Posts from fevereiro, 2011

A perda da inocência

 

 

 

                       “Envelhecer é um crime”, diz Jeanne, personagem de Maria Schneider, enquanto se recorda da sua infância, numa das cenas de  O Último tango em Paris.

                       Se envelhecer é um crime, a morte é o que os doutrinadores do Direito Penal chamam de crime exaurido.

                       Para Schneider o crime se exauriu no último dia 3, aos 58 anos de idade.

                       Prefiro guardar sua imagem anterior ao crime e à perda da inocência, aos 19 anos, no filme do grande Bernardo Bertolucci,  linda (inteiramente fora dos padrões atuais) com sua cabeleira anelada, seu rosto de menina num corpo opulento de mulher, seios fartos, contracenando com Marlon Brando que começava a envelhecer (tinha 48 anos), mas ainda muito bonito e charmoso.

                       Há alguns anos, Schneider concedeu uma longa entrevista em que confessou ter se viciado em cocaína e heroína, dormido com homens e mulheres e até se internado em uma clínica de tratamento de doentes mentais. Grande parte disso ela atribuía ao filme, ao seu despreparo para enfrentar a enorme repercussão e por haver se sentido humilhada e manipulada por Bertolucci e Brando, o qual teria proposto a cena de sexo anal, que não constava do roteiro.

                       Realmente, O Último tango em Paris causou furor na época pelas cenas de sexo entre Brando e Schneider, em especial a célebre cena da manteiga utilizada por Paul ao sodomizar Jeanne (aliás, mais adiante, Paul encoraja Jeanne a fazer algo semelhante com ele). Por isso, muitos — talvez a maioria — se lembrem dele apenas como um filme erótico ou de sacanagem, quando na verdade é um filme esplêndido que merece ser revisto, o que acabo de fazer.

                       Trata-se de um filme intimista e sensível, sobre o encontro improvável e inviável de dois desconhecidos num apartamento vazio, onde buscam descobrir um no outro um rumo para suas vidas. Paul está em crise pelo súbito e inexplicável suicídio da mulher. Jeanne está em dúvida sobre o que deseja para si e se deve ou não casar com o jovem noivo cineasta (Jean-Pierre Léaud, queridinho de Truffaut). Enquanto para ele a vida parece acabada e sem nenhum sentido, ela ainda está insegura e confusa com o começo da vida e seus tantos sentidos. Somente o sexo é capaz de uni-los, o desespero dele com a perplexidade dela.

                       Além da cena da manteiga, em que Paul obriga Jeanne a repetir um pungente libelo contra a família e os valores decrépitos (“Vou lhe falar de segredos de família, essa sagrada instituição que pretende incutir virtude em selvagens. Repita o que vou dizer: sagrada família, teto de bons cidadãos. Diga! As crianças são torturadas até mentirem. A vontade é esmagada pela repressão. A liberdade é assassinada pelo egoísmo. Família, porra de família!”), há diversas cenas antológicas, como a em que Paul fala com o cadáver da mulher, e a em que conversa com o amante dela, ambos vestidos com robes idênticos, que ela lhes havia comprado. Ah, e a música maravilhosa de Gato Barbieri!

                       Toda a sequência final é belíssima, a começar pelo salão de tango (que me lembra, com mais luxo, a velha Confitería La Ideal, de Buenos Aires) até o clímax da morte de Paul, quando, já baleado, abre a porta e sai à sacada. O olhar de infinda tristeza que Brando exprime é digno de 100 Oscares (e há ainda o que acredito ter sido um “caco” genial dele que é tirar o chiclete da boca e grudar no parapeito).

                       Corta!

                       Ele já caído ao fundo, em posição fetal, e ela em primeiro plano com o revólver na mão a murmurar palavras aparentemente desconexas, mas plenas de significado sobre a relação desesperada dos dois: “eu não conheço ele”; “eu não sei o nome dele”…

 

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