“Depois dos Temporais” (Ivan Lins / Vitor Martins), com Ivan
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=4rdaVBBEltA[/youtube]
“Depois dos Temporais” (Ivan Lins / Vitor Martins), com Ivan
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“Doce Vampiro” (Rita Lee / Roberto de Carvalho), com Rita
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=K4DwsysvcWI[/youtube]
Claudia Pereira
Nos tempos modernos, na ausência dos bestiários medievais, os vampiros que fazem as mocinhas suspirarem são muito chatinhos.
Não sugam sangue humano. O vampiro bom moço, de carrão e adolescente, se alimenta de animaizinhos da floresta. Escolheu passar a infinidade de seus dias jogando beisebol e frequentando o colegial. Enterrar o canino na aorta, só para os coadjuvantes.
Mocinhas que cresceram informatizadas suspiram almejando a juventude eterna ao lado do grande amor imortal. A moral vencendo o instinto, sobrepujando o desejo incontido da mordida fatal na jugular.
Ah, o bom e velho Drácula dos filmes branco e preto! A névoa encobrindo o castelo, uma lua alucinada correndo à velocidade do grito contido, o único rastro de luz no breu do desejo e o medo.
Onde está o garboso Príncipe das Trevas dos pesadelos de minha infância?
Copo com água, réstia de alho, e a espera. Dormir com o travesseiro sobre a cabeça protegendo o pescoço, minha condição humana ameaçada, o terço de minha mãe pendurado na cabeceira da cama. O aparato completo. A estaca, um sonho de consumo!
Rezava para o anjo da guarda me proteger, e rezava para o Conde Drácula me querer. Um teste de fé: seria eu forte o suficiente para detê-lo e, caso me tornasse um ser abissal, como viveria esse mundo? Suportaria ser um deles? Olhos vermelhos, cabelos negros, a pele muito branca e uma vestimenta bem mais atraente que a de costume.
Ultimamente o vampiro vive na América, a Transilvânia se encolheu ao passado junto com Bram Stoker.
Quando eu atingia o limite do pavor, era necessário que atravessasse o mais longo e extenso dos corredores que conheci. Nele, habitavam as sombras, mãos que roçavam meus braços, puxavam meus pés, arrastavam-se silenciosas no tapete sob meu corpo até conseguirem manter-me de olhos fechados e lábios selados pelo pavor
Naquele turbilhão de horrores — que acontecia invariavelmente nas noites em que pensava Nele — já no meio do caminho, quase exaurida pelo pânico, estava o Tabú, meu cão que ali descansava tranquilo.
Não mais tremia tanto e conseguia galgar os próximos passos com maior dignidade. Ir de encontro ao grande portal. À salvação! Deitar no céu, na cama entre meus pais. Como era bom!
“Non, je ne regrette rien” (Michel Vaucaire / Charles Dumont), com Edith Piaf
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=Ezeq4Lhonv0[/youtube]
“Nessun dorma” (Puccini — Turandot), com Andrea Bocelli
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=AlYTz2JTkPI[/youtube]
Selma Barcellos
“Por que viver vale a pena?” – indaga-se o autor da crônica com que me delicio na rede da varanda, boxers deitados ao lado, labradora empurrando minha mão com o focinho para ganhar cafuné. E responde o jovem cronista: por Mahler, Millôr, Manhattan, Peter Sellers, vinhos do 12ème, mulher “na primeira vez em que entrega sua nudez e seu sorriso” e por aí vai.
Fecho os olhos e penso igualmente em certas coisas que fazem valer a pena… Como o quê? Ora, os poemas do Pessoa, as veredas do Rosa, o esticador de horizontes do Manoel de Barros. Quixote. Quase toda a obra de Fellini, o Mastroianni, a nossa Fernanda, meus cult adolescentes “Um Homem e uma Mulher” e “Breakfast at Tiffany’s” – trilhas sonoras cantadas de cor. Aquela cena do Pacino dançando “Por una cabeza”… Aliás, tangos.
E Paris, “Those Were the Days” em Londres e “Prendi questa mano, Zingara” em Florença – aos 18. Sarah Vaughan, Sinatra, Tom&Vinicius, Tom&Jerry. Chico como encantado ao lado meu e as propostas do Roberto. A bateria da Mangueira. Paul McCartney no Maraca, Anna Netrebko no Waldbühne. “Nessun dorma”. O intermezzo de “Cavalleria rusticana”, a doçura do entreato de “Carmen”… Braços e pernas à perfeição do cisne de Plisetskaya.
