“Se todos fossem iguais a você” (Vinicius de Moraes / Tom Jobim), com Gal Costa
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=RbNDo5PGRbo[/youtube]
“Se todos fossem iguais a você” (Vinicius de Moraes / Tom Jobim), com Gal Costa
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=RbNDo5PGRbo[/youtube]
Comove-me o outro Gama!
Parente? Contraparente?
É isso indiferente
se a poesia que chama.
Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
Partimos. Vamos. Somos.
Sebastião da Gama (1924-1952)
O APRENDIZ
Houve um tempo em que tudo era tão novo,
tão surpreendente, impressionante e aventuroso,
o clarão do sol, o luar, as estrelas frias,
o dia que sucedia à noite, os sons e as vozes
que às vezes se pareciam ou distinguiam,
o tesouro que se escondia do olho no fim do arco-íris,
as letras que pouco a pouco povoavam e se escreviam
em palavras e pensamentos que nele havia,
mas ainda não sabia.
“O poeta aprendiz” (Vinicius de Moraes / Toquinho), com Adriana Partimpim
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=GcwLeMiGF3g[/youtube]
ALGUM DIA
Um dia
talvez do amor saibamos.
Não a paixão do amor,
que só ama a própria chama,
não a ilusão do amor,
esperança que se engana,
mas o amor outra cosmogonia
que tudo engloba e o universo transmuda.
O amor benfazejo cativeiro
daquele que não cabe só em si
e só no outro vive inteiro.
O amor outro idioma e outra grafia,
que precisamos aprender
desde as primeiras letras
para só então traduzi-lo.
O amor antropofagia,
que no outro se devora,
moléculas e espíritos se fundem
e confundem no vasto cosmo
em que um sol ou uma estrela serão
um dia.
“Eu sei que vou te amar” (Vinicius de Moraes / Tom Jobim), com Maria Creuza, Vinicius e Toquinho
A estátua de Drummond em Copacabana, vítima da imbecilidade de pichadores no final do ano, já sofreu várias depredações.
Não deixam em paz o poeta, a apreciar a cidade escrita no mar. Arrancam-lhe os óculos, emporcalham-no com tinta, colocam-lhe bonés e flores na cabeça, vestem-lhe camisetas futebolísticas. Além disso, tem de suportar a palração dos que sentam ao seu lado e as fotos intermináveis com amigos instantâneos. Eu mesmo, confesso, tenho uma foto dessas com ele.
Pois não é que o jovem Drummond e seu grupo modernista ou futurista da velha Belo Horizonte também faziam das suas pelas ruas da cidade provinciana, que os rejeitava?
Segundo Pedro Nava, “Queríamos a deposição do presidente do Estado, o encarceramento dos seus secretários, um esbordoamento de deputados e uma matança de delegados. E, enquanto não vinham os morticínios exemplares, derivávamos contra a cidade e os concidadãos”.
Uma das práticas para épater le bourgeois era, de madrugada, trocar as placas dos médicos, dentistas e advogados nas fachadas de suas casas ou consultórios.
O próprio Drummond e Pedro Nava, um dos seus amigos mais chegados, relatam em verso e prosa, respectivamente, o quase incêndio que, uma noite, provocaram na casa das moças Vivacqua, cujos saraus literários frequentavam. Assustados, eles mesmos trataram de apagar as chamas e teriam passado por heróis aos olhos das moradoras, se um guarda-noturno não tivesse acompanhado toda a cena. Drummond dizia que se tratara de uma experiência do “ato gratuito” imaginado por Gide, mas a versão corrente era a de que os dois incendiários pretendiam de fato ver as moças de camisola quando saíssem às pressas da casa.
Drummond foi também o criador de uma modalidade temerária de alpinismo urbano, consistente em escalar um dos arcos do recém-construído viaduto de Santa Teresa. Fez vários discípulos e, muitos anos depois, os chamados “Cavaleiros do Apocalipse” da geração de 45 — Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino — repetiam como um ritual as escaladas noturnas do viaduto, cuja altura, dita “vertiginosa” por Nava e calculada em pelo menos cinquenta metros por Fernando Sabino, é na realidade de dezessete metros, o que não é pouco.
Consta ainda que uma noite, quando já se achava aboletado no píncaro do arco do viaduto, Drummond recebeu voz de prisão de um guarda, a quem desafiou a ir até lá em cima prendê-lo. Prudentemente, o guarda achou melhor relaxar a prisão.
Mas o grande escândalo literário, e de repercussão nacional, entre os vários promovidos pelos jovens modernistas mineiros — que se tornaram conhecidos como o “Grupo do Estrela”, bar em que se reuniam para beber, discutir sobre o modernismo, mostrar suas produções e conspirar — seria a publicação, em 1928, do poema “No meio do caminho”, de Drummond, na “Revista da Antropofagia”, de Oswald de Andrade.
Essas e muitas outras peripécias estão deliciosamente reunidas no livro de Humberto Werneck, “O desatino da rapaziada — Jornalistas e escritores em Minas Gerais (1920-1970)”, editado pela Companhia das Letras.
“E vamos à luta” (Gonzaguinha), com ele
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=bH3DCvDUdBg[/youtube]
Fui me ver
se estou na esquina
e me vim desavindo.
