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Impossibilidade

 

 

        Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                           IMPOSSIBILIDADE

 

 

                                                           Como apagar

                                                           o indelével?

                                                           Nada se apaga

                                                           Tudo se impregna no tempo,

                                                           A lembrança pode se distrair,

                                                           mas a marca permanece,

                                                           a cicatriz,

                                                           visível ou invisível.

                                                           Às vezes, dói.

 

                                                           Quando se tem consciência

                                                           lamenta-se,

                                                           Quando não

                                                           suspira-se.

                                                           A vida continua,

                                                           mesmo assim.

 

cicatriz 2

 

 

 

Notícias de abril

 

         Selma Barcellos

Selma (perfil)

 

 

 

 

 

 

 

 

For God’s sake, é abril, mas não invento. O Reino Unido de Elizabeth II, a Fofa (amo-a de chapeuzinho roxo), aderiu à tal Festa do Feromônio, recentemente, em East London. Foi o primeiro encontro do tipo.

Dá-se assim: você dorme sem perfume ou desodorante por três noites seguidas com a mesma camiseta de algodão, guarda a peça num saco plástico bem vedado e leva a embalagem para a festa. Ao adentrar o recinto, recebe um rótulo azul ou rosa a ser colado no saquinho, um número (só você conhece sua senha), e tem a preciosidade espalhada numa mesa do pub. Os fregueses cheiram a camiseta, escolhem a preferida e são fotografados com a peça eleita. A imagem é projetada na parede e se você gostar de quem gostou do seu cheiro, pode começar a paquera.

Vejam, concidadãos. Nada contra o objetivo da empreitada. Profeta Millôr já dizia que se Deus fosse contra a paquera não teria feito o pescoço com tal mobilidade. Mas, o pescoço, não o nariz, assim, onde não foi chamado. Façam-me o favor.

Ainda na semana passada, nosso “Rio de Sempre” abordava o tema com legítima nostalgia, perguntava pelo olhar 43, a piscadela, o fiu-fiu, os piropos delicados… A blogueira, dessas que têm saudade até do futuro, em se tratando de cheirinho, perguntava pelo Vetiver deles, pelo Muguet delas… Estes, sim, colavam na roupa da sloper da alma.

O que escreveria mestre Braga sobre tais esquisitices, hein? Ele, o ‘velho urso’ de olhar sem cerimônia, que, um dia, a caminho de um final feliz, viu nascer-lhe uma flor na lapela.

Coisa mais linda, li há pouco, o galanteio do Paulo Rónai para Nora, ao receber a primeira ilustração que ela fizera para um livro dele: “Você não pode contribuir em todos os aspectos da minha vida?” Aaaah, teve jogo… Por décadas.

Sejamos sinceros, a notícia que vos trouxe não muda os rumos da humanidade. Sequer merecerá uma pesquisa do Ipea. Mas vale como registro de tempos bizarros. Pouca sutileza, escasso romantismo, raras delicadezas. Muita gente só, vendo a festa da janela… Trancada do lado de fora da vida.

Quimica_amor

 

 

 

El Enamorado

 

 

Poema de Alfredo Fressia, com tradução de Adalberto de Oliveira Souza

 

 

                Alfredo Fressia

          (sobre o poeta aqui)

Alfredo Fressia

 

 

 

 

 

 

 

                                                         EL ENAMORADO

 

Alfredo Fressia

 

                                                                I

 

                                     Te busco en el castillo de mi cuerpo, soy

                                     un rey abandonado en su palacio,

                                     soy el tirano de mis mudos huesos.

                                     Clausurado en mi cuerpo, te persigo

                                     en la carrera de mi sangre

                                     te veo en los ojos que me arden

                                     hasta girar la órbita de su reposo último,

                                     te siento impenetrable entre mi vientre

                                     como uma dura catedral de vino.

                                     Rey demente en su país de sangre,

                                     te recorreré por estancias agrietadas

                                     hasta que estalles la frontera de mi piel,

                                     hasta que alumbres mi hueso con tu hueso,

                                     hasta que oigan caer el esqueleto

                                     tu acantilado varón

                                     y mi destierro.

