“Deus está morto”
Nietzsche dixit!
Quem sabe se de fato
morreu ou se resiste?
(somente morre
quem existe
morreu Nietzsche)
Depois de Deus
morrer quem possa?
Talvez a Morte
(consorte nossa).
Podia ser outra canção?
(Vide o post abaixo da Selminha)
“O barquinho” (Ronaldo Bôscoli / Roberto Menescal) Nara Leão
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=wkXHviRfshk[/youtube]
A grumete Selma Barcellos
(by Brunno Vivas)
Em avião alterno duas atividades: dormir e rezar. Falta de ar? Que nada. Falta de terra mesmo. No mar só entro quando ele vira lago. Ainda assim, fico de olho esperando ondas gigantes. Maior respeito. E neura, eu sei.
Eis que, 2008 indo embora, domingo de sol, numa das poucas aliviadas do bom e velho São Pedro, aceito o convite de um casal amigo de meu filho para… velejar!!! Favor reler o primeiro parágrafo.
Sem explicação para tamanho ato de coragem e superação, a não ser a paixão que nutro pelo casal, lá fui eu de mala, cuia, “caniço e samburá”. E Dramin, claro.
Geeeeeente, o que esta deslumbrada (no bom sentido) marinheira de primeira velejada perdia na vida… A Baía da Guanabara, seus contornos, morros e ilhotas, por ângulos que nunca vi, fizeram-me compreender por que os franceses se acachaparam por tanto tempo e não arredavam pé; por que Estácio de Sá veio literalmente à luta, atendendo de pronto ao chamado de tio Mem; por que padre Fernão, final do século XVI, narrou que “dentro da barra tem uma baía que bem parece a pintou o supremo pintor arquiteto do mundo, Deus Nosso Senhor”…
Entendi por que Rio, eu gosto de você e minha alma canta. Tudo de bom o pit stop na Urca, sem sair do veleiro, retribuindo sorrisos aos turistas e locais sentados na mureta de pedra; delícia os pastéis de camarão sendo embarcados para acompanhar o branco geladinho no ponto; contagiante o astral e o bom humor do carioca passeando em sua minúscula e humilde traineira com um “Tô nem aí” pintado no casco, acenando para os iates luxuosos… Ponto para ele!
Sentindo a euforia desta grumete que vos escreve, um dos supercompanheiros sugeriu uma foto na proa, cena de Titanic, no que foi prontamente atendido. Preparei meu melhor sorriso. Só deu tempo de escutar a brincadeira da turma: “Dá-lhe carranca do São Francisco!”. Bando de crianças na hora do recreio. O marido da grumete soltinho, soltinho no bailado…
Na volta, nuvens escuras, cheiro de tempestade no ar. Vento forte, velas abertas, veleiro cambando. Tremi e me perguntei, já num silêncio de náufraga, o que raios (e relâmpagos) eu estava fazendo ali.
A resposta veio em forma de chuva benfazeja, daquelas que nos batizam novamente, passam a vida a limpo, depuram e celebram a união de família e amigos que se amam. Daquelas que varrem para longe as tristezas, preocupações, decepções com o ser humano e, quer saber, ainda que momentaneamente, até raiva de políticos, essa corja merecedora de todas as sapatadas.
Olhos e alma lavados, veio a calmaria e o veleiro seguiu cortando a água com destino àqueles (dois!) arco-íris de promessas mágicas que se abriram. Com potes brilhantes e tudo… Eu vi.
Vida, vento, vela… Valeu!
PS.: Divido com vocês a releitura desse post tentando encontrar uma explicação plausível – favor voltar ao primeiro parágrafo – para tempos depois ter aceitado voar (clique) no ‘teco-teco’ do nosso adorável maluco, com direito a sobrevoo por Itacoatiara, acenos para os amigos na areia… Tsc, tsc.
