Posts in category "Tom Gama"

Escadas adentro

 

 

                                   as escadas adentro

                                   ascendem e descendem

                                   aos desvãos de mim

 

                                               de corredores sombrosos

                                               assomam assombrações

                                               assustadiças de si mesmas

 

                                   no porão sub-reptício

                                   submergem submissas

                                   malas-artes malogradas

 

                                                                       a água-furtada

                                                                       colore a guache

                                                                       quimeras desbotadas

 

                                    da claraboia

                                    abobadada

                                    boia clara a lua

                                                                        (ainda)                                            

clarabóia e a lua 

 

 

 

Mano a Mano

 

 

 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=KvgDcGdke98[/youtube]

 

 

Mano a Mano (Chico Buarque / João Bosco)

 

Meu pára-choque com seu para-choque

Era um toque

Era um pó que era um só

Eu e meu irmão

Era porreta

Carreta parelha a carreta

Dançando na reta

Meu irmão

Na beira de estrada valeu

O que era dele era meu

Eu era ele

Ele era eu

 

Ela era estrela

Era flor do sertão

Era pérola d’oeste

Era consolação

Era amor na boléia

Eram cem caminhões

Mas ela era nova

Viçosa, matriz

Era diamantina

Era imperatriz

Era só uma menina

De três corações

E então

 

Atravessando a garganta

Jamanta fechando jamanta

Na curva crucial

Era uma barra, era engano

Na certa, era cano

Na mão, mano a mano

Pau a pau

Na beira de estrada se deu

Se o que era dele era meu

Ou era ele ou era eu

 

Ela era estrela

Era flor do sertão

Era pérola d’oeste

Era consolação

Era amor na boléia

Eram cem caminhões

Mas ela era nova

Viçosa, matriz

Era diamantina

Era imperatriz

Era só uma menina

De três corações

E então

 

Então lavei as mãos

Do sangue do

Meu sangue do

Meu sangue irmão

Chão

 

 

 

E cada verso meu será…

 

 

Eu sei que vou te amar

 

 

Num 9 de julho, 33 anos atrás, morria Vinicius de Moraes (AQUI), que neste ano de 2013 completa 100 anos.

Há maravilhosas interpretações dessa canção antológica dele e do Tom, mas esta, com Maria Creusa e Toquinho, tem especial significação para mim, por tê-la presenciado mais de uma vez nos inesquecíveis shows do circuito universitário que faziam na época.

 

 vinicius-de-moraes

 

Eu sei que vou te amar

 “Eu sei que vou te amar” (Vinicius de Moraes / Tom Jobim), com Vinicius, Toquinho e Maria Creusa

 

Podres poderes

 

 

 

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=2cwR2-h9Dv4[/youtube]

 

 

Podres Poderes (Caetano Veloso)

 

Enquanto os homens exercem

Seus podres poderes

Motos e fuscas avançam

Os sinais vermelhos

E perdem os verdes

Somos uns boçais…

 

Queria querer gritar

Setecentas mil vezes

Como são lindos

Como são lindos os burgueses

E os japoneses

Mas tudo é muito mais…

 

Será que nunca faremos

Senão confirmar

A incompetência

Da América católica

Que sempre precisará

De ridículos tiranos

Será, será, que será?

Que será, que será?

Será que esta

Minha estúpida retórica

Terá que soar

Terá que se ouvir

Por mais zil anos…

 

Enquanto os homens exercem

Seus podres poderes

Índios e padres e bichas

Negros e mulheres

E adolescentes

Fazem o carnaval…

 

Queria querer cantar

Afinado com eles

Silenciar em respeito

Ao seu transe num êxtase

Ser indecente

Mas tudo é muito mau…

 

Ou então cada paisano

E cada capataz

Com sua burrice fará

Jorrar sangue demais

Nos pantanais, nas cidades

Caatingas e nos gerais

Será que apenas

Os hermetismos pascoais

E os tons, os mil tons

Seus sons e seus dons geniais

Nos salvam, nos salvarão

Dessas trevas e nada mais…

 