 

                                                               II

 

                                     La noche, la alta noche sostenida

                                     de celeste sonata y lenta esfera,

                                     sucumbe si te pienso,

                                     oh noche de tu cuerpo, desvarío

                                     de laúd, cuerdas que sólo yo tañía.

                                     Te oigo todavía vibrando entre mis manos

                                     y la noche de nadie y lenta esfera

                                     crece sola, arde sola

                                     para nadie

                                     su incendio de sonata.

 

 

enamorado

 

 

                                               O APAIXONADO

 

Tradução de Adalberto de Oliveira Souza

 

                                          I

 

         Procuro-te no castelo de meu corpo, sou

         um rei abandonado em seu palácio,

         sou o tirano de meus ossos mudos.

         Enclausurado no meu corpo, eu te procuro

         no percurso do meu sangue,

         eu  te vejo nos olhos que me ardem

         até girar a órbita de seu último repouso,

         te sinto impenetrável entre meu ventre

         como uma dura catedral de vinho.

         Rei demente em seu país de sangue,

         percorrerei por quartos fissurados

         até que estoures a fronteira da minha pele,

         até que ilumines meu osso com o teu,

         até que ouçam cair o esqueleto

         tua falésia de varão

         e meu desterro.

 

                                           II

 

         A noite, a alta noite sustentada

         pela sonata celeste e a esfera lenta

         sucumbe quando penso em ti

         oh noite de teu corpo, desvario

         de alaúde, cordas que só eu tangia.

         Ouço-te ainda vibrando entre minhas mãos

         e a noite de ninguém e a esfera lenta

         cresce sozinha, arde sozinha

         para ninguém

         seu silêncio de sonata.

 

corpos

 

 

 

 

Cidade Cinza

 

                Bell Gama

bell gama

 

 

 

 

 

 

 

Para uma menina que estava acostumada a pegar apenas o ônibus Jardim Irajá na esquina de casa, ir para o inglês no centro de Ribeirão Preto e voltar, São Paulo tinha tudo para ser assustadora.

Quando se mora no interior pouco se assusta. Você conhece as pessoas, a cidade, que horas o vizinho chega em casa, quem é a melhor doceira da cidade, onde comprar o uniforme da escola e quem traz coisas do Paraguai.

Cheguei em São Paulo em 1998. Eu não achava, mas era uma adolescente. São Paulo me fez mulher. Aqui trabalho, me apaixonei, desapaixonei. Aqui comprei minha casa e fiz meus amigos. Daqui fui para o mundo e voltei e vou e volto ainda repetidas vezes.

Hoje acordei às 8 horas da manhã para atravessar 11 quilômetros em uma hora. Tempo até que bom para uma sexta-feira. Antes de pegar a alça para a Avenida 23 de maio, me deparei mais uma vez com o mural dos Gêmeos, Nina e Nunca. Tirei uma foto, postei no Instagram.

A imagem do mural que vi tantas vezes ficou rondando a minha cabeça e me fez alugar o filme “Cidade Cinza” que conta a história de quando o mural foi apagado em 2008. Escrevo esse texto ainda com os créditos do filme subindo em minha tela. Ele conta brilhantemente a luta da arte contra o concreto.

Quando me mudei para São Paulo recebi muitas recomendações. Diziam-me que eu seria assaltada, que não poderia andar sozinha, que pegar transporte público era impossível e que criar uma família em São Paulo era uma coisa de louco.

Mas no meio de tanta contraindicação me encontrei. Todos os dias, olho para a minha janela que dá de frente para tantas outras janelinhas e vejo vida. Ouço crianças rindo, cachorros latindo, o cara do sorvete que passa assobiando todo dia às 5 horas, tem o sino da igreja e lá no fundo ouço um barulho da televisão de alguém. Não estou sozinha.

Não sei se eu mudei ou se foi a cidade. Não sei se São Paulo está mais corajosa ou eu. Mas nos últimos tempos, desde que decidi vender meu carro e comprar um CEP, assumi São Paulo para mim. Participei de manifestações, vou a eventos gratuitos, promovo junto com amigos um bloco de carnaval, as feiras de rua viraram um dos meus programas preferidos e privilegio todos os shows de rua possíveis.

