http://www.youtube.com/watch?v=wjsr271XDT0
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Foto de Bell Gama
Ontem, por mera coincidência, toca-me pegar Manuela na escola, sem atinar que era “Dia do Idoso”, mesmo porque isso nada tem a ver comigo.
Quando me aproximo da sala do “Grupo 3”, ela vem ao meu encontro, saltitante e festiva, proclamando aos quatro ventos:
— Babu é idoso, Babu é idoso, Babu é idoso…
E assim continua, saracoteando à minha frente, pelos corredores e pelo pátio até o portão de saída, ao embalo dos risos das professoras, da diretora, dos funcionários da escola, de mães e pais de outros alunos, do porteiro, do pipoqueiro, do sorveteiro e de quem mais por lá estava.
Já na rua, enquanto caminhamos até meu carro, depois de alguns protestos débeis e infrutíferos (“Não sou idoso, sou um menino antigo”; “Idoso é a vó!”), endureço o jogo:
— Se eu sou idoso então vou morrer logo.
— Não Babu, você vai viver mil anos! Vai buscar minha filha na escola, comprar pipoca e sorvete para ela.
— Vou sim.
— E sabe o que minha filha vai dizer pra você?
— O quê?
— Babu é idoso, Babu é idoso, Babu é idoso…
Mais tarde, a mãe passa em casa para pegá-la e, como de hábito, levo-a no colo para o carro, trocando abraços e beijinhos.
Ao descermos as escadas da varanda, ela vê a lua crescente que desponta entrecoberta pelas nuvens:
— Olha, Babu, a lua está acendendo!
Mas é nos meus braços que a lua loura cresce e acende a vida.
Adalberto de Oliveira Souza
À TARDE
O olhar que não vê
que não atravessa
que não diz.
A parede nua,
a chuva,
a neblina
que envolve
o momento
o não dizer
o já dito talvez.
Nada se diz de todo.
A parede nua.
O vidro, a separação, o limite
que prende, protege e libera
o que existe, o que magoa.
A parede nua.
O olhar que vê
que atravessa.
que diz.
O espelho,
o olhar, o espelho.
O vidro.
O momento.
A névoa deste instante
separa, magoa, retém,
realiza
no chão
que segura
que prende
possivelmente
sofre a luz
que alimenta
e a parede nua.
A rua,
a sua,
a lua,
inexistente,
transparente,
só.
Agora e sempre,
impreterivelmente.
“Viola enlurada” (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle), com Marcos Valle e Milton Nascimento
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=FdaZHAXJFkQ[/youtube]
“São demais os perigos desta vida” (Soneto do Corifeu), Vinicius de Moraes e Toquinho
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=6DPl-hh1GzI[/youtube]
O POETA E A LUA
Vinicius de Moraes
Em meio a um cristal de ecos
O poeta vai pela rua
Seus olhos verdes de éter
Abrem cavernas na lua.
A lua volta de flanco
Eriçada de luxúria
O poeta, aloucado e branco
Palpa as nádegas da lua.
Entre as esferas nitentes
Tremeluzem pêlos fulvos
O poeta, de olhar dormente
Entreabre o pente da lua.
Em frouxos de luz e água
Palpita a ferida crua
O poeta todo se lava
De palidez e doçura.
Ardente e desesperada
A lua vira em decúbito
A vinda lenta do espasmo
Aguça as pontas da lua.
O poeta afaga-lhe os braços
E o ventre que se menstrua
A lua se curva em arco
Num delírio de volúpia.
O gozo aumenta de súbito
Em frêmitos que perduram
A lua vira o outro quarto
E fica de frente, nua.
O orgasmo desce do espaço
Desfeito em estrelas e nuvens
Nos ventos do mar perspassa
Um salso cheiro de lua
E a lua, no êxtase, cresce
Se dilata e alteia e estua
O poeta se deixa em prece
Ante a beleza da lua.
Depois a lua adormece
E míngua e se apazigua…
O poeta desaparece
Envolto em cantos e plumas
Enquanto a noite enlouquece
No seu claustro de ciúmes.
“Fascinação” (Marchetti / Feraudy, versão Armando Louzada), com Elis Regina
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=zmP_9UoqTMI[/youtube]
Outrora eu era daqui, e hoje regresso estrangeiro. Forasteiro do que vejo e ouço, velho de mim. Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei. Eu reinei no que nunca fui.
Bernardo Soares (Fernando Pessoa), “Livro do Desassossego”
“Amor de praia não sobe a serra”, diziam, e eu me revoltava com tamanha insensibilidade e o mau agouro.
“Dessa vez vai ser diferente”, pensava, tentando apaziguar meu coração descompassado de amor.
Por duas vezes, quase foi diferente.
Voltei a me encontrar com dois desses amores longe da praia, e chegamos a manter um breve relacionamento. Ambas moravam em São Paulo.
Uma delas, alta, linda, loura e de família muito rica (que olhava atravessado para aquele caipira pobretão), era de outro mundo, outra estratosfera, tão distante quanto a lua. Muito difícil que desse certo. Pouco durou.
A outra, o oposto, morena, mignon, faceira, com uma graça e um sorriso que ofuscavam a lua, era do meu mundo. Nem sei bem porque tudo acabou.
Por uma dessas trapaças do destino, o apartamento em que morei em São Paulo por quase oito anos antes de me aposentar do Ministério Público ficava na mesma rua e muito próximo do prédio em que ela vivia com a família na época. Passava em frente todos os dias, na ida e volta do trabalho. Às vezes, de noite, olhava para o céu e via a lua.
Naqueles tempos, São Paulo ficava muito distante, tão longe quanto a lua. A Anhanguera era quase toda de pista simples até lá. Avião, nem pensar! Internet, nem em sonho! Telefone, difícil e muito caro.
Nunca mais vi nenhuma das duas, e provavelmente não tenha deixado marca alguma na vida delas. Continuo, porém, a ver a lua daqui de tão longe, mas com outros verdes olhos que me acompanham e aquecem há mais de trinta anos.
Como terá sido com Neil Armstrong?
Ele a tocou. Foi o primeiro. Nela deixou suas marcas para sempre.
Foi um breve encontro. Logo ele voltou a pisar o chão da Terra.
Discreto, recolheu-se e pouco falava a respeito. Achava que não tinha feito nada de mais.
Até que o seu velho coração, que aqui pulsava, parou.
Terá ido pulsar com ela, no infinito do universo?
A mim me resta continuar provisoriamente por aqui, a pisar meu chão de estrelas.
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=0Y9Wh1mWS24]