“Diz que fui por aí” (Zé Keti / Hortêncio Rocha), com Zeca Pagodinho
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=Zdsmtso0FYQ[/youtube]
NATALÍCIO
Súbito é Natal.
Todos os homens se amam
e de mãos dadas
cantam e festejam
um aniversariante
distante.
Na esquina próxima
um outro menino
me estende a mão,
não para o brinde ou o afago
mas para a esmola,
que mais a mim
do que a ele
consola.
Seus olhos desbotados
carregam um cansaço de séculos,
herança obscura de pó,
pedra, sangue e agonia
traspassada a cada novo ano
que já nasce
velho.
Na pedregosa Pedregulho, de terra vermelha e chão batido, com poucas ruas asfaltadas, o menino se esbaldava em total liberdade.
Próximo da casa o curral onde se buscava e bebia todas as manhãs o leite acabado de tirar. O campinho de futebol em frente, os eucaliptos, o grupo escolar um pouco acima.
Abaixo, atravessando uma vala equilibrando-se na pinguela estreita e improvisada com troncos de árvore, havia um grande pasto com um riacho, que empoçava e formava um brejo mais ao fundo . Foi ali que viu o sapão pela primeira vez. Havia outros, mas aquele era o rei, o macho alfa. Voltou várias vezes para admirá-lo. Num dia em que o sapão estava mais pachorrento do que de costume, atirou-lhe umas pedrinhas para que saltasse ou exibisse seu lingueirão repentino, mais rápido do que o saque de qualquer pistoleiro do Velho Oeste. Foi então que um dos amigos o alarmou:
─ Xiiiii, você não devia fazer isso, provocar o sapo! Agora tem de matar, senão ele vai à noite na sua cama e mija em você!
Não tinha coragem nem vontade de fazer mal algum ao pobre sapo, só queria mesmo atiçar ele um pouco. Claro que estava fora de cogitação matá-lo, mas ficou impressionado com a lorota do amigo, e passou duas ou três noites incomodado, acordando sobressaltado durante a noite. De dia, ia ver se o sapão continuava por lá. Será que de noite…?
Acabou contando sua aflição para o pai, que riu muito e lhe disse que aquilo tudo era bobagem. Foram juntos ver o sapão e na volta o pai, talvez para tranquilizá-lo de vez, contou-lhe que o avô era grande amigo dos sapos e até tivera um de estimação na fazenda que ficava ali perto, em Rifaina, na divisa com Minas Gerais, e que depois vendeu para quitar dívidas da grande crise cafeeeira.
─ Como você é neto do Coronel Asdrúbal, não precisa ter medo de sapos. Eles fazem parte da família…
Um dia, remexendo nos escritos do pai, reencontrou a história do sapo avoengo.
CROQUIBILU
Croquibilu era um sapão de mais de um palmo grande aberto, e achou de vir aos pulos balofos até à escada, subindo-lhe igualmente os degraus, e achou-se afinal no piso do alpendre. Então, foi indo, e escolheu um lugar, ali no canto, entre um caixote e um latão, e se acomodou, confortável. Logo viria, pois era noite, a lamparina de querosene, que foi posta em cima do parapeito. E as mariposas, imediatamente, começaram a rodar em torno da luz. Aquilo foi um gozo para o sapão Croquibilu, pois era só estender a língua e papear as bicihinhas. No entanto, alguém o viu ali e gritou: “Que horror, um sapão!”, pois a Mãe tinha muito medo dos sapos. Mas o Pai também veio vindo, viu Croquibilu no seu sossego, e recomendou: “Deixem o sapo em paz!” E assim se fez.
Logo que amanhecia, mal o sol despontava no horizonte, o Pai pegava a vassoura, e ia empurrando o sapão: “Vamos, amigo!”, e Croquibilu saltava uns palmos adiante – póf! Chegavam ambos até a escada, e desciam-na do mesmo jeito até alcançar, varando a porteirinha, o pasto, onde o sapão ficava, ou ia para os brejos, não longe. Ao entardecer, porém, Croquibilu retornava, galgava os degraus da escada, e ia para o seu canto habitual, a papejar as mariposas.
Longo tempo este ritual se repetiu, e Croquibilu já era um membro estimado da família.
Muitos anos depois, a trineta do Coronel Asdrúbal desde cedo se mostrou maravilhada pelos sapos, um dos seus bichos prediletos.
Quem sabe um deles se transforme no seu príncipe encantado? Aí eles poderão dormir e sonhar juntos.
Brenno Martins
Quero ficar junto a ti
como juntas ficam as reticências…
porque uma reticência só
é só um ponto.
Final.
Diferente dos dois pontos:
que esperam uma explicação
e o amor não se explica…
é só amor.
Ponto final.
Tom Gama
Com quantas linhas se escreve um conto?
Com quantos pontos me conto?
Em que ponto dessa tortuosa linha
paralela do infinito me encontro?
Só quando saio da linha
e salto fora da pauta
é que sinto o sobressalto da vida
ao compasso de mim mesmo.
Passo a passo me repasso
traço a traço me escrevo
até que a linha se apague
e acabe o conto sem ponto final
“Desencontro” (Chico Buarque), com ele e Toquinho
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=yRckNmA05JI[/youtube]
“Sobrou desse nosso desencontro
Um conto de amor
Sem ponto final”