Nicolas Sauvage e família
Nicolas Sauvage, poeta francês, vivendo entre a França e o Japão e, às vezes, na Koreia, nos traz em sua poesia a união entre o Ocidente e o Oriente. Esse entrelugar nos proporciona a captação de uma nova sensibilidade, diversa, nova, outra. Junto vai uma interpretação não definitiva, pois nada é perene e tudo tradução. (Adalberto de Oliveira Souza)
espérance
c’est un remerciement
d’un souffle une lumière une lueur
la fraîcheur qui suit enfin la canicule
la chaleur aperçue d’une douce peau
une plaie qui va s’effaçant s’allonge
lent épanouissement de feuillages
boucle lignes courbe oh jeunesse
donne du volume à la lumière
vert léger bleu sans couleur
un remerciement
Nicolas Sauvage
esperança
é um agradecimento
de uma aragem uma luz um clarão
a suave brisa que sucede à canícula
o calor percebido por uma pele suave
uma ferida que vai desaparecendo se prolonga
lenta dilatação de folhagens
enlaça linhas curva ó juventude
dá volume à luz
verde leve azul sem cor
um agradecimento
Tradução de Adalberto de Oliveira Souza
Brenno, pasmo com as belezas serranas
Claudia, beleza serrana que pasma o Brenno
A graça e a beleza de Luiza, que também pasmam
Quando conheci Brenno, em priscas eras, ele criava galinhas no quintal da casa de sua irmã, Regina Célia.
Na ocasião, fiquei impressionado com a qualidade do pequeno galinheiro e do plantel das galináceas, todas nomeadas, catalogadas, com controle até mesmo dos ovos postos (ou não). Ele vendia a “produção” e o “lucro” na maioria das vezes era investido em discos, igualmente organizados e catalogados. Mas o que ressaltava, e sempre continuou assim, era o seu grande amor pelos bichos, seu jeito para lidar com eles e sua alma bucólica.
Não deu outra. Há anos que mora num sítio, cercado de cães, aves, bovinos e até de um jumentinho (que algum malvado lhe surrupiou).
De uns tempos para cá, Brenno anda enamorado de belezas serranas, que não se limitam à paisagem, fauna e flora.
Apesar de tantas belezas e da alma bucólica, o humano tédio às vezes bate, fruto talvez da licença poética para compor mais uma canção, em parceria outra que não a minha (muito melhor, aliás).
A gravação feita com celular não impede a fruição da delícia, mas não dei conta de convertê-la em áudio para postar antes, o que só consegui agora, com a ajuda de sempre do Saulo.
Poema, canção ou outra obra de arte não se explica. Cada qual sente e saboreia como lhe apetece, mas sempre sabe bem a crônica da criação:
“É uma espécie de rejeição ao bucólico e aspiração ao movimento.
Repudiando a acomodação e pretendendo o exercício.
Trocando o marasmo da paz pela instabilidade estimulante da aventura.
O quieto pelo agitado.
A mesmice do campo pela ebulição da cidade.
Às vezes cheirar fumaça de óleo diesel é mais desintoxicante do que respirar ares puros e monótonos.
Enfim, é uma apologia ao agito e uma crítica à calmaria.
A paz pacifica, mas se ressente da falta de acontecimentos.
Apesar de montanhosa, Serra Negra é uma cidade horizontal, em termos de cultura e evolução.
Sentar no sofá em uma tarde de domingo olhando pela janela cafezais e pinheirais é bonito…
mas entediante.
Sempre faz frio, não se pode usar “vestidos de alcinhas”.
Samambaias são lindas de se ver nas matas, mas se colhidas e guardadas (no “porão”?) perdem o viço.
Os peixes, em um lago de “Pesque-Pague” (lá perto tem um), ficam parados, esperando a morte chegar.
As pessoas (acomodadas em um sofá ou na sala de jantar) também.
A natureza pacifica o espírito, mas não o alimenta.
De repente, surge uma fome de novidades.
E quando “alguma coisa acontece” no coração…
sentamos no sofá olhando a paisagem pela janela.
Um uísque… um violão…
e nasceu essa canção.
P.S.: a gravação, rudimentar, foi feita pelo celular. E a Luiza é, sim, filha da Claudia.”
