Posts from outubro, 2013

obsession(s)

 

       Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto 2 (2)

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                            obsession(s) 

 

                                                                                               Nicolas Sauvage

 

 

                                                est-ce mon corps qui déborde

                                                est-ce

                                                mes pensées qui dépassent

 

                                                trop de jour dans trop de nuit est-ce

                                                une insomnie qui

                                                dépasse déborde des yeux

                                                une épaule cette pensée qui s’échappe et s’impose

 

                                                une pensée

                                                comme nos pas qui résonnent légèrement lourds

                                                sur une passerelle d’embarquement

 

                                                déjà que j’ai du mal à t’étreindre en entier

                                                comment pourrais-je embrasser ce panorama

                                                une île dans sa totalité comment

                                                pourrais-je aborder

                                                la lumière sous le feuillage

                                                la lumière qui résonne à travers

                                                le Jardin des Tuileries

 

                                                                                                           juin 2005

 

 

http://www.dreamstime.com/stock-photo-jardin-des-tuileries-paris-france-image1264100

 

 

                        obsessão/obsessões

 

                                                                                    Tradução de Adalberto de Oliveira Souza

 

                        será meu corpo que extravasa

                        serão

                        meus pensamentos que excedem

 

                        dia demais dentro de muita noite

                        será uma insônia que

                        excede excede olhos

                        um ombro este pensamento que foge e se impõe

 

                        um pensamento

                        como nossos passos que ressoam ligeiramente pesados

                        sobre uma passarela de embarque

 

                        já que tenho dificuldade em te abraçar por inteiro

                        como poderia abraçar este panorama

                        uma ilha em sua totalidade como

                        poderia chegar perto

                        da luz sob a folhagem

                        da luz que ecoa através

                        do Jardim das Tulherias

 

                                                                                                          outubro 2013

 

 

jardim des tuileries 

 

 

 

Horário de Verão

 

           Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

Embora todos houvessem adiantado uma hora nos relógios, ele manteve no seu o horário de sempre, isto é, passou a ter uma hora a menos do que os demais.

Por isso, chegava sempre atrasado aos encontros e compromissos, sua vida passou a ser um desencontro permanente. Mas já era, antes.

Ao enterro do amigo, chegou quando o defunto já havia sido enterrado. Limitou-se a olhar para a cova e dizer “por que esta pressa?”

O Verão tem três meses, como as demais estações, e suprimiam-lhe uma hora, avançando para o Outono. Explicavam-lhe que aquilo representava uma economia de energia elétrica, e ele retrucava: “Economia foi no dia 20 de outubro, em que desligaram a energia do meu bairro durante mais de seis horas”.

Era um homem de princípios e não admitia que através dessas manobras indecorosas alterassem o calendário gregoriano.

Continuou a fazer as suas refeições no horário habitual, ainda que isso provocasse discussões com a cozinheira. “Na minha casa e na minha vida mando eu!”

Os outros, porém, obedeciam as ordens que vinham do governo, ou seja lá do que fosse.

A uma audiência em que devia comparecer em juízo à uma hora da tarde, chegou ao meio dia e, como não visse ninguém, deu uma banana a todos que ali não estavam e foi embora. O resultado é que foi marcada nova audiência para que ele comparecesse debaixo de vara, como se diz, para sua indignação.

E como faleceu às quatro horas da tarde, em seu relógio, exigiu, do outro lado, que lhe restituíssem mais uma hora. Restituíram-lhe e, por milagre, foi socorrido a tempo, sobreviveu ao ataque cardíaco que tivera, e continua vivendo, com a hora certa, isto é, atrasada de uma hora no relógio.

Quando, afinal, passou a hora do Verão e todos atrasaram uma hora em seus respectivos relógios, ele ainda disse: “Gente mais besta. Comigo não mexem”.

 

 horario-de-verao 2

 

 

Soneto de Pablo Neruda dedicado a Vinicius de Moraes

 

 

 

Neruda e Vinicius

                                   

 

                                                No dejaste deberes sin cumplir;

                                                Tu tarea de amor fue la primera;

                                                Jugaste con el mar como un delfin

                                               Y perteneces a la primavera.

 

                                               Cuanto pasado para no morir!

                                               Y cada vez la vida que te espera!

                                               Por tí Gabriela supo sonreír

                                               (Me lo dijo mi muerta compañera).

 

                                               No olvidaré que en esa travesía,

                                               Llevavas de la mano a la alegria

                                               Como tu hermano del país lejano.

 

                                               Del pasado aprendiste a ser futuro

                                               Y soy más joven porque, en un dia puro,

                                               Yo vi nacer a Orpheu de tu mano.

 

                                               Pablo

 

 

 

Minha terra tem palmeiras

 

 

Do BLOGHETTO SELMA BARCELLOS, Barquinho e Estrelinha,  parceirinhos queridos, como Vinicius gostava de dizer.