Ainda agora, os mistérios de Sintra e pedalar por Cascais, o boardwalk de Santa Monica, ouvindo a percussão dos que sobraram de Woodstock e tomando Erdinger gelada… Bolinho de bacalhau do Seu Antonio. Búzios meio vazia, comendo cavaquinha grelhada no entreposto dos pescadores ao cair da tarde. Bombons trufados da Godiva. Mergulho no mar com a tal sensação térmica de 45º (mas é bom parar por aí). Sol se pondo em Itacoatiara…
A beleza dos dias sob a luz do outono. Aquela noite em que família e amigos, enrolados em mantas, deitamos todos no deck da cabana no Yosemite para observar o céu mais incrível de nossas vidas. As gargalhadas gostosas dos alunos com minhas gracinhas. O último retoque antes de assinar a tela. A expressão feliz do filho vendo sua noiva entrar. O bailado solto com o outro filho e suas dicas de bem viver. Aprender com eles. Chorar de rir. Cansar de dançar.
Não por último, subir ao palco da ABL para receber meu “Oscar” pelo 1º lugar no concurso de redação, 13 mil inscritos… (Nota do Editor: Veja a premiação da Selminha AQUI)
Ah! – e soltar o gogó em “Non, je ne regrette rien”. Glorioso. Meu épico de chuveiro.
Adalberto de Oliveira Souza
SAUDADE
A chuva, a bruma,
aqui e lá,
um relâmpago
e a dor se impõe.
Na veia estanca,
na enxurrada escorre
a espera
o tédio.
O que de mim se afasta
de mim se apossa.
La pluie, la brume,
Ici, là et ailleurs,
un éclair
et la douleur s’impose.
Dans la veine s’arrête,
dans le caniveau glisse
l’attente,
l’ennui.
Ce qui s’éloigne de moi,
aussi s’empare de moi.
“Que reste-t-il de nos amours” (Charles Trenet), com Stacey Kent e Stan Getz
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=L-4NHQg4lGM[/youtube]
Annibal Augusto Gama
Suponhamos que alguém pretenda escrever (ou dizer), que a gloria é vã. E alinha as seguintes frases que, substancialmente, significam a mesma coisa:
A glória é uma palavra vã.
A glória é uma vã palavra.
Glória: vã palavra.
A Glória é uma vã palavra.
A glória nada é.
A glória é nada.
Destas seis frases, só uma deve ser exata, no seu sentido e estilisticamente, para um bom escritor. E soar mais bem para um leitor sensível.
Qual delas seria?
Isto, os professores não explicam nas suas aulas de língua portuguesa, ou só raros deles explicam. E é uma questão de bom gosto, de sensibilidade.
Vamos tentar fazer a escolha certa e justificá-la.
Em primeiro lugar, a primeira frase (“A glória é uma palavra vã”) é incomparavelmente inferior à segunda: “A glória é uma vã palavra”.
Por quê?
Porque uma palavra vã (da primeira frase) apresenta um encontro vocálico desagradável para um ouvido fino: vra-vã. E a antecipação do adjetivo ao substantivo da segunda frase elimina este encontro vocálico enjoativo.
Todavia, a terceira frase, para aqueles que se prezam de ser sóbrios de palavras, talvez seja a melhor: Glória: vã palavra. Mais ainda: nela não se achando o artigo definido “a”, generaliza, e abrange toda espécie de glória.
Na quarta frase (“A Glória é uma vã palavra”), vê-se que se escreveu com maiúscula o substantivo Glória. Ele foi personalizado e pode referir-se não ao substantivo abstrato “glória”, mas a uma moça ou a uma mulher chamada Glória. O que não é o caso, ou é outro caso.
Enquanto isso, a quinta e a sexta frases não são muito expressivas.
Um escritor vulgar poderia ainda optar por uma frase grosseira: A glória não enche barriga.
Acho que a escolha está feita: a melhor, entre as seis frases é: A glória é uma vã palavra. Ou, sucintamente: Glória: vã palavra.
Carlos Drummond de Andrade, em seu livrinho póstumo, O Avesso das Coisas, escreve:
“A glória é o alimento que se dá a quem já não pode saboreá-lo”.
Não é uma frase muito verdadeira. Porque ele mesmo, em vida e moço, saboreou a glória que merecia.
Já Valéry dizia, com um dar de ombros, ou com irritação:
“Je m´en fous de la gloire”.
Que não traduzo, para não escandalizar.