Enquanto os homens exercem

Seus podres poderes

Morrer e matar de fome

De raiva e de sede

São tantas vezes

Gestos naturais…

 

Eu quero aproximar

O meu cantar vagabundo

Daqueles que velam

Pela alegria do mundo

Indo e mais fundo

Tins e bens e tais…

 

Será que nunca faremos

Senão confirmar

Na incompetência

Da América católica

Que sempre precisará

De ridículos tiranos

Será, será, que será?

Que será, que será?

Será que essa

Minha estúpida retórica

Terá que soar

Terá que se ouvir

Por mais zil anos…

 

Ou então cada paisano

E cada capataz

Com sua burrice fará

Jorrar sangue demais

Nos pantanais, nas cidades

Caatingas e nos gerais…

 

Será que apenas

Os hermetismos pascoais

E os tons, os mil tons

Seus sons e seus dons geniais

Nos salvam, nos salvarão

Dessas trevas e nada mais…

 

Enquanto os homens

Exercem seus podres poderes

Morrer e matar de fome

De raiva e de sede

São tantas vezes

Gestos naturais

Eu quero aproximar

O meu cantar vagabundo

Daqueles que velam

Pela alegria do mundo…

 

Indo mais fundo

Tins e bens e tais!

Indo mais fundo

Tins e bens e tais!

Indo mais fundo

Tins e bens e tais!

 

 

 

A nova política

 

 

 a nova política 2

 

 

Porque era sábado havia a perspectiva do domingo, e ainda do feriado na segunda-feira.

Estava tão animado e ansioso que chegou mais cedo no bar do Mineiro, pouco antes das dez horas da manhã. O pessoal costumava chegar apenas por volta das onze horas.

Mas não se importou. Foi até ao freezer, com a liberdade de freguês velho e de confiança, apanhou a garrafa de cachaça branca de alambique que o Mineiro não dizia a ninguém de onde trazia, enregelada por fora, mas com o líquido leitoso, e se serviu de uma dose generosa. Apesar do horário, a bebida era para limpar a serpentina e ajudá-lo a repassar o plano que há dois dias costurava na cabeça desocupada.

Sentado à mesa de costume do boteco, bebericou prazerosamente à espera dos amigos, que um a um foram chegando.

Quando todos estavam lá, e as primeiras conversas e brincadeiras silenciaram por um instante, tomou da palavra e procurou falar em tom solene: 

— Meus camaradas, alguém ainda se lembra de Ruy Barbosa, o Águia de Haia?

— Jogava em que time? Com esse apelido devia ser grande cabeceador, como o Dadá Maravilha, o Beija-Flor, aparteou Brenno, seu amigo mais antigo e o maior gozador da turma. 

— Deixa de ser besta. O grande Ruy Barbosa, de Oração aos Moços… 

— Ah, então é pastor ou bispo dessas novas igrejas, insistiu o amigo.

— Não enche, Brenno Augusto. Outro dia, com as manifestações crescendo a cada dia pelas ruas das cidades, a meninada sonhando em construir um novo país, acabei folheando as obras completas do Ruy, à procura daquele famoso pronunciamento no Senado Federal, “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça …”, etc. etc. Foi aí que me saltou a ideia que agora apresento a vocês. Por que não fundamos um novo partido político, diferente de tudo o que já existiu e anda por aí?

— Tá ficando maluco ou a senilidade chegou de vez? Aliás, desde que você virou avô anda meio tonto, pisando os astros distraído, como naquela velha canção, interveio Antonico. 

— Não é nada disso. Mas talvez tenha mesmo a ver com nossa responsabilidade diante desse despertar das novas gerações. Vocês esqueceram de como a gente era no tempo da faculdade, das brigas políticas no centro acadêmico, dos nossos sonhos, da vontade de mudar o mundo?

