A intemperança verbal

 

Annibal Augusto Gama

Annibal e Pichorro 3

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Creio que o nosso maior pecado é a intemperança verbal, desmentida pelo silêncio do Eterno.” (Augusto Meyer, A Forma Secreta).

 

A intemperança ou o destempero verbal, no falar ou no escrever, predomina nestes tempos da comunicabilidade que não comunica nada, no vanilóquio de dizer sem ter o que dizer. Por isso se diz de certas pessoas que “falam pelos cotovelos”. Supõe-se que falar implica uma operação cerebral, um raciocínio em que se manifestam as ideias bem concatenadas, ou os sentimentos. Mas não: fala-se e escreve-se por falar e escrever, sem ponderação, sem sobriedade. É o ruído sem a mensagem. O destampatório com o excesso e o furor das palavras. E se esquece que o silêncio, não raro, é muito mais expressivo,

Quem usa trinta palavras quando podia usar apenas quatro, embrulha-se e embrulha o seu interlocutor. São as orações principais seguidas do penduricalho de uma dúzia das subordinadas. E o emprego do anacoluto (não o da linguagem poética, impregnada de sensibilidade), mas de quem não sabe o que dizer. A adjetivação abundante, na qual os qualificativos sufocam o substantivo como parasitas.

O falar é prata, o silêncio é ouro, propõe o adágio. Mas nem prata é, antes o pechisbeque de latão.

Vale a anedota: dois sujeitos estavam à mesa e a comida mal dava para um só deles. Vai, o mais esperto perguntou ao que sabia falador: “Do quê e como morreu seu pai?” E o interrogado discorreu durante meia hora sobre a doença, os cuidados, os remédios, a agonia do pai, enquanto o outro comia vorazmente. Terminada a narrativa, quis ele saber também do quê e como morrera o pai do outro. E ele, não restando mais nada para comer sobre a mesa, respondeu: “Meu pai morreu de repente”.

Cão que muito late não morde. Às vezes, morde. Mas no geral contenta-se com o ladrar que lhe esgota a energia.

Os jornais e as revistas impõem um espaço breve para quem neles vai escrever: uma coluna, meia coluna. E o escriba transborda e não aborda. É preciso cortar e cortar. Às vezes, num romance, numa novela, podem eliminar-se trinta páginas, sem dano. Por isso mesmo, o leitor prefere os contos e os minicontos. Nem já há lugar para a epopeia em dez ou vinte cantos. A aceleração do tempo aprisiona os viventes num calabouço de um metro quadrado. Mas insiste-se no discorrer vazio, na discurseira parlamentar, nas sessões judiciais em que para decidir se a libélula tem asas debate-se durante cinco horas, fora as questões de ordem, como se vê no Supremo Tribunal Federal. Eu, por mim, contento-me com as manchetes.

Diz para tua mulher: “Eu te amo”. Não, não digas: beija-a.

O gesto pode perfeitamente substituir a palavra.

 palavras (1)

 

 

 

3 comentários

  1. Lilian Tanajura
    01/12/14 at 13:39

    Discordo do senhor, Dr.Annibal; eu me “esqueci” de todos os beijos, mas me recordo de cada palavra. Penso que a mulher precisa ouvir que é amada; beijos são fáceis de dar, já a palavra… Dizem que a boca fala do que o coração está cheio. Nada melhor, portanto, para saber o que se passa no coração do outro, ainda mais porque não adivinhamos pensamentos. Quantas possíveis estórias de amor foram abortadas pelo silêncio, perdendo-se na vastidão do tempo e do espaço. Hoje, podem ser apenas memórias tristes do que não foi, deixando em seu lugar a frustração do “e se…?”, que nunca será respondido. Oportunidades perdidas, sonhos desfeitos como se nada valessem, mas que existiram em algum momento, e isso dói. E a gente vai colecionando retalhos de vida, tentando preencher a qualquer custo os vazios do que não foi. O trabalho final terá que apresentar alguma beleza, porque chegará o dia em que os retalhos acabarão e a linha do tempo já não permitirá outro desenho ou novas formas.
    No mais, concordo plenamente: é muito ruído para pouca idéia.
    Muito obrigada pela bonita crônica!

  2. 01/12/14 at 18:31

    Perdão, meu mestre:

    Beije-a + eu te amo + todos os pleonasmos, hipérboles, alegorias, clímax e anacolutos mandando às favas o plano sintático. E que “suspiros escapem de sua boca de morango.”

    Quando não se nasce um João Cabral nem um Annibal Augusto Gama, deixe a chuva cair, deixe a chuva molhar. Vinde a nós os adjetivos, as exclamações, as reticências…

    Em tempos de abreviaturas, textos cifrados e declarações como “você coisou meu coração”, sejam liberados os adjetivos, esses confetes que teimam em cair sobre o branco do papel.

  3. André
    01/12/14 at 20:36

    Texto genial, como sempre!

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