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Joaquim Ferreira dos Santos me alertou na segunda-feira passada para o relançamento de “Tem que acontecer”, do saudoso Sérgio Sampaio, e para a música do disco preferida dele, “Velho bode”, “aquela do “Você é um fracasso / do meu lado esquerdo do peito / uma corda de nylon / de aço / que arrebenta quando faço dó”. Nesse “dó” final ele tira o som da nota no violão, um dó pungente capaz de deixar humilhados os do Nélson Cavaquinho”.
De Sérgio Sampaio nunca me esqueço (“Eu quero é botar meu bloco na rua” é uma das músicas prediletas da minha mulher), mas confesso que há muito tempo não ouvia uma canção dele, nem me lembrava do “Velho bode”, segundo Joaquim Ferreira dos Santos “um dos bichos mais geniais da MPB (ao lado do “Pato”, do João, do “Sapo” do Donato, da “Perereca” da Dercy”)”.
Sérgio Sampaio, que se foi tão cedo, faz muita falta no cenário da MPB, não apenas pelo seu imenso talento, mas por ser um dos maiores representantes de uma vertente meio “maldita” (semelhante à dos poètes maudits), iconoclasta e irônica, sem medo de palmear o “brega”. Raul Seixas, Tom Zé, Jards Macalé, Eduardo Dusek e o próprio Caetano Veloso podem ser incluídos no mesmo time.
A exemplo de Joaquim Ferreira dos Santos, também “sou de uma geração em que a ordem do mundo mudava ao sabor de um LP do Caetano, do Chico, dos Beatles. Hoje, eu ouço o Criolo, os crioulos do rap, e, a não ser que você me desminta, Dapi, não percebo as águas do mar se abrindo. A música não é mais o importante, mas o show.”
Saí atrás do bode, e daquele “dó”, o que hoje em dia é bem fácil com o prodígio do YouTube.
Passei o resto da semana com o velho bode e o seu “dó” final me doendo no peito.
Comprei o CD (com outras faixas ótimas) que — como se dizia antigamente — está prestes a furar, de tanto tocar.
Um dos fundadores da gloriosa Estação Primeira de Mangueira, mestre Cartola teria dedicado o primoroso samba “Fiz por você o que pude” a Nelson Sargento, filho adotivo de Alfredo Português, também fundador da Escola, ambos, pai e filho, parceiros de Cartola.
Rei incontestável da ala dos compositores da Mangueira, Cartola via em Nelson Sargento, a quem com apenas 12 anos de idade havia ensinado os primeiros acordes de violão, potencial para se tornar seu príncipe herdeiro.
Mais do que isso, porém, Cartola cantava a extraordinária cadeia de compositores das velhas Escolas que não deixavam o samba morrer: “Surge outro compositor com mesmo sangue na veia”.
Consta que Nelson Sargento somente soube que a canção era dedicada a ele depois da morte de Cartola, quando Dona Zica lhe contou. Mesmo antes de saber, porém, Nelson já havia de certa forma respondido a Cartola ao dizer em outra antológica composição que “o samba agoniza mas não morre”.
Quando “Fiz por você o que pude” foi lançada, vários críticos imbecis apontaram com seus dedinhos horrorizados o imperdoável erro de português no verso “Eis que Jesus me premeia”, dizendo que Cartola forçara a barra para rimar com “veia”.
Cartola, na sua humilde majestade (ele estudou apenas até a quarta ano do primário), ficou chateado e envergonhado, e até mesmo deixou de cantar o samba. Justificou-se depois explicando que no momento da composição ficara em dúvida, mas que havia lido nos sermões de Vieira, que provavelmente seus críticos nem mesmo folhearam: “Assim castiga, ou premeia Deus”.
O novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (que pelo menos para isso serviu) atestou definitivamente o acerto de Cartola. Embora pouco usada por aqui, a forma “premeia” é comum em outros países da comunidade lusófona. A partir do acordo, portanto, não há dúvida quanto à correção das formas “negocio” ou “negoceio”, “noticio” ou “noticeio”, “calunio” ou “caluneio”, e “premio” ou “premeio”.
Abaixo, uma gravação do antológico samba em que foram mescladas as interpretações do próprio Cartola e de Paulinho da Viola, que — apesar de portelense — é para mim, com todo o respeito e carinho ao imenso Nelson Sargento, o mais perfeito sucessor de Cartola na história do samba, não apenas pelo estilo refinado das composições, mas sobretudo pelo jeito de ser ao mesmo tempo simples e fidalgo, que só os de sangue bom têm.
