“O que é, o que é? (Gonzaguinha), com o próprio
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=sdAaW9hkFnE[/youtube]
“O que é, o que é? (Gonzaguinha), com o próprio
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=sdAaW9hkFnE[/youtube]
“Tiro ao Álvaro” (Adoniran Barbosa), com ele e Elis Regina
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=lpEAQg6LEtg[/youtube]
Brenno Augusto Spinelli Martins
GRAFIA
Tolisse, o que você dice…
mas melhor ter dizido falando
do que se tivece escrivido.
As palavras
não escritas
não machucam o papel.
As estrelas
que não brilham
não aparecem no céu.
O que fere
o ouvido
não alcança o coração.
O que fenece
no olvido
não carece explicação.
Claudia Pereira
Sentido!
Como gostaria de livrar-me das palavras.
Vírgulas, pontos, a letra A
a B também.
Todas elas!
Este exército organizado e incansável.
Daria um soco no queixo
uma a uma,
formando um monte desconexo a minha frente.
Nocaute!
Livre destes ecos
do eco dos ecos
do penso, não penso,
da tinta e papel.
Mas quando vejo,
lá estão os dois;
pensamenntos e letras a postos.
As palavras
num sinal,
hup hup hup
marcham…
Ser poeta
é ser soldado das letras.
(só falta entrar para a Academia).
Nada disso…
Ser poeta
é desmilitarizar as palavras.
Como ocê Brenno
qui num liga pros ais
só faiz,
bem dimais!
Selma Barcellos
Sempre que uma nova ruguinha me diz “oi, prazer” quando olho no espelho, ao acordar, lembro como mantra de uma resposta de Pitanguy em sua milionésima (suponho) entrevista sobre beleza feminina: “Mulher bonita não é a que se vê chegar, mas a que se sente chegar”.
Ufa, a frase do mestre é um alívio. Você se contenta em aplicar o básico filtro solar e ir à academia apenas para não atrofiar e volta correndo para os livros que ama. Para o imprescindível cultivo das delícias do espírito, pois que não há beleza que sobreviva a uma mente emburrecida.
Só que… vaidade, teu nome é mulher. Daqui a pouco, lá está a gente de novo se mirando no espelho, bem de pertinho, dando uma esticadinha no canto dos olhos, no contorno do queixo…
Verdade seja dita, não é fácil olhar com desdém para o que nos revela o espelho, com ar blasé de quem não está nem aí para as rugas que “nos dão dignidade e contam nossa história”. Além do que, é preciso estar atenta e forte para perceber quando não dá mais para sair de cara lavada, cor de boca nos lábios, beliscões nas bochechas para o arzinho corado e que tais.
Na realidade, a mensagem de Pitanguy, não fosse ele um esteta, passa longe de pregar desapego à imagem. Antes, alerta-nos para a indigência cultural que o excesso de vaidade física pode causar e, a reboque, fala de algo que hoje é literalmente assustador: o exagero de certas mulheres em busca da juventude que se foi ou dos padrões impostos de beleza.
Quem ainda não cruzou pelas ruas com certas criaturas desfiguradas por seguidos procedimentos plásticos, sorriso e olhar aprisionados? Aliás, como pode alguém pagar para ficar feia, disforme, perseguindo um formato de lábios que a natureza não lhe deu, que não condiz com o restante de seu rosto, mas que Angelina Jolie tem e se quer igual?
Criaturas assim ficam ainda mais visíveis nas imensas lojas de departamentos americanas. São elas não apenas as consumidoras vorazes, como também as atendentes que, buscando provar a eficácia de seus produtos para fazer o tempo voltar atrás, transformaram-se, todas, em Angelinas.
Recentemente, numa dessas lojas, notei que a moça que me vendia um simples hidratante, ao terminar de falar cada frase, levava segundos para conseguir fechar a protuberante boca química. Sabe dublagem mal feita, quando a fala acaba e os lábios ainda se movem? Assim. Aquela era das que se vê chegar. Só que antes de entrar.