— Pois é. Foi bom enquanto durou. O sonho acabou, como já disse John Lennon. O nosso tempo se esgotou e fracassamos redondamente. Eles passaram, ficaram e continuam por aí, resmungou Nestor, com seu azedume costumeiro 

— Me escutem antes de decidir. Não sou idiota nem demente para achar que temos condição de criar um partido, e muito menos de chegar ao poder. O meu propósito é outro. Chamar a atenção, fazer barulho, zoar e assim — quem sabe? — chamar a atenção dos mais jovens para a “Realpolitik”. Sempre fomos bons nisso. Se a gente fazia e acontecia com um mimeógrafo, imaginem só do que somos capazes com a internet. Pensei em criar um site ou uma página no Facebook e lançar um manifesto. Pelo menos vamos nos divertir e agitar um pouco.

À medida que os copos de cerveja se esvaziavam, as ideias começaram a pipocar, de início na base da galhofa, mas pouco depois estavam todos realmente empenhados, com os rostos sanguíneos, esbravejando e trocando farpas como nos bons tempos, cada qual querendo impor sua opinião 

— Acho que o partido deve adotar como símbolo o jegue, que representa a miséria e a força do nosso sertão. Além disso, tem sido vítima de grande injustiça social, abandonado e trocado por bicicletas, motos e automóveis, produtos da sociedade consumista, berrava um.

— Que jegue nada. Vai parecer que plagiamos o burrinho do partido democrata americano, discordava outro.

— Minha proposta é de que o bicho símbolo seja o canguru, que é da Austrália, o Brasil que deu certo. E já vem com bolsa para agasalhar apaniguados e esconder dólares, evitando que sejam enfiados na cueca, atalhava um terceiro.

— Pode ser também o ornitorrinco, o bicho mais estranho e improvável que existe.

Ninguém voltou para casa em tempo de almoçar, e os celulares tocaram incessantemente com as broncas das mulheres.

No final da tarde, chegaram ao consenso definitivo de que o Mineiro seria o presidente de honra, um acordo provisório sobre o nome e a sigla do partido, e o texto do primeiro manifesto, redigido ali mesmo na mesa do boteco, que segue abaixo, sujeito a correções.

 

 

PRIMEIRO MANIFESTO DO

PARTIDO ME ENGANA QUE EU GOSTO

(PMENG)

 

 

                                    Nosso partido cumpre o que promete.

                                    Só os tolos podem crer que

                                    Não lutaremos contra a corrupção.

                                    Porque, se há algo certo para nós, é que

                                    A honestidade e a transparência são fundamentais.

                                    Para alcançar nossos ideais

                                    Mostraremos que é grande estupidez crer que

                                    As máfias continuarão no governo, como sempre.

                                    Asseguramos sem dúvida que

                                    A justiça social será o alvo de nossa ação.

                                    Apesar disso, há idiotas que imaginam que

                                    Se possa governar com as manchas da velha política.

                                    Quando assumirmos o poder, faremos tudo para que

                                    Os marajás e as negociatas terminem.

                                    Não permitiremos de nenhum modo que

                                    Nossas crianças morram de fome.

                                    Cumpriremos nossos propósitos mesmo que  

                                    Os recursos econômicos do país se esgotem.

                                    Exerceremos o poder até que

                                    Compreendam que

                                    Somos a nova política.

 

 

P.S.                 Caso o partido chegue ao poder, basta ler o manifesto de baixo para cima.

P.S. do P.S.   O texto do manifesto (apenas ele) é um daqueles que rolaram na rede e me foi enviado há algum tempo por um amigo, sem identificação da autoria. 

 

                  

Depois da tempestade…

 

 

 barco a toda vela

               

“Um marinheiro me contou

que a boa brisa lhe soprou

que vem aí bom tempo…”

 

Graças ao Capitão Saulo, voltamos a navegar a toda vela.