 

 

barquinho e estrela

 

 

O amor de Vinicius pelo RIO DE JANEIRO…

 

Vejo de minha janela uma nesga do mar verde-azul de Copacabana e me penetra uma infinita doçura. Estou de volta à minha terra… A máquina de escrever conta-me uma antiga história, canta-me uma antiga música no bater de seu teclado. Estou de volta à minha terra, respiro a brisa marinha que me afaga a pele, seu aroma vem da infância. Retomo o diálogo com a minha gente. Uma empregada mulata assoma ao parapeito defronte, o busto vazando do decote, há toalhas coloridas secando sobre o abismo vertical dos apartamentos, dá-me uma vertigem. Que doçura!

Sinto borboletas no estômago, deve ter sido o tutu com torresmo ontem misturado ao camarão à baiana de anteontem misturado à galinha ao molho-pardo de trasanteontem misturada aos quindins, papos-de-anjo, doces de coco do primeiro dia. Digiro o Brasil. Qual canard au sang, qual loup flambé au fenouil, qual pâté Strasbourgeois, qual nada! A calda dourada da baba-de-moça infiltra-se entre as papilas, elas desmaiam de prazer, tudo deságua em lentas lavas untuosas num amoroso mar de suco gástrico…

– É a brazuca! – disse-me Antônio Carlos Jobim balançando a cabeça com ar convicto, enquanto empinava o seu VW em direção ao Arpoador.

Há uma semana e meia atrás, pelas cinco da manhã, eu tocava violão para uns brasileiros e espanhóis da terceira classe, no Charles Tellier, que me trazia da Europa. De repente, um clarão lambeu o navio e todo mundo correu para a amurada. Era um farol de terra, possivelmente o de Cabo Frio. Havia entre nós um padre que regressava depois de quatro anos de estudos em Roma e Paris, um bom padre mineiro cheio de zelo pela nova missão de que vinha investido. Juro que vi o velho palavrão admirativo, o clássico palavrão labial de assombro formar-se em sua boca sem que ele sequer desse por isso.

Domingo passado fui almoçar na casa materna. Muito mais que as coisas vistas, os sons é que me emocionaram. Lá estava na parede o velho quadro de Di Cavalcanti, representando um ângulo da rua Direita pouco depois do antigo Hotel Toffolo, em Ouro Preto, mas o que me chegou foi o tinir das ferraduras dos burrinhos nas velhas pedras do calçamento, de mistura ao soar dos sinos e à voz presente de minha filha Luciana chamando-me: “Pai… iê!” para que eu fosse ver qualquer coisa. Depois, o sussurrar de vozes se amando baixinho no escuro de um beco, sob a luz congelada de estrelas enormes…

– Você gosta de mim?

– Gosto.

– Muito?

– Muito!

Minhas artérias entraram em constrição violenta, o peito doeu-me todo e eu me levantei e fui até a rua para respirar. Sei que morrerei um dia de uma emoção assim. Mas não adiantou. Lá estava o capim brotando de entre os paralelepípedos, lá estava a ladeira subindo para o verde úmido do morro, ali à esquerda ficava um antigo apartamento onde eu morei. Naquele tempo eu ganhava novecentos mil-réis por mês e estudava para o concurso do Itamaraty. Dava apertado, mas dava.

Por que será que só no Brasil brota capim de entre os paralelepípedos, e particularmente na Gávea? Existe por acaso um sorvete como o do seu Morais às margens do Ródano? Vêem-se jamais as silhuetas de Lúcio Rangel e Paulo Mendes Campos numa cervejaria em Munique? Quem já viu passar a garota de lpanema em Saint-Tropez?

Adeus, mãe Europa. Tão cedo não te quero ver. Teus olhos se endureceram na visão de muitas guerras. Tua alma se perdeu. Teu corpo se gastou. Adeus, velha argentária. Guarda os teus tesouros, os teus símbolos, as tuas catedrais. Quero agora dormir em berço esplêndido, entre meus vivos e meus mortos, ao som do mar e à luz de um céu profundo. Malgrado o meu muito lutar contra, eis que me vou lentamente tornando – logo eu! – num isolacionista brasileiro.

 

 

 

Semana Vinicius de Moraes (Poema dos olhos da amada)

 

 

“Poema dos olhos da amada” (Vinicius de Moraes / Paulo Soledade)

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=sz8CrFTgHLs[/youtube]

 

 

“Oh, minha amada

Que olhos os teus

 

São cais noturnos

Cheios de adeus

São docas mansas

Trilhando luzes

Que brilham longe

Longe nos breus

 

Oh, minha amada

Que olhos os teus

 

Quanto mistério

Nos olhos teus

Quantos saveiros

Quantos navios

Quantos naufrágios

Nos olhos teus

 

Oh, minha amada

De olhos ateus

 

Quem dera um dia

Quisesse Deus

Eu visse um dia

O olhar mendigo

Da poesia

Nos olhos teus

 

Oh, minha amada

Que olhos os teus”

 

 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=yPmz0NMVvBY[/youtube]

 

A canção e a letra-poema são tão lindas que não pude deixar de incluir esta versão com o próprio Vinicius cantando, e muito bem!

