Posts from julho, 2013

A luz difusa do abajur lilás…

 

 

“Que será

Da luz difusa do abajur lilás

Se nunca mais vier a iluminar

Outras noites iguais?”

 

“Que será?” (Marino Pinto / Mário Rossi), com Dalva de Oliveira

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=8qtOK57_DCY[/youtube]

 

 

 

“E eu me pergunto agora que será

Da luz difusa do abajur lilás

Se na lembrança não iluminar

O tempo lindo que ficou pra trás?”

 

“Abajur lilás” (Rosa Passos / Ivan Lins / Fernando de Oliveira), com Rosa e Ivan

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=hLkpXnZ3zvE[/youtube]

 

 

Além do sonho

 

 

freud 2 

 

Despertou lentamente, como se atravessasse um túnel extenso, com a sensação de que alguém o aguardava no final.

Acendeu a luz difusa do abajur lilás para ver as horas, e deu de cara com o Dr. Freud sentado numa poltrona, ao lado da cabeceira da cama.

Não teve dúvida de que era mesmo o Dr. Freud, com sua barbicha branca, de paletó e colete, sobre o qual pendia a corrente do relógio de bolso, o semblante circunspecto.

— Conte-me o que sonhava, pediu-lhe o Dr. Freud.

Assim, de imediato, não consigo me lembrar, respondeu-lhe.

  — Hum, hum, interjecionou o Dr. Freud.

Isso era bom ou ruim?

— Espere aí, Dr. Freud, agora lembrei. Eu estava sonhando com o senhor!

— Hum, hum, repetiu o Dr.Freud.

Isso era bom ou ruim?

— Gozado que no meu sonho o senhor estava mais moço, com a barba negra, bonitão, parecia um pouco com o Montgomery Clift naquele filme do John Huston sobre o senhor. Acho que o roteiro foi escrito pelo Sartre, e o título em português é “Freud, além da alma”.

O Dr. Freud continuava impassível, observando-o.

Isso era bom ou ruim?

— Mas que coisa estranha! O que significa isso, Dr. Freud? O senhor representa meu pai? Ou então a autoridade? Talvez uma manifestação de homossexualismo latente?

— Hum, hum, tornou a resmungar o Dr. Freud.

Isso era bom ou ruim?

Calou-se, angustiado.

— O senhor se incomoda se eu fumar um charuto?, indagou o Dr. Freud depois de alguns instantes de silêncio ensurdecedor, que lhe pareceram seculares.

— Hoje há leis muito rigorosas contra os fumantes, mas como estamos na minha casa e no meu quarto, acho que não tem problema. O charuto não me incomoda. Eu não fumo, mas de vez em quando também gosto de saborear um bom charuto, respondeu.

— Às vezes um charuto é só um charuto, sentenciou o Dr. Freud, enquanto acendia cuidadosamente um Reina Cubanas.

Pensou em alertá-lo que de tanto fumar charutos ele morreria de um doloroso câncer no palato, mas não teve coragem. 

Isso era bom ou ruim?

Novo silêncio, enquanto o Dr. Freud dava longas baforadas.

O aroma adocicado do charuto era agradável, e se impregnava no quarto, que continuava a meia-luz, apenas com o abajur aceso 

As espirais de fumaça foram se espalhando e adensando como uma bruma, até que já não mais conseguisse ver o Dr. Freud, embora ainda sentisse sua presença e vislumbrasse de quando em quando o lume do seu charuto.

Pouco a pouco o cheiro e a fumaça se dissiparam, e quando finalmente tudo se clareou no quarto, cujas luzes do teto ele acendeu, o Dr. Freud tinha desaparecido.

Não sabia se isso era bom ou ruim.