Engoli o medo e parei de chamar o meu vizinho, o “Minhocão” de “Faixa de Gaza”. Calcei os tênis e o tomei como minha pista de corrida. Todas as noites, divido o espaço com alguns mendigos, mas também com outros tantos paulistanos que encaram o centrão às 9h30 da noite.

Em algum momento decidi: ou São Paulo é minha ou é do medo.

Ao assistir “Cidade Cinza”, percebi que os grafiteiros fazem o mesmo há muito mais tempo. Mesmo tendo sua obra de arte de mais de 700 m2 e tantas outras apagadas por uma horrorosa tinta cinza, eles continuam, refazem, repintam e marcam permanentemente essa cidade que faz de tudo para ser bonita.

Fiquei triste ao ver a politicagem em torno do mural. Enquanto o Sr. Kassab pousava para fotos e um bispo — que não sei por que estava no filme — “benzia” o mural e tantos outros secretários faziam cena, os artistas ficaram ao fundo.

Na minha São Paulo eles estão na frente, protagonistas, e agradeço todos os dias por enfeitarem meu caminho.

 

grafite Bell

 

“São Paulo, São Paulo”, com o Premê (Premeditando o Breque)

 

 

 

 

Rectificar é preciso

 

       

         Selma Barcellos

 Selma-no-Jardim-de-Luxumburgp

 

 

 

 

 

 

 

 

RECTIFICAR É PRECISO

 

Carta do leitor Abel Passos, da cidade do Porto, enviada para o jornal português “Diário de Notícias”:

 

Os Hiper e a língua portuguesa 

“Não raras vezes as grandes superfícies, que basicamente comercializam produtos alimentares, surpreendem com erros de português nos escaparates […]. Falo concretamente de uma loja instalada num centro comercial da Senhora da Hora […]. Nessa loja, em duas palavras há três erros ortográficos: “brôa”, em vez de “broa” e “broculo”, em vez de “brócolo”. E nem atendem aos reparos, solicitando a rectificação, formalizados, há cerca de dois meses, em impressos. Em vão, até hoje!”

 

Que delícia… É isso aí, leitor. Carinho com o idioma. Gostamos nós e seu conterrâneo, o imenso Pessoa de “minha pátria é a língua portuguesa.”

Deixe estar, Sr. Abel, que se os problemas insolúveis se resumissem a chapeuzinhos e grampinhos roubados – sobretudo após a controversa reforma ortográfica -,  nossas pátrias estariam salvas.

Vale um toque? Se o senhor, atento observador das normas da língua, cogitar ancorar sua caravela neste lado do oceano em que me encontro, mantenha distância dos improvisos presidenciais, falas e blogues de candidatos, livros de senadores, cartilhas didáticas distribuídas, exames nacionais… Ou considere a possibilidade de passar a estada enviando cartas. Está feia a coisa, caro Abel. Como apanha a última flor do Lácio…

E apareça, se lhe aprouver. A blogueira adora uma prosa lusa. Bastante trazer um vinho do seu Porto. Eu entro com as broas de Minas.

 

glúten

 

 “Orora Analfabeta” (Gordurinha / Nascimento Gomes) com Jards Macalé

 

 

 

Jogo

 

       Adalberto de Oliveira Souza

 Adalberto

 

 

 

 

 

 

                                                              JOGO

 

 

                                               Cada coisa no seu lugar,

                                               cada um no seu quadrado,

                                               Preparação constante

                                               de um castelo de paixões,

                                               de restrições,

                                               de reconsiderações,

                                               para um eterno despertar

                                               Ou para um partir eterno.

 

                                               Cada gesto no seu momento

                                               com significações evidentes,

                                               alvíssaras de esperanças,

                                               para marcar o momento

                                               e usufruí-lo.

 

                                                Nem tudo se assemelha ao que

                                                realmente é.

                                                Nada é tão enganoso

                                                quanto a aparência.

                                                No entanto, às vezes,

                                                se acerta.

