gostaríamos. Mr. Paulo gravou apenas dois LPs: “Onze Sambas e Uma Capoeira”, em 1967, com vários intérpretes (entre os quais Chico Buarque cantando “Praça Clóvis” e “Samba Erudito”) e, em 1981, “Paulo Vanzolini por Ele Mesmo”.

Mas isso não impediu que Mr. Paulo seja um dos principais representantes do samba paulista, a desmentir a frase infeliz, ou apenas gozadora, do querido Vinicius de Moraes de que São Paulo era o túmulo do samba. As canções de Mr. Paulo retratam os mesmos tipos suburbanos e marginais do não menos extraordinário Adoniran Barbosa, palmilham a mesma geografia da nossa Paulicéia cada vez mais desvairada.

A excelente “Biscoito Fino” lançou uma antologia denominada “Acerto de Contas” (infelizmente esgotada), numa caixa com 4 CDs e 52 faixas, abrangendo quase a totalidade das canções de Mr. Paulo, interpretadas por diversos cantores.

Ao completarem 85 anos de idade no ano de 2009, Dr. Vanzolini e Mr. Paulo receberam várias homenagens em São Paulo, entre as quais shows e apresentações ao vivo, em que o acanhado e modesto Dr. Vanzolini, sentado a uma mesa no canto do palco, se transfigurava por breves instantes em Mr. Paulo, enquanto suas canções eram interpretadas, e narrava deliciosas histórias da sua vida boêmia e de compositor 

Na mesma época foi lançado também o documentário “Um Homem de Moral”, produzido pelo biólogo e cineasta Ricardo Dias, amigo do Dr. Vanzolini, que em boa hora resolveu registrar em película as andanças musicais de Mr. Paulo.

Havia um bom tempo que Mr. Paulo não compunha. Segundo ele próprio, a sua última canção foi “Quando eu for, eu vou sem pena”, feita há mais de 20 anos.

Na noite do domingo que passou, Dr. Vanzolini e Mr. Paulo se foram e é uma grande pena para todos nós que ficamos um pouco mais no escuro.

 

paulo vanzolini e seus chapéus

 

Quando Eu for, Eu Vou Sem Pena

 “Quando eu for eu vou sem pena”, Chico Buarque

 

 

Os urubus, as aves e outros pássaros

 

             Annibal Augusto Gama

ANNBAL~1

 

 

 

 

 

 

 

Os urubus, no chão, com um arranque, batiam as asas ― flap! flap! flap! ― subiam, subiam, e ficavam fazendo curvas lá no alto, no céu azul. Quando chovia, e depois que as águas deixavam de cair, vinham pousar na cumeeira do telhado, e ali permaneciam, hieráticos, de asas abertas, para as secar. Se caminhavam no chão do quintal, pareciam desajeitados. Não eram muito estimados, aves pretas que viviam de carniça. Mas tudo tem a sua utilidade neste mundo, até os carrapatos.

Havia, porém, as aves e os pássaros gentis, o beija-flor, as andorinhas, os sanhaços, os canarinhos da terra, a rolinha fogo-apagou, o tico-tico, o joão-de-barro, as pombinhas, a viuvinha, os bem-te-vis, os periquitos, os pássaros-pretos, a tesourinha, tantos, tantos, inumeráveis. Ao longe, no dia abrasador, a araponga malhava no ferro. Nos descampados, as seriemas, nos ervaçais as codornas. A coruja, coitada da coruja!, não era benvista, embora sábia, porque se lhe atribuía o mau agouro, Rasgava mortalha, ao redor das casas onde havia um moribundo. Na fazenda, acharam uma grande coruja, ferida na asa. Trouxeram-na para casa, e deixaram-na empoleirada num quarto de despejo, onde ele passou a tratá-la, trazendo-lhe regularmente pedaços de carne e água. Agarrada no pau da cabeceira de uma cama, ela estagiou ali, alguns dias, e já reconhecia o rapazinho. Tic-tic-tic, fazia-lhe com o bico curvo. Até que se curou, e ele a levou para o parapeito da janela aberta. Ia anoitecer, e a corujona sondou, sondou os arredores . Em seguida alçou vôo. Mas ainda voltou para se despedir dele e, uma vez ou outra, ali aparecia, para o saudar.

Era na época em que, em todas as antologias, havia o soneto de Raimundo Correa:

 

                                   Vai-se e primeira pomba despertada…

                                   Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas

                                   De pombas vão-se dos pombais, apenas

                                   Raia sanguínea e fresca a madrugada…

                                   […]

                                  

                                   Também dos corações onde abotoavam,

                                   Os sonhos, um por um, céleres, voam,

                                   Como voam as pombas dos pombais;

 

                                   No azul da adolescência as asas soltam,

                                   Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,

                                   E eles aos corações não voltam mais…

 

O Irmão Reitor, marista, do ginásio, professor de português, insistia, em cada nova classe de alunos, em declamar o soneto de Raimundo Correa. Ficava de pé, atrás da sua mesa, rubicundo, e agitava as mãos e os braços  enfiados na batina negra. As pombas voavam, Ele, porém, parecia antes um urubu.

Em muitas casas, nos seus poleiros, havia papagaios.  Desbocados alguns, berrando palavrões. Outros rezavam o padre-nosso. Bebiam café.

 

                                                Purrupaco, tataco,

                                               A mulher do macaco,

                                               Ela pinta, ela borda,

                                               Ela toma tabaco,

                                               Torrado num caco…

 

Você, hoje, parece que viu passarinho verde…

E há aquela estória de Millôr Fernandes, do cuco do relógio que, na hora de bater as horas, saia da sua casinhola e perguntava: “Ei, velhinho, que horas são?”

Todas as gaiolas estão com a portinhola aberta.

Os passarinhos fugiram.

 

 

“Passaredo” (Francis Hime / Chico Buarque), MPB4

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=8ZbfbyLoCCE[/youtube]

 

 

Talvez num tempo da delicadeza…

 

 

 

Pretendo descobrir

No último momento

Um tempo que refaz o que desfez

Que recolhe todo o sentimento

E bota no corpo uma outra vez.

 

 

Será que tem volta, Selminha?

 

 

 

 “Todo o sentimento” (Chico Buarque / Cristóvão Bastos) 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=anFxDsg20KE[/youtube]

 

 

 

Uma rosa nasceu…

 

 

“Carolina” (Chico Buarque) Chico Buarque / Carminho

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=lz6ODngWwcY[/youtube]