Em seguida, a não menos antológica canção de Nelson Sargento, “Agoniza mas não morre”, cantada por ele e a maravilhosa Teresa Cristina.
Fiz por você o que pude
(Cartola)
Todo o tempo que eu viver
Só me fascina você, Mangueira
Guerreei na juventude
Fiz por você o que pude, Mangueira
Continuam nossas lutas
Podam-se os galhos, colhem-se as frutas
E outra vez se semeia
E no fim desse labor
Surge outro compositor
Com o mesmo sangue na veia.
Sonhava desde menino
Tinha o desejo felino
De contar toda a tua história
Este sonho realizei
Um dia a lira empunhei
E cantei todas tuas glórias
Perdoa-me a comparação
Mas fiz uma transfusão
Eis que Jesus me ‘premeia’
Surge outro compositor
Jovem de grande valor
Com o mesmo sangue na veia.
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=vQQ2eebwhGI]
Agoniza mas não morre
(Nelson Sargento)
Samba, agoniza mas não morre,
Alguém sempre te socorre,
Antes do suspiro derradeiro.
Samba, negro, forte, destemido,
Foi duramente perseguido,
Na esquina, no botequim, no terreiro.
Samba, inocente, pé-no-chão,
A fidalguia do salão,
Te abraçou, te envolveu,
Mudaram toda a sua estrutura,
Te impuseram outra cultura,
E você nem percebeu.
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=KC4XGs9To5M]
Sidney Miller, carioca de Santa Teresa, um dos maiores talentos da MPB, morto com apenas 35 anos, deixou uma obra de imensa qualidade e absolutamente atual, grande parte inédita em disco.
Basta dizer que no Festival da Record de 1967 (de que participaram, entre outras feras, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil) recebeu o prêmio de melhor letra com a canção “A estrada e o violeiro”, interpretada por Nara Leão e ele.
São dele também as antológicas “Pois é, pra quê?” (clique no link e veja um post anterior a respeito), “O Circo”, “Alô, Fevereiro”.
Aqui um registro raríssimo, de 1976, em que Sidney Miller canta uma das muitas joias de seu repertório, “Nós, os foliões”, relato docemente amargo, ternamente irônico (a começar pelo título) de um amor que se foi, como um carnaval qualquer.
Ele se foi em 1980, como uma brisa matinal que nos ameniza, mas não resiste à implosão solar de uma tristeza infinda.
Nós, os foliões
Nosso amor passou eu sei
No principio eu não quis acreditar
Chorei
Mas, depois eu tive que me conformar
Me conformei
A realidade foi maior
Aprendi nessa dor
A mágoa não compensa
E o orgulho é mais cruel
Que toda a indiferença
Pode acreditar, mulher
Nosso amor foi lindo
Como um carnaval qualquer
Que se acaba
E faz um novo dia a dia acontecer
Tão difícil assim como viver
Até um dia em que vem
reacender alegrias e salões
Nós, os foliões
Nossas alegorias
Tão esperado e se foi
Tão colorido e lá vai
Perdendo a cor o carnaval do nosso amor.
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=EtJCRE0vP9M]
Não sei bem o que se me passa (envelheço, amadureço, enterneço?), mas a cada dia que passa gosto cada vez mais de Tom Jobim, em todos os sentidos, do homem à obra.
Essa parceria dele com Dolores Duran, por exemplo, tem uma linda história.
Tom havia feito a música e dado a Vinicius para pôr a letra, mas quando Dolores ouviu a canção, pegou um papelucho (consta que um guardanapo de papel) e escreveu os versos de uma só tacada.
Alguns dias depois, Vinicius trouxe a sua letra para o Tom e este, constrangido, mostrou-lhe a que Dolores fizera. O poetinha ― sempre generoso e amigo ― ouviu, enfiou a sua no bolso sem deixar que Tom a lesse e lhe falou: “Fique com a da menina”.
A letra de Dolores é de fato muito bonita e se harmoniza perfeitamente com a canção, que se tornou um clássico, mas como seriam os versos de Vinicius?
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=mKR746yT0Vo]
Há trinta anos ficamos sós, sem a presença, às vezes doce, às vezes apimentada, de Elis Regina.
Lá pelos meus verdes vinte anos, tive a graça de conhecê-la na casa dos irmãos Penha, Altamir e Edinho, músicos excepcionais, onde costumava se hospedar (ou pelo menos visitava) quando vinha a Ribeirão Preto e região para se apresentar.
