Desde pequeno Adamastor sentia uma dor de lado, umas pontadas esquisitas, no final do arco das costelas.
Isso não o impedia de ser um menino normal, que corria pelos jardins do antigo casarão do avô paterno, trepava nas jabuticabeiras, goiabeiras e mangueiras do vasto pomar para saborear os frutos no pé ou apenas se divertir. Gostava de brincar sozinho, imitar o canto dos pássaros, conversar com bichos ou seres imaginários.
De vez em quando a dor o incomodava, mas foi se acostumando com ela, e até se aproveitava de vez em quando para aumentá-la e assim faltar da escola ou da missa.
Preocupados, os pais o levaram a vários médicos que não encontraram nada de errado.
Quem deu a palavra final e tranquilizadora foi o velho médico da família, com sua sapiente experiência: “Isso não é nada. Quando ele crescer, sara.”
Adamastor cresceu com a misteriosa dor de lado. Já rapazola, podia defini-la melhor. Não era propriamente uma dor, mas uma sensação estranha, um desconforto, parecido com aquela fisgada de estômago vazio quando se está com muita fome.
Aos 18 anos, na faculdade, Adamastor conheceu Eveline, e desde a primeira vez em que a viu se sentiu tragado pelos seus olhos de mel, enroscado nos seus cabelos longos e serpejantes.
No baile dos calouros, depois de muita troca de olhares e sorrisos, e de algumas cubas-libres para criar coragem, tirou-a para dançar um bolero, a dor de lado dardejando mais do que nunca.
Quando a tomou nos braços e colaram os rostos no meio do salão, sentiu o perfume de maçã que ela exalava e lhe lembrou o aroma do pomar da casa do avô.
Como por encanto, a dor de lado sumiu.
Falta de ar, palpitações e tonturas passariam a acompanhá-lo pela vida afora.
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“Dois pra lá, dois pra cá” (João Bosco / Aldir Blanc), com Elis Regina