Gênesis

 

 

Anos Dourados - Minisérie 1986 3

 

 

Desde pequeno Adamastor sentia uma dor de lado, umas pontadas esquisitas, no final do arco das costelas.

Isso não o impedia de ser um menino normal, que corria pelos jardins do antigo casarão do avô paterno, trepava nas jabuticabeiras, goiabeiras e mangueiras do vasto pomar para saborear os frutos no pé ou apenas se divertir. Gostava de brincar sozinho, imitar o canto dos pássaros, conversar com bichos ou seres imaginários.

De vez em quando a dor o incomodava, mas foi se acostumando com ela, e até se aproveitava de vez em quando para aumentá-la e assim faltar da escola ou da missa.

Preocupados, os pais o levaram a vários médicos que não encontraram nada de errado.

Quem deu a palavra final e tranquilizadora foi o velho médico da família, com sua sapiente experiência: “Isso não é nada. Quando ele crescer, sara.”

Adamastor cresceu com a misteriosa dor de lado. Já rapazola, podia defini-la melhor. Não era propriamente uma dor, mas uma sensação estranha, um desconforto, parecido com aquela fisgada de estômago vazio quando se está com muita fome.

Aos 18 anos, na faculdade, Adamastor conheceu Eveline, e desde a primeira vez em que a viu se sentiu tragado pelos seus olhos de mel, enroscado nos seus cabelos longos e serpejantes.

No baile dos calouros, depois de muita troca de olhares e sorrisos, e de algumas cubas-libres para criar coragem, tirou-a para dançar um bolero, a dor de lado dardejando mais do que nunca.

Quando a tomou nos braços e colaram os rostos no meio do salão, sentiu o perfume de maçã que ela exalava e lhe lembrou o aroma do pomar da casa do avô.

Como por encanto, a dor de lado sumiu.

Falta de ar, palpitações e tonturas passariam a acompanhá-lo pela vida afora.

 

 

Dois pra lá, dois pra cá” (João Bosco / Aldir Blanc), com Elis Regina

 

 

 

9 comentários

  1. André
    28/11/14 at 15:09

    Gama, parece que a foto foi extraída da minissérie Anos Dourados, exibida pela TV Globo em 1986.
    E essa música que você postou é lindíssima, a gravação da Elis é absolutamente insuperável.
    Bom final de semana.
    Abraçaço.

  2. Lilian Tanajura
    28/11/14 at 15:59

    Parece mesmo impossível passar por esta vida sem dor. Adorei o texto, Elis monumental cantando, mas o par extremamente carinhoso (Malu Mader e Felipe Camargo – sim, eu assisti Anos Dourados!), até cândido, me fez lembrar de uma cena oposta, cheia de ciúme entre John Travolta e Debra Winger, ao som maravilhoso de Stand by me…
    http://m.youtube.com/watch?v=g_ugy7pVOn4

  3. 28/11/14 at 16:07

    Uma das mais belas séries ever.
    A música? De quem será? 🙂

  4. 28/11/14 at 16:12

    Sara nunquinha. Dá dentro da gente e não devia.
    Primor de crônica, Antonio Carlos Augusto Gama.

  5. Lilian Tanajura
    28/11/14 at 16:20

    Esta, Selminha???? – Jobim!
    http://m.youtube.com/watch?v=OYL0lyHVV4k

  6. Josimara Tonella
    28/11/14 at 17:45

    Caro amigo,
    Adorei a metáfora ” cabelos serpejantes” de Eveline. Conto apaixonante.

  7. 28/11/14 at 17:45

    Sim, Lilian! Jobim e meu Chiquito Bacana!
    Beijocas!

  8. josimara
    28/11/14 at 17:50

    Adorei a metáfora “cabelos serpejantes” de Eveline. Conto apaixonante, caro amigo. Abração.

  9. Lúcia Helena Vieira Dibo
    28/11/14 at 19:51

    os aromas. as dores.
    dois prá lá. dois prá cá.
    e a ardente idéia. descoberta da vida.

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