Por outro lado, quando leio que, nos Estados Unidos, jovens escapam à síndrome do tapete vermelho, ao padrão ditado pela mídia, e elegem a colega Anne Jennings, bela exatamente em sua diversidade, como “Rainha da Escola”, percebo que nem tudo está perdido. Há luz no camarim do fim do túnel…
Assim, bem-vindas as mulheres que se fazem vistas e sentidas em suas chegadas, porque corpo e espírito nutridos, saudáveis, informadas, orgulhosas de sua feminilidade, seguras por se saberem bem na fita. Não a que Hollywood quer filmar, mas aquela cuja câmera e direitos autorais elas detêm, em doses equilibradas de sonho e lucidez.
“The lady is a tramp” (Richard Rodgers / Lorenz Hart) , com Tony Bennett e Lady Gaga
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=ZPAmDULCVrU[/youtube]
“Súplica” (João Nogueira / Paulo César Pinheiro), com Mart’Nália
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=RSEbt-XnJBU[/youtube]
Adalberto de Oliveira Souza
Estando em Lisboa em janeiro de 1976, veio-me à cabeça entrevistar poetas portugueses, dentre outros procurei por Pedro Tamen, que foi presidente da Fundação Calouste Gulbenkian de 1975 a 2000. Fui até esta instituição e solicitei uma audiência que me foi concedida com muita cordialidade. Disse, então, que o considerava um dos grandes poetas portugueses e gostaria de falar com ele. Fiz-lhe estas perguntas às quais ele me respondeu com grande gentileza. Conhecia alguns poemas que ele tinha publicado na Revista Colóquio que muito me agradaram. Sabia também que sua estreia literária foi com o livro Poema para todos os dias em 1956. Voltando ao Brasil publiquei esse texto que ora está apresentado em Estrela Binária e lhe enviei a Revista Geratriz na qual foi publicado. Continuei esporadicamente correspondendo-me com ele, enviando-lhe livros e algumas publicações. Ele sempre me respondeu com a máxima gentileza. Depois fiquei sabendo que ele publicara vários outros livros de poesia e traduções para o português de Gabriel Garcia Marquez, Marcel Proust e Gustave Flaubert. Sua obra continuou crescendo. Ele recebeu várias honrarias em Portugal como o Prêmio Literário Inês de Castro e o Prêmio de Poesia Luís Miguel Nava. Hoje, ele é um nome de grande importância no mundo literário português. Vi-o pela última vez fazendo leituras de poemas no Salon du Livre em Paris em 1998,em que homenageavam o Brasil.
Entrevista com Pedro Tamen, poeta português
Por Adalberto de Oliveira Souza
Pedro Tamen
Não há montanhas se não há palavras.
Não foge a bala se não há um espaço.
Não sobe o céu se não houver distâncias.
Não cabe o túnel se nunca estão paredes.
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Geratriz: Pedro Tamen, qual a função da poesia?
P. Tamen: A função da poesia é tornar o mundo habitável para os poetas. Respondo como poeta, naturalmente não como leitor. E respondo, por isso, como se perguntasse pela função da respiração, ou porque respiro eu. Escrevo porque necessito de escrever, porque isso é um termo da dinâmica própria da minha vida. Só depois do poema feito lhe posso atribuir finalidades – que alguém consinta comigo e com os avatares do mundo. Mas esse é um processo a posteriori , que nada tem a ver com a causa da eficiência do acto poético.
Geratriz: O sr. Está satisfeito com o seu papel dentro da literatura portuguesa?
P. Tamen: Não sei bem qual é o meu papel; nem; por isso; se posso estar ou não satisfeito com ele. Sei que tenho o meu caminho próprio, enquadrado numa rede de múltiplas afinidades com outros caminhos que, de uma forma altamente grosseira, poderão formar uma corrente. Corrente que, a sê-lo, se definiria por uma comum exploração das possibilidades (semânticas, sintáticas e outras) da língua, no próprio acto do seu afeiçoamento á linguagem poética.