Merece o bis.

Aliás, há uma versão com o final diferente e não menos belo da letra-poema, que teria sido modificada para não alongar em demasia a canção.

A partir da estrofe que termina com “Quantos naufrágios / Nos olhos teus”, prossegue assim:

 

“Ó minha amada

Que olhos os teus

 

Se Deus houvera

Fizera-os Deus

Pois não os fizera

Quem não soubera

Que há muitas eras

Nos olhos teus

 

Oh, minha amada

De olhos ateus

 

Cria a esperança 

Nos olhos meus

De verem um dia

O olhar mendigo

Da poesia

Nos olhos teus”

 

 

O nascimento do poeta

 

vinicius (logo centenário)

 

Nasce, em meio a forte temporal, na madrugada de 19 de outubro de 1913 , no antigo nº 114 (casa já demolida) da rua Lopes Quintas, no Jardim Botânico, ao lado da chácara de seu avô materno, Antônio Burlamaqui dos Santos Cruz. São seus pais d. Lydia Cruz de Moraes e Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, este, sobrinho do poeta, cronista e folclorista Mello Moraes Filho e neto do historiador Alexandre José de Mello Moraes.

 

 

Vinicius bebê 

[…]

 

“E assim pelo ciclo negro da pálida esfera através do tempo 
Ao clarão imortal dos pássaros de fogo cruzando o céu noturno 
As mulheres, aos gritos agudos da carne rompida de dentro 
Iam se fecundando ao amor puríssimo do espaço. 

E às cores da manhã elas voltavam vagarosas 
Pelas estradas frescas, através dos vastos bosques de pinheiros 
E ao chegar, no feno onde o homem sereno inda dormia 
Em preces rituais e cantos místicos velavam. 

Um dia mordiam-lhes o ventre, nas entranhas – entre raios de sol vinha tormenta… 
Sofriam… e ao estridor dos elementos confundidos 
Deitavam à terra o fruto maldito de cuja face transtornada 
As primeiras e mais tristes lágrimas desciam.

Tinha nascido o poeta. Sua face é bela, seu coração é trágico 
Seu destino é atroz; ao triste materno beijo mudo e ausente 
Ele parte! Busca ainda as viagens eternas da origem 
Sonha ainda a música um dia ouvida em sua essência.

 

(“O nascimento do homem”, Vinicius de Moraes, excerto)

 

 

“Dele disse Carlos Drummond de Andrade: “Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural”. Eu queria ter sido Vinicius de Moraes”. Otto Lara Resende assim o definiu: “Manuel Bandeira viveu e morreu com as raízes enterradas no Recife. João Cabral continua ligado à cana-de-açúcar. Drummond nunca deixou de ser mineiro. Vinicius é um poeta em paz com a sua cidade, o Rio. É o único poeta carioca”. Mas ele dizia nada mais ser que “um labirinto em busca de uma saída”.

 

 

 

De poeta para poeta

 

  

Brenno 4

 

 

 

 

 

 

Brenno Augusto Spinelli Martins

 

 

                                                               Estivestes comigo em todos os inícios

                                                               mas me abandonastes nos finais.

                                                               Repartistes comigo todos os vícios,

                                                               mas me deixastes sozinho

                                                               nas ressacas dos meus carnavais.

 

                                                               Por que demorastes tanto, ó Poeta?

                                                               por que ainda demorais

                                                               pra me ensinar vosso canto,

                                                               elegias,

                                                               desencantos,

                                                               poesias,

                                                               acalantos

                                                               e o tanto que sois capaz?

 

                                                               Chegastes tarde, ó Poeta!

                                                               agora é tarde demais:

                                                               não tenho mais bala na agulha…

                                                               Por que me influenciais?

                                                               estando sempre presente

                                                               na retina dos meus eyes…

                                                               na rotina dos meus ais.

 

 

 vinicius de cavanhaque

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Semana Vinicius de Moraes (O que tinha de ser)

 

 

“O que tinha de ser” (Vinicius de Moraes / Tom Jobim), com Caetano Veloso 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=Bh9GcAsDPG0[/youtube]

 

Porque foste na vida
A última esperança
Encontrar-te me fez criança
Porque já eras minha
Sem eu saber sequer
Porque eu sou o teu homem
E tu, minha mulher.

Porque tu me chegaste
Sem me dizer que vinhas
E tuas mãos foram minhas com calma
Porque foste em minh’alma
Como um amanhecer
Porque foste o que tinha de ser.