Levou-me um amigo mais velho, Caio Próspero, que desfrutava da intimidade dos Penha e me recomendou cuidado e discrição perto de Elis, que a qualquer momento podia se zangar e mandar a mim, ou qualquer outro, para um lugar pouco aprazível.
Comecei então aquela noite de sonho um tanto ressabiado, mantendo-me a certa distância e a olhando de soslaio. “Olhos de águia, ouvidos de elefante e boca de siri”, eis outro velho e bom conselho recebido no passado que sempre trato de seguir, com ótimos resultados.
Mas com o decorrer das horas, bebidinhas rolando ao som de canções e interpretações de arrepiar, fui me entusiasmando e soltando, até que de repente, não mais que de repente, estava sentado quase ao lado dela, que me encarou e sorriu duas ou três vezes. Arrisquei mesmo alguns comentários que foram bem recebidos, sem destoar do que se conversava e do clima de intimidade reinante. Enfim, comendo pelas bordas, acabei por entrar na roda de música e encantamento. Elis, ao contrário do que temia, foi gentilíssima com todos até o final da noitada.
Para minha alegria houve um repeteco meses depois, quando cheguei a ganhar beijinhos no rosto ao cumprimentá-la e ao me despedir.
Costumo dizer que sempre tivemos cantoras extraordinárias, e continuamos a ter, mas para mim Elis Regina foi, e ainda é, a síntese de todas elas, reunindo em si as melhores qualidades de cada uma de nossas grandes damas.
Numa daquelas noites, presenciei Elis cantar o lindo samba-canção dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, “Eu preciso aprender a ser só”, que ela havia gravado. Quando já se achava consagrada, disse em várias entrevistas que a partir daquela interpretação é que começou a ter o respeito da crítica e do público. Talvez ela tenha alcançado então outro patamar de reconhecimento do seu talento, mas muito antes, desde suas primeiras aparições, já era reverenciada como grande cantora e intérprete.
“Eu preciso aprender a ser só” tornou-se tão marcante que anos mais tarde Gilberto Gil respondeu com o não menos inspirado “Eu preciso aprender a só ser”, sobre o qual o ouvi contar ou li em alguma parte que compôs e gravou para conseguir se livrar da canção dos irmãos Valle que não lhe saía da cabeça e o estava impedindo de fazer outras coisas.
Aqui vão as duas canções que me despertam tantas lembranças e provocam imensa emoção sempre que ouço.
Em seguida, um vídeo do meu querido e talentoso amigo José Marcio Castro Alves que dá uma amostra da maestria de Altamir e Edinho Penha (e de como eram as noitadas e os saraus na casa ou na chácara deles).
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=VqWyAHVrwgs]
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=wRe3LmbrhEg&feature=related]
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=qKJzPXzwRTo&feature=related]
“Estrada Branca” é o exemplo acabado do encontro de dois talentos na sua plenitude e exata completude.
A fina melodia de Tom Jobim é uma ária à altura de qualquer um dos maiores compositores clássicos, e a letra de Vinicius de Moraes, na sua aparente simplicidade, é um poema de grande sofisticação e absoluto domínio técnico (rimas internas, aliterações, jogo de palavras), em perfeita harmonia com a melodia de Tom.
A interpretação de Chico Buarque (que muitos desconsideram como cantor) nada deve a de mestres como Frank Sinatra, Caetano Veloso, Gal Costa, e até mesmo a divina Elizeth Cardoso, entre outros, que gravaram a canção.
Estrada branca, lua branca, noite alta, tua falta,
caminhando, caminhando, caminhando, ao lado meu.
Uma saudade, uma vontade tão doída,
de uma vida, vida que morreu.
Estrada, passarada, noite clara,
meu caminho é tão sozinho, tão sozinho, a percorrer,
que mesmo andando para a frente,
olhando a lua tristemente
quanto mais ando, mais estou perto de você.
Se em vez de noite fosse dia,
e o sol brilhasse e a poesia
em vez de triste fosse alegre de partir.
Se em vez de eu ver só minha sombra nessa estrada
eu visse ao longo dessa estrada, uma outra sombra a me seguir.
Mas a verdade é que a cidade ficou longe, ficou longe
na cidade, se deixou meu bem-querer,
eu vou sozinho sem carinho,
vou caminhando meu caminho,
vou caminhando com vontade de morrer.
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=rAiZwH0Ll5Y]