 

xadrez

 

 

 

Uma canastra só de curingas

 

          Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

― O ilustre e ilustrado amigo pode me dar uma explicação?

― Depende. Se é para explicar o que é a vida, não posso. Pergunte a um morto.

― Mas os mortos não falam.

― Falam sim. Falam o hungarês, as línguas mortas, como o latim, e algumas outras.

― Então eu devo aprender hungarês para falar com um o morto?

― Se ele só falar o hungarês, é claro. Mas se ele não fala hungarês, mas só alemão, o senhor deve aprender o alemão.

― E como é que eu vou saber a língua que um morto fala, para falar com ele?

― Vá aprendendo as línguas.

― Ora, são centenas de línguas…

― São. Mas quando o senhor souber todas elas nem precisa mais falar com morto nenhum, porque saberá também o que é a vida.

― Quer dizer que as línguas, todas as línguas sabidas é que me explicariam o que é a vida?

― Já lhe disse quem quando o senhor souber todas elas não precisará mais saber o que é a vida.

― Por quê?

― Porque o senhor também já estará morto. E os mortos não precisam mais saber o que é a vida.

― Como é que o senhor sabe?

― Também já lhe disse que não sei.

― O senhor é muito radical. Não pode ao menos me dar um palpite?

― Palpite para o jogo-do-bicho? Isso, qualquer um pode ter.

― Não, um palpite que acerte no milhar.

― Então o senhor não quer saber o que é a vida, mas quer é ficar rico. E, se ficar rico, não precisará mais saber o que é a vida.

― Pelo que me diz, a vida é um jogo…

― Um jogo, mas também é preciso saber blefar. Vá blefando que um dia o senhor arrebenta a banca.

― Mas para jogar e blefar é preciso que haja outro jogador, ou outros jogadores.

― Sim, precisa. A vida são os outros. Nós mesmos, sozinhos, não somos nada. Os outros é que dão as cartas. E, olhe, há cartas marcadas, e fraude.

― O senhor é muito pessimista.

― Até que não sou tanto assim. Continuo jogando. Um dia, talvez, eu faça uma canastra só de curingas.

 

 

“Acertei no milhar”  (Wilson Batista / Geraldo Pereira), com Moreira da Silva

 [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=2eOpqjyjX6I&hd=1[/youtube]

 

 

 

A ex-colinha

 

         Selma Barcellos

Selma-no-Jardim-de-Luxumburgp

 

 

 

 

 

 

 

 

Queridos dinos, como é que vocês colavam? Escrevendo as fórmulas na palma da mão, na borracha, na carteira, em tirinhas de papel guardadas no estojo? Pescoçando a prova do colega? Observando os movimentos codificados do gênio da turma que, coitado, parecia sofrer de espasmos nervosos?

Quem nunca deu uma coladinha… Gerações. Há pouco, arrumando relíquias didáticas na estante, caíram “lembretes” do livro de Química do filho… Cheguei a ouvir sua voz adolescente, belo dia, depois de copiar trocentas vezes uma fórmula na  tentativa de reduzir a letra: “Já decorei essa porrrrcaria!”.

Mas o fato é que a cola perdeu, digamos, a “inocência” primal… Ficou high-tech, sofisticou-se e passou a representar má-fé, picaretagem, trama, golpe. Cultura nefasta a ser realmente combatida. Imaginem que mascar chiclete pode disfarçar a conversa em minicelular com um cúmplice fora da sala, uma caneta pode fotografar a tela da prova e por aí vai.

Li que a University of Central Florida, por exemplo, já declarou guerra  à “evolução da espécie”. Da sala de monitoramento (aqui), um fiscal acompanha os gestos do aluno ao computador, direciona o zoom da câmera para o indivíduo e grava o “crime” em CD. Papel de rascunho? Com data estampada e favor devolver à saída.

Segundo o reitor, em 64 mil exames houve apenas 14 casos suspeitos. Sua Magnificência só não contava com a figuraça que, na contramão da tecnologia, supertatuou o braço e “inseriu informações” em sua body art.

É flórida… Ô raça.

