“Fita amarela” (Noel Rosa), com Zeca Pagodinho
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=tvw73AaXZrY[/youtube]
“Fita amarela” (Noel Rosa), com Zeca Pagodinho
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Annibal Augusto Gama
Quando foi buscar na paróquia a sua certidão de batismo, para casar-se na Igreja, ficou surpreso. Era irmão gêmeo, e o seu irmão havia falecido. Constava, porém, nos registros paroquiais, que o morto era ele, e não o outro. O mesmo aconteceu no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. Diante de tal problema, devia procurar uma retificação daqueles registros. Isto demandava tempo, advogado, e o mais.
Sua noiva achou que ele estava era a protelar o casamento. O advogado consultado lhe disse:
— O melhor seria você continuar morto. Morto não tem responsabilidade. Pode fazer o que quiser, e não será punido. Além disso, você pode amigar, ou amancebar-se, que é melhor do que casar. A Constituição atual equipara a amigação ao casamento.
A noiva, porém, repeliu tal sugestão. Queria casar-se de papel passado e vestida de noiva.
Intervieram então o futuro sogro e a futura sogra.
— Olhe aqui — exigiram — você trate de honrar o seu compromisso. Senão, rua!
As ruas não admitem defuntos passeando por elas. Querem-nos enterrados no cemitério.
A prova de que se está vivo, dá-a os médicos. Mas estes, muitas vezes, se enganam. Que é estar vivo? Há tão variados modos de viver que até hoje não se deu uma explicação conveniente do que é viver.
Seus pais também não puderam dar solução ao caso. Disseram-lhe:
— Você e o seu irmão eram tão parecidos que às vezes um mamava duas vezes e o outro ficava sem mamar.
Ele lembrava-se de que quem ficava sem mamar era ele, porque chorava muito, a despeito de se propalar que quem não chora não mama.
Pareceu-lhe ainda que seus pais preferiam o outro, que não mais lhes dava despesa.
O noivado rompeu-se.
E como oficialmente continuava morto, foi vivendo sem compromisso nenhum.
A lição é esta.
Viva sem compromissos, sem horários nem honorários. Vá para onde quiser, ou fique, que tudo dá na mesma.
Afinal, de um modo ou de outro, você morre.
O caso dele, contudo, era singular: se morresse, não havia como passar-lhe o atestado de óbito, porque já morrera muito antes.
Ora, ora, viver ou morrer não é a mesma coisa?
Vivos ou mortos, somos todos defuntos. E defunto não tuge nem muge.