Posts from maio, 2013

Bem na fita

 

    Selma Barcellos

Selma 2

 

 

 

 

 

 

 

Sempre que uma nova ruguinha me diz “oi, prazer” quando olho no espelho, ao acordar, lembro como mantra de uma resposta de Pitanguy em sua milionésima (suponho) entrevista sobre beleza feminina: “Mulher bonita não é a que se vê chegar, mas a que se sente chegar”.

Ufa, a frase do mestre é um alívio. Você se contenta em aplicar o básico filtro solar e ir à academia apenas para não atrofiar e volta correndo para os livros que ama. Para o imprescindível cultivo das delícias do espírito, pois que não há beleza que sobreviva a uma mente emburrecida.

Só que… vaidade, teu nome é mulher. Daqui a pouco, lá está a gente de novo se mirando no espelho, bem de pertinho, dando uma esticadinha no canto dos olhos, no contorno do queixo…

Verdade seja dita, não é fácil olhar com desdém para o que nos revela o espelho, com ar blasé de quem não está nem aí para as rugas que “nos dão dignidade e contam nossa história”. Além do que, é preciso estar atenta e forte para perceber quando não dá mais para sair de cara lavada, cor de boca nos lábios, beliscões nas bochechas para o arzinho corado e que tais.

Na realidade, a mensagem de Pitanguy, não fosse ele um esteta, passa longe de pregar desapego à imagem. Antes, alerta-nos para a indigência cultural que o excesso de vaidade física pode causar e, a reboque, fala de algo que hoje é literalmente assustador: o exagero de certas mulheres em busca da juventude que se foi ou dos padrões impostos de beleza.

Quem ainda não cruzou pelas ruas com certas criaturas desfiguradas por seguidos procedimentos plásticos, sorriso e olhar aprisionados? Aliás, como pode alguém pagar para ficar feia, disforme, perseguindo um formato de lábios que a natureza não lhe deu, que não condiz com o restante de seu  rosto, mas que Angelina Jolie tem e se quer igual?

Criaturas assim ficam ainda mais visíveis nas imensas lojas de departamentos americanas. São elas não apenas as consumidoras vorazes, como também as atendentes que, buscando provar a eficácia de seus produtos para fazer o tempo voltar atrás, transformaram-se, todas, em Angelinas.

Recentemente, numa dessas lojas, notei que a moça que me vendia um simples hidratante, ao terminar de falar cada frase, levava segundos para conseguir fechar a protuberante boca química. Sabe dublagem mal feita, quando a fala acaba e os lábios ainda se movem? Assim. Aquela era das que se vê chegar. Só que antes de entrar.

Por outro lado, quando leio que, nos Estados Unidos, jovens escapam à síndrome do tapete vermelho, ao padrão ditado pela mídia, e elegem a colega Anne Jennings, bela exatamente em sua diversidade, como “Rainha da Escola”, percebo que nem tudo está perdido. Há luz no camarim do fim do túnel…

 

 

(Aqui a rainha Anne, emocionando-nos com seu sorriso escancaradamente feliz)

 

Assim, bem-vindas as mulheres que se fazem vistas e sentidas em suas chegadas, porque corpo e espírito nutridos, saudáveis, informadas, orgulhosas de sua feminilidade, seguras por se saberem bem na fita. Não a que Hollywood quer filmar, mas aquela cuja câmera e direitos autorais elas detêm, em doses equilibradas de sonho e lucidez.