 

 

 

 

 

Regra

 

     

        Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto 

 

 

 

 

 

 

 

                                                 REGRA

 

 

                                                 Indisponho nos meus sentidos,

                                                 uma sinistra luz opaca.

 

                                                 Multicor me faço,

                                                 Desfaleço em pedaços.

                                                 Recobro o ar,

                                                 Poluo-me em alabastro.

                                                 Digo adeus

                                                 e permaneço.

 

Foto:22.04.2002

 

 

 

Golpe e Ditadura

 

             Euclides Rossignoli

euclides rossignoli

 

 

 

 

 

 

 

No próximo dia 31 de março estaremos meio século distantes do golpe que derrubou o governo do presidente João Goulart. Eu tinha 25 anos, morava em São Paulo e acabara de ingressar na universidade. Era membro do Partido Comunista Brasileiro, a mais importante organização de esquerda da época, que atuava na clandestinidade e era comandada pelo revolucionário histórico Luis Carlos Prestes.

O golpe inaugurou o período da ditadura militar, durante a qual as eleições foram abolidas e cinco generais se revezaram na presidência da República como ditadores. O agrupamento político de esquerda que hoje se encontra à frente dos destinos da Nação, liderado pelo PT, certamente produzirá um bom volume de atos e discursos para maldizer a data.

Será lembrado que o presidente João Goulart, eleito em eleição livre, foi deposto por um golpe de direita liderado pelos militares, porque pretendia fazer grandes reformas em benefício do povo e do País. Será dito que, uma vez expulso do governo o presidente legitimamente eleito, os militares instalaram uma ditadura que durou mais de 20 anos e que, entre outras coisas más, aprisionou lideranças populares, cassou mandatos de parlamentares e outros políticos, acabou com a eleição para a escolha do presidente da República e governadores de estados, interveio em sindicatos de trabalhadores, instituiu a censura à imprensa e às produções culturais, assim como perseguiu, torturou, matou e fez desaparecer pessoas que se dispuseram a lutar pela democracia.

Os mártires da ditadura serão lembrados e reverenciados. Os ditadores e seus seguidores serão amaldiçoados. A verdade histórica, porém, será relembrada e contada na porção e proporção dos interesses daqueles que hoje estão no poder. Isto significa que cederá generosos espaços ao engano e à propaganda. Por exemplo: todos os que sofreram e morreram por obra da ditadura terão sofrido e morrido em nome da sagrada causa da democracia, versão que não tem a evidência dos fatos.

Alguns pedaços dos acontecimentos serão naturalmente silenciados, quando não deturpados. Como governava o País o presidente João Goulart, especialmente no seu último ano de governo? Qual era o agrupamento político mais poderoso no âmbito das forças esquerdistas que apoiavam o presidente? Como se posicionavam as forças que apoiavam Goulart diante da divisão mundial entre o bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o bloco dos países ditos socialistas, governados pelos comunistas e liderados pela então União Soviética? Por que as forças de esquerda e o governo perderam apoio popular para a direita? Após o golpe militar, como se comportaram as forças mais radicais da esquerda? Na ditadura, as primeiras ações armadas contra os militares ocorreram antes ou depois do Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968? Qual era a ideologia dos grupos de esquerda que organizaram a luta armada contra a ditadura? Em que paises foram treinadas as lideranças das forças guerrilheiras que promoveram a luta armada?

As respostas da verdade histórica a essas perguntas não são cômodas para a esquerda bolivariana que hoje governa o País. Compreende-se que ela não se disponha a respondê-las. Ou pelo menos não se disponha a respondê-las com a sustentação dos fatos.

Em 1964, tanto as forças que apoiavam o governo como as forças que lhe faziam oposição não exibiam maior fervor pela democracia. Esquerda e direita travavam uma guerra de vida ou morte para ver quem eliminava o adversário, não para estabelecer um regime verdadeiramente democrático. Venceu a direita.

O partido em que eu militava, o PCB, o grande aliado de Goulart, tinha, como sempre teve, por objetivo chegar à ditadura do proletariado, não à democracia. A democracia era aceitável temporariamente, como meio, não como fim.