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Escrevo estes versos de grãos de terra na mão; eis a prova.
Tenho a certeza dos passos. Todos temos. Só nos mais diferimos.
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Geratriz: Em Portugal, haja vista a existência de uma maior tradição literária, é possível para os grandes escritores viver de literatura?
P.Tamen: De um modo geral, não. Não creio sequer que haja um só escritor português que viva exclusivamente da criação literária, embora haja casos poucos de escritores que vivem predominantemente da literatura. Aqui não é a tradição literária que conta, mas o consumo de literatura, que não será maior em Portugal do que no Brasil.
Geratriz: Dentro de um processo histórico, as nossas literaturas, brasileira e portuguesa, foram se desvinculando uma da outra. Não caminharemos para uma desvinculação total.Uma perda de identificação de uma para outra?
P.Tamen: Só na medida em que as vidas dos povos se desvincularem, se desvincularão as literaturas por intermédio da língua. Explico melhor. Brasil e Portugal são povos diferentes, com tradições cultural de raiz comum, mas agora mergulhadas em conjunturas de metas bem diversas. O que lhes une as literaturas é a língua comum, factor poderosíssimo que comanda a literatura desde dentro, e que desempenha um papel aglutinador que contraria os factores de desagregação da geografia e da vida colectiva. Essa língua será tanto menos comum quanto menos o for a mundividência dos dois povos. E da separação das línguas virá o inevitável afastamento das literaturas.
Geratriz: Através de sua poesia o sr. pretende transformar a sociedade ou apenas e ser o reflexo desta mesma sociedade?
P.Tamen: Eu não pretendo nada mais do que ser eu próprio e vivo, em cima da terra e do papel em branco. E esse eu próprio, que não é nem quer ser ilha, é necessariamente reflexo da sociedade em que é, em que está e em que gostaria de estar Sou o que penso e escrevo o que sou.
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Entre cacto e gato há um vaso de versos,
No branco das palavras nasce a lua.
No mais, é mais barulho que varejo
A perna assim, um braço assado ao fogo
Porque eu é que te vejo, que te creio, que te mato, que te morro.
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Assentar bem o papel e interpô-lo entre nós e nós
Sobre o que era largo e fresco e era ontem.
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Geratriz: Qual a relação entre a poesia e a política? (num âmbito geral e particularmente em Portugal)
P.Tamen: O acto poético é um acto político de dois pontos de vista. Enquanto acto repetido e atribuível a um grupo de indivíduos (os poetas, grupo localizável ,na sociedade segundo um dado critério) e enquanto acto público, ou publicado, que se insere no contexto social e nele vai de qualquer modo actuar.O poeta, esse é por definição, e em si mesmo, um fenômeno político, porque é um homem, e que tende, de forma eminente, para a expressão do Homem. Assim, é actuado e actuante, como qualquer homem, mas muito acentuadamente, porque, passivo, é particularmente transparente e, activo, possui meios e armas que se não esgotam no efêmero, Em Portugal viveu-se (vive-se? ) uma Revolução que naturalmente tocou os poetas ao tocar os portugueses. Mas não é de esperar, já, no plano da grande Poesia, resultados imediatos desse impacto, sabendo-se que é de uma lenta e misteriosa sedimentação que o poema surge no mesmo passo em que o homem se transforma.
Geratriz: É destino da Poesia ser um gênero literário nobre. Ou é característica de nossos tempos ser a poesia lida por uma elite intelectualizada?
P.Tamen: Esse é um terreno difícil eriçado de equívocos. Por mim, postulo que não é a poesia que tem de tornar-se “popular”, mas o povo que tem de tornar-se “leitor”. Donde resultam várias consequências, de que apenas salientarei duas:
a) É inerente à arte em geral certo aristocratismo na medida em que esta não é apenas facto de cultura, mas de sensibilidade a qual, embora se eduque, não pode criar-se do nada e, portanto, generalizar-se.
b) Como a Poesia é, afinal, o próprio poeta, o seu acesso estará tanto mais facilitado a largas camadas quanto o poeta mais intensamente viver integrado nelas e com elas solidário.