SAMAMBAIAS NO PORÃO (TÉDIO)
(Claudia / Brenno) Interpretação: Luiza
Sentada no sofá
Lá fora um cafezal que dá
Tédio
Tédio
Pé na estrada
Neil Young a rolar
Bomba H nesse lugar
Vestidos de alcinhas no alçapão
Samambaias no porão
Chega de peixe parado
no lago cercado
pra ser fisgado
Tédio
A poesia concreta de Caetano
quero inalar
O monóxido de carbono
quero respirar
Chega de peixe parado
no lago cercado
pra ser fisgado
Tédio
“Abismo de rosas” (Américo Jacomino, “Canhoto”), Raphael Rabello
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=HmDh56SMw4c[/youtube]
Tida por muitos como sendo da autoria de Dilermando Reis (que fez um arranjo clássico e se tornou um dos seus maiores intérpretes), a valsa “Abismo de Rosas” foi composta na verdade por Canhoto (Américo Jacomino), quando tinha apenas 16 anos e acabara de ser abandonado pela namorada, filha de um ex-escravo.
Canhoto realizou três gravações, a primeira como “Acordes do Violão” em 1916, a segunda já como “Abismo de Rosas” em 1925 e a terceira em 1927, sendo esta uma das primeiras da era de gravações elétricas no Brasil. João do Sul escreveu uma letra para a melodia, gravada entre outros por Francisco Petrônio (aqui).
Filho de imigrantes napolitanos, Canhoto nasceu na Rua do Carmo, em São Paulo, em fevereiro de 1889 e morreu no dia 7 de setembro de 1928. Jamais frequentou escola, tendo aprendido música, bem como a ler e escrever com seu irmão mais velho Ernesto, que tocava violão e bandolim. Desde garoto Canhoto interessou-se por violão, que ele tocava, mesmo sem inverter as cordas, na posição de canhoto, o que deu origem a seu nome artístico.
Canhoto (o primeiro à esquerda de quem olha, segurando o violão) com amigos.
“Meu coração de criança…”
“Coração Vagabundo” (Caetano Veloso) Gal Costa / Caetano Veloso
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=wahK_MBI2hY[/youtube]
Selma Barcellos
(foto de William Allard)
AOS SEGREDOS QUE VIRÃO
Que procura a minha menina
Curiosa assim desse jeito
Não fora o tempo tão breve
Para caminhos refeitos.
Mistérios, sinos, recados
Alumbres, guizos, afagos
O antigo jardim e seus magos?
Deixa-os quietos, menina
Dormentes, sem espanto
Por fios de poesia atados.
Vive segredos de novo dia.
Há muitos. É tanto.
“Les etoiles” , Melody Gardot
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=_iwiahDdnV0[/youtube]
Adalberto de Oliveira Souza
VIGILANCE
Un spectacle prémonitoire,
somptueux ou non,
peut réduire à l’essentiel
l’illusion gâchée.
Il faut garder l’incognito,
feindre la lacheté,
retirer en douce,
pour pouvoir attaquer
à l’improviste ensuite.
Pour franchir les ponts,
les ponts infranchissables
des rêves dorés.
Pour transpercer
ce qu’on veut.
Il faut du temps
quelques fois.
Tout se contracte
Dans l’amalgame d’un cauchemar
Tout se répète au dehors de la réalité.
Tout s’alterne sans mesure prévue.
La vie s’encombre de dégâts
quand on ne la touche pas.
VIGILÂNCIA
Um espetáculo premonitório,
suntuoso ou não,
pode reduzir ao essencial
a ilusão destruída.
Permanecer incógnito,
fingir covardia,
se esquivar imperceptivelmente
para poder atacar
de improviso em seguida.
Para atravessar as pontes,
as pontes intransponíveis
dos sonhos dourados.
Para atravessar
o que se quer.
É preciso tempo,
às vezes.
Tudo se contrai,
no amálgama de um pesadelo.
Tudo se repete na periferia da realidade.
Tudo se alterna sem medida prévia.
A vida se entulha de escombros
quando não é tocada.