Posts from fevereiro, 2013

Juízo Final

 

 

Juízo Final (Nelson Cavaquinho), Clara Nunes 

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O julgamento celestial

 

Nestes tempos tão bicudos

por que passa a Madre Igreja

(dizem que em decadência),

Papa indo, Papa vindo,

não custa se precatar,

ouvindo a voz da experiência…

 

 

              Annibal Augusto Gama

ANNBAL~1 

 

 

 

 

 

 

Suponho que no céu, como aqui, há várias instâncias, desde um juiz singular até os tribunais coletivos e o Supremo Tribunal Celeste. Desta maneira, o pecador pode recorrer de um juiz para outro, e ir até o Supremo Tribunal Celeste, quando a pena ou a absolvição serão definitivas. Enquanto isso, ele gozará de liberdade, e poderá conviver com os santos. Advogados e chicanistas é que não devem faltar por lá, e é de se crer que também haja algum compadrismo, e quem vá cochichar na orelha dos juízes. As questões de ordem igualmente serão muitas, e suspenderão o julgamento de mérito. As nulidades processuais, ilegitimidade das partes, e outras, inépcia da inicial, também hão de valer.  Afinal os julgamentos protelar-se-ão, pois não deixará de existir algum juiz que peça vista dos autos, e fique com eles por séculos e séculos, porque tem a eternidade a seu favor. A prescrição também valerá, bem como ação revisional. Por último, cansados, os juízes baterão o martelo. A suspensão condicional da pena será cumprida no purgatório. Assim, dificilmente o pecador será condenado definitivamente, com trânsito em julgado da sentença, e será enviado para o inferno. O Promotor de Justiça há de ser, naturalmente, o Diabo. Os advogados, os nossos santos de devoção. E há santos de grande influência e prestígio, sempre ouvidos com acatamento, como Nossa Senhora, São Francisco de Assis, e Santo Antônio, que conseguiu tirar o pai da forca.

Eu, por mim, já outorguei mandato, com plenos poderes, a Nossa Senhora Aparecida e a Santo Antônio. Se for o caso, ela ou ele impetrarão habeas-corpus, para mim. E hão de obtê-lo. 

Cada dia e cada noite, levo novos subsídios para os meus defensores, através de orações. Tenho também alguns álibis: não estava ali, nem lá, quando o fato aconteceu. 

Há ainda os pecados veniais, e de bagatelas, que passam, sem julgamento. E a prisão domiciliar, por força, existirá.

Enquanto isso, a citação pode ser evitada, achando-se o réu em lugar incerto e não sabido. Por isso mesmo, não dou o meu endereço a ninguém.

Abuso processual? Não, senhor, tenho o direito de me defender.

Creio também que lá se fazem reformas processuais e do Código Penal, e alguns crimes de outrora foram abolidos. Nem é admissível a “reformatio in pejus”. 

Por isso, estou tranquilo, e acho que não irei para o inferno. 

Vocês, meus amigos e eventuais leitores, devem fazer como eu: contratem logo os seus advogados 

Há ainda o juiz arbitral, que são os padres, nos seus confessionários.

Só vai para o inferno quem quer, e por pecados cabeludos.

Ainda assim, acho que as sentenças celestes jamais transitam em julgado. Adão e Eva estiveram lá por bons tempos, e Cristo não foi buscá-los?

O Diabo é um mau causídico, e acabará por fechar a sua banca.

 

 

Michelangelo (O Juízo Final, Capela Sistina)

 “Juízo Final”, Michelangelo, Capela Sistina