Geratriz: Com a reflexão metalinguística, o poeta não corre o risco de afastar-se dos problemas sociais?
P.Tamen: Há caminhos diversos, muitas moradas para os poetas. Os que se dedicam com intensidade à “reflexão metalinguísticas correm efectivamente o risco que aponta, mas não estão sujeitos a qualquer fatalidade desse gênero. Mas, mesmo que se afastem dos problemas sociais, a sua pesquisa predominante nos domínios da linguagem irá fertilizar o terreno onde os outros, os “próximos”, irão, no futuro colher novas armas.
Geratriz: De que maneira o sr. vê o surto literário da América do Sul,nos últimos tempos?
P.Tamen: Depois de um Borges ou de um Guimarães Rosa, conheço mal o surto literário sul-americano. Mas o que conheço chega para admirar muito profundamente a convergência exemplar de um Antônio Callado, um Suassuna, um Cortázar, um Garcia Marquez, etc. Como elemento comum parece-me surpreender uma integração da cultura popular no próprio cerne da literatura e da linguagem, e não a sua exibição como elemento exterior e folclórico.
Geratriz: Em que medida, os últimos acontecimentos políticos portugueses colaboraram para um maior desenvolvimento cultural e artístico?
P.Tamen: Portugal recuperou a liberdade e, com ela, a abolição da censura. Este é um primeiro grau de dignidade para um povo e uma primeira condição de criação. Segunda fase, só muito imperfeita ou fragmentariamente conseguida, é a possibilitação da palavra ao povo, que ele próprio possa dizer quem é aos ouvidos dos intelectuais e dos artistas.
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NOÉ
Pedro Tamen
Pronto, pronto, eu faço. Dá um trabalhão
mas faço. Corto madeira, arranjo pregos,
gasto o martelo. E o pior também:
correr o mundo a recolher os bichos,
coisas de nada como formigas magras,
os outros, os grandes, os que mordem
e rugem. E sei lá quantos são!
Em que assados me pões. Tu
gastaste seis dias, e eu nunca mais acabo.
Andar por esse mundo, a pé enxuto ainda,
a escolher os melhores, os de melhor saúde,
que o mundo que tu queres não há-de nascer torto.
Um por um, e por uma, é claro, é aos pares
― o espaço que isso ocupa.
Mas não é ser carpinteiro,
não é ser caminheiro,
não é ser marinheiro o que mais me inquieta.
Nem é poder esquecer
a pulga, o ornitorrinco.
O que mais me inquieta, Senhor,
é não ter a certeza,
ou mais ter a certeza de não valer a pena,
é partir já vencido para outro mundo igual.
(“Analogia e Dedos”, 2006)
O escritor Mia Couto acaba de ser anunciado vencedor do Prêmio Camões, o mais importante da literatura em língua portuguesa. Filho de portugueses e atualmente com 57 anos, Mia Couto nasceu em Beira, Moçambique, país de cerca de 20 milhões de habitantes no qual fala-se português e pelo menos outras 20 línguas. Autor de poemas, crônicas, contos e romances, entre eles “Terra Sonâmbula” (1992) e “A Confissão da Leoa” (2012), Mia Couto foi escolhido pelo júri formado pelos brasileiros Alberto da Costa e Silva e Alcir Pécora, pelos portugueses João Paulo Borges Coelho, José Carlos Vasconcelos e Clara Crabbé Rocha e pelo angolano José Eduardo Agualusa. Ele é o segundo autor moçambicano a vencer o Prêmio Camões, depois de José Craveirinha, em 1991. Em 2012, o vencedor do Prêmio Camões foi o brasileiro Dalton Trevisan.(Fonte: Blog Semióticas: http://semioticas1.blogspot.com/)
Imagem: Mia Couto fotografado em 2012 por Jorge Amaral