Posts from novembro, 2014

A mesa da cozinha

 

Annibal Augusto Gama

 Annibal e Pichorro 3

 

 

 

 

 

 

 

Era uma mesa enorme (a cozinha também era enorme), de tábuas lavadas e não envernizadas, com gavetas e, ao redor dela as cadeiras. Mais adiante ficava o fogão de pedra, com o seu forno, as suas serpentinas e a trempe, sobre a qual achava-se sempre o bule de café, em banho-maria. A cozinha era a nossa lareira, principalmente nas noites de inverno. Em outras noites, eram os meninos que ali se sentavam no mosaico do chão, enquanto a negra Prisciliana, sentada no rabo do fogão, lhes contava estórias de assombração. Também o cachorro enrolado, deitado no piso. O papagaio ficava no poleiro, na penumbra da dispensa.

Chegava um, chegava outro, e se abancavam diante da mesa. Eram fritados os bolinhos de polvilho azedo e, fofos, ainda quentes, levados na travessa, para serem comidos, com goles de café.

Conversava-se, vinham as notícias da cidade, os boatos, os fuxicos, as intrigas políticas.

Parentes, amigos, hóspedes, ninguém deixava de frequentar a cozinha e sentar-se ao redor da mesa.

Nas noites de verão, a porta da cozinha permanecia aberta, bem como as janelas, olhando para o grande quintal.

Para acender o fogão, de manhã, era preciso ajeitar a lenha na sua boca, entre pedaços de jornal. Depois, riscar o fósforo e chegar a sua chama nas folhas de jornal. Quando as labaredas surgiam, convinha abaná-las com a tampa de uma panela, para avivá-las. O dia inteiro, e grande parte da noite, o fogão permanecia aceso, e a água, aquecida nas serpentinas, subia para a caixa e corria de todas as torneiras abertas.

A cozinha e a sua mesa foram boa parte da minha meninice.

Graças a Deus não havia televisão, e mesmo o rádio, dando notícias da guerra na Abissínia, era precário, com a sua estática. Sim, também chegavam os jornais, e alguns iam buscá-los no próprio Correio, situado na avenida.

A educação das crianças fazia-se assim, na cozinha.

Lá para dentro, permanecia a dona da casa, com as suas visitas, e o piano alemão, em cujas teclas tocavam-se as valsas. No centro da sala de visitas, debaixo da mesinha, achava-se o álbum de retratos.

Ocorriam igualmente os saraus, em que se cantava e se declamava. Alguém vinha com o seu violino, e outro com a sua flauta.

Infalivelmente, aparecia o Doutor Eduardo, com a sua bengala; também não deixava de vir o farmacólogo, seu Joaquim.

A convivência, na cidade pequena, era cordial e amena.

No quintal a pilha de lenha, com os troncos que eram rachados pelo lenhador, que aparecia com o seu machado e as suas cunhas.

De vez em quando, tarde da noite, alguém vinha furtar a lenha rachada e empilhada no quintal. Sabia-se quem era, mas não se dava muita importância.

Meu pai encontrava-se na rua com o ladrão, e este o cumprimentava: “Como vai, Coronel?” E ele respondia, sisudo: “Vou bem, às minhas custas”.

Os namorados beijavam-se furtivamente, no escurinho do cinema.

 

 coando café. 60 x 80 cm