Posts from outubro, 2013

Resíduos

 

 

 

(…) Pois de tudo fica um pouco.

 Fica um pouco de teu queixo

no queixo de tua filha.

 De teu áspero silêncio

um pouco ficou, um pouco

nos muros zangados,

 nas folhas, mudas, que sobem.

 

Ficou um pouco de tudo

no pires de porcelana, dragão partido, flor branca,

 ficou um pouco

de ruga na vossa testa,

retrato.

 

(…) E de tudo fica um pouco.

 Oh abre os vidros de loção

e abafa

o insuportável mau cheiro da memória.

 

(Resíduo)

 

drummond assinatura

 

 

 

(…) Quem te esperou do outro lado?

Tua filha, ou o anjo torto

que te acompanhou de esguelha

e te deixou na contramão?

Pai morto, mãe morta, irmão

morto, e as namoradas todas

te acenando o mesmo adeus.

Mas se a vida é impraticável,

construíste um elefante

de papel e de ternura

que no dorso te levou

para a fazenda do ar.

 

(…) Cansado de ser moderno

agora és eterno

e apenas contemporâneo

de ti mesmo. Nem teu corpo

veste mais o paletó,

a gravata. Os teus óculos

devassam a bruma, a broma

da Máquina do Mundo,

que virou um claro-enigma.

 

(Resíduo,“Dez anos da morte de Drummond”, in “Herança Jacente”) 

Annibal assinatura 2

 

 

 

 

Drummond 111

 

 

A 31 de outubro de 1902, em Itabira, MG, nascia o dono de uma das mais amadas e reconhecidas líricas de nosso país.

 

Estrela Binária e  Bloghetto no Dia D de Drummond.
Mundo vasto…

 

 

 

Declaração de amor

 

 

“Declaração de Amor”, Carlos Drummond de Andrade

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=aOJRX-Cy5pA[/youtube]

 

 

DECLARAÇÃO DE AMOR

 

Minha flor, minha flor, minha flor, minha flor.

Minha prímula, meu pelargônio, meu gladíolo, meu botão-de-ouro.

Minha peônia, minha cinerária, minha calêndula, minha boca-de-leão.

Minha gérbera.

Minha clívia.

Meu cimbídio.

Flor, flor, flor.

Floramarílis, floranêmona, florazálea.

Clematite minha.

Catléia, delfínio, estrelítzia.

Minha hortensegerânea.

Ah, meu nenúfar, rododendro e crisântemo e junquilho meus.

Meu ciclâmen, macieira-minha-do-japão.

Calceolária minha.

Daliabegônia minha, forsitiaíris, tuliparrosa minhas.

Violeta… Amor-mais-que-perfeito.

Minha urze.

Meu cravo-pessoal-de-defunto.

Minha corola sem cor e nome no chão de minha morte.