Sobre motoristas e passageiros

 

 

A homenagem da riberopretana Bell à sua São Paulo

 

                     Bell Gama

bell (bandeira do Brasil) 

 

 

 

 

 

 

 Era janeiro de 2004 e uma só frase rondava a minha cabeça “Non Ducor, Duco”. A inscrição da bandeira de São Paulo servira como mote para as comemorações dos 450 anos de São Paulo e eu era parte da festa. Na época eu trabalhava em uma produtora de eventos que promoveu um dos maiores desfiles que a cidade já viu. 450 carros antigos invadiram as ruas de São Paulo em um domingo de manhã para comemorar o aniversário. 100 carros saíram da zona sul, 100 da oeste, 100 da norte, 100 da leste, e os 50 mais raros estavam na Av. Paulista. A logística de conseguir uma sincronia para que todos andassem simultaneamente na avenida mais famosa da minha cidade (que escolhi para viver) durou meses de preparação. Junto com ela, um programa ao vivo. Foi meu primeiro programa ao vivo em rede nacional ao lado de queridos colegas de profissão. Com direito a entrevistar a Prefeita, ter ponto eletrônico no ouvido e ouvir a adrenalizante (existe essa palavra?)  frase “3, 2, 1… no ar… É com você, Bell!”. Os carros, que despertam a paixão e o ódio da maior cidade do país, foram o destaque da festa.

 

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Os automóveis sempre estiveram na minha vida. Aos 7 anos eu dizia que já sabia dirigir a boa e velha Parati branca do meu pai. Aos 13, peguei escondido seu Opala Diplomata e aprendi a dirigir. Aos 16, roubava o Fiat Palio da irmã e ía sozinha para a escola me sentindo a mais livre das criaturas. No dia 1 de dezembro de manhã, ao completar 18 anos, estava  finalmente tirando a minha Carteira de Habilitação. Aos 20, arrumei o emprego nesta produtora de eventos e televisão que só trabalhava com automóveis. Me descobri jornalista sendo “jornalista automotiva”. Dirigi muitos carros. Daqueles de mais de três dígitos e bem mais do que uma centena de cavalos de potência que sei que nunca mais estarei no volante. Dirigi no Japão, na Alemanha, visitei a fábrica da Maserati e vi carros sendo produzidos manualmente. Escrevi para revistas especializadas, participei de eventos de lançamentos e até hoje sou convidada pela indústria para fazer roteiros para os automóveis. Enfim, sempre fui considerada uma menina que “manja” de carros.
 
Há mais de 2 anos tomei uma decisão radical. Vendi o meu carro. Comprei um apartamento, precisava de grana para a entrada. Na época todo mundo se assustou: Como você vai viver sem carro? Eu também não sabia. Aos poucos, encontrei novos caminhos. Vi que não ter carro em São Paulo me deixa ainda mais livre. Com o tempo, a paixão por dirigir se tornou uma dor de cabeça. Multas, IPVA, Renovação de Carteira, Revisões, Lei Seca, custos, custos, custos… Passei a ser uma má motorista. E não queria sujar minha ficha corrida. Perdi a carta e a paciência. Hoje, não tenho carro nem garagem.
 
As pessoas ainda se assustam com a minha decisão: Como você consegue viver sem carro? Simples: moro perto do metrô. Pego ônibus, táxi, compartilho carro e sou carona preferencial  dos meus amigos. Passei a ver a cidade com os olhos de passageira, dedicando cada momento a uma nova descoberta.  Hoje, ao cruzar a cidade pelo subterrâneo do metrô (sem fone de ouvido ou livro para ler) senti aquele prazer de ser anônima e ter um olhar turista… Reparei na moça chorando, no casal se beijando, na mãe dando bronca no filho, no rapaz compenetrado que lia uma apostila. Passei por várias estações notando suas diferentes personalidades. Eu sou linha vermelha com muito orgulho! Fico na estação Marechal Deodoro, mas o fim da minha linha é no meu time de coração “Corinthians/Itaquera”. Há quem odeie essa linha pois ela leva para a periferia da Zona Leste (Lost). Eu amo. A linha vermelha é a cara São Paulo. E por aqui tem esse bairrismo mesmo… Paulistano que é paulistano sabe a diferença da Linha Verde para a Azul.  Quando lançaram a Linha Amarela fiz questão de ser uma das primeiras a andar como  mesmo espírito que a gente leva uma criança para andar pela primeira vez no metrô. E não há estação tão bonita como a Sumaré.
 
 
metro marechal
 
 
Assim como a cidade, poucos metrôs ainda são conduzidos. Muitos se auto-conduzem. Assim como eu gosto de ser. São Paulo, que completa 459 anos nesta semana, ainda tem uma injustiça: todo mundo deveria ter um metrô para chamar de seu. Para assim poder conduzir o seu olhar para onde bem entender: para as ruas, no papel de motorista ou para a paisagem.
 
metrosp
 
 
 
Bell Gama/janeiro 2013
 
 
 
 

5 comentários

  1. André
    25/01/13 at 10:28

    Parabéns a São Paulo pelos seus 459 anos. Continue brilhando eternamente no coração das pessoas.

  2. Hilariio Moreira
    25/01/13 at 18:05

    Po Bell, faltou comentar que vc ja andou do bug do TIO SERGIO MALLANDRO…belo texo,lindo assim como vc e como tudo o que faz……que orgulho das minhas meninas….cada uma no seu quadrado e todas em volta de nos…viva!!! para sempre…bjs tio Orgulhoso;

  3. 25/01/13 at 18:34

    Aplausos calorosos!
    Tenho em casa (melhor, tinha, já voaram) dois filhos que pensam como você. Metrô e bicicleta desde sempre. 
    Sua vibração é contagiante, Bell.
    Beijocas! 

  4. Paulinho Lima
    26/01/13 at 22:20

    prezada Bell
    Somos colegas. Quando me aposentei. Marcava minhas coisas longe de casa para ter mais tempo sem fazer nada. Até que um dia encarei um congestionamento daqueles, levava o carro para vistoria. Tenho 3 filhos e a mais velha nunca quis aprender a dirigir e reclamava que tinha dado carro para os outros dois e nada para ela, Voltei, sai do congestionamento. Fui a casa e disse: fala com seu marido que só falta fazer vistoria. Passados 3 dias soube que tinha vendido o carro. seu marido já tinha um. Resumindo na família somos dois a não dirigir. Nunca mais segurei uma direção (12anos) e não me faz a menor falta. vou a todos os lugares. Quando viajo alugo e minha mulher dirige, contra a vontade.

  5. 30/01/13 at 10:46

    Paulinho e Selminha, obrigada pelos comentários. Adoro compartilhar com vocês meus pensamentos. 
    Tio Hilário, terás uma surpresa em breve!
    beijos

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