Selma Barcellos
Você passa a vida acarinhando seus livros prediletos, sentindo até o cheirinho da época em que foram lidos, tirando-lhes o pó, protegendo-os das traças para entregá-los em ato solene aos netinhos e o que acontece? Uma engenhoca sedutora, mimo digital com milhares de livros eletrônicos, pouco mais de 200g e espessura milimétrica, chega para desbundar sua biblioteca hereditária. É duro.
Serão e-readers os netos… Que argumentos usarei para que se encantem e viajem nos meus barquinhos de papel? Como convencê-los de que aqueles tesouros arqueológicos na estante da vovó têm valor inestimável?
Missão impossível concorrer com o barato de virar páginas a um simples toque; de ver uma orelha virtual registrar onde se interrompeu a leitura (psiu, não espalhem, eu marcava livro com pétala de flor…); de usar óculos e poder perdê-los entre almofadas – o corpo da letra amplia; de esbarrar em palavra desconhecida e ter o significado ali, ao pé da página (repouse em paz, Aurelião); de cansar de ler silenciosamente e uma voz seguir adiante. Com música ao fundo. Covardia.
Mas tem lá seus pontos fracos o brinquedinho… Nele tudo aparece em preto, branco ou cinza e a cartela da vida é outra. A voz que lê usa a mesma entonação para uma ata de condomínio e um poema de Bandeira. Sem contar que não permite aquele diálogo incessante a que se referia Maurois – “o livro fala e a alma responde”. Não tem perfume. Jamais será arte. E tenho dito.
Porém, como ele representa menos árvores derrubadas, soluciona problemas de ordem prática e – maravilha! – pode ser cura para azia e preguiça de ler de crianças, jovens, uns e outros… prometo tentar.
Se cansar de ficar “muderninha”, tem erro não. Os netos saberão onde me encontrar. Periga só de cair pirlimpimpim da estante e, enfeitiçados, rolarmos juntos no tapete, mais os tuaregues, o saci, o Quixote…
Já antevejo Pietra e Lorenzo salpicados de pirlimpimpim a rolar de rir no tapete com Vó Selminha babusosa!
Num demora…
Antonio, você leu os nomes em comentário meu no Bloghetto e gravou!
Será que vão curtir livros, hein? Já há creches pedindo para as crianças virem com tablet…
Cara Selma,
os livros continuarão a ter seus encantos, assim como a arqueologia.
A vida é um amontoado de ruínas e convivemos “bem” com elas. Não sei se você concorda.
Claro, poeta. Temos muito passado pela frente…
Selma, os livros são passados de geração e geração e com eles sempre se aprende alguma coisa. Guardo e mantenho os meus como jóias raras, deixando-os sempre impecáveis. Clássicos da literatura, poesia, romances, de todos os gêneros, pois clássico é tudo aquilo que resiste ao tempo.
Gostei muito de Vidas Secas, de Graciliano Ramos; Capitães da Areia, de Jorge Amado, Antologia Poética, de Vinícius, entre muitos outros.
Beijocas!
André, não sei se leu “Estante de mim” (Antonio postou aqui no Estrela). Lá estão quase todos os livros que me ‘criaram’…
Selma, li sim o post a que vc se refere. Eu acho que a cada nova vez que a gente (re)começa a ler um livro, nós temos uma visão diferente do mundo e começamos a querer lê-lo sem parar. São livros dos quais eu também gosto.
Beijocas!
Lindo, Selma! Os livros, as maquininhas… gaiolas… sem portas.
Por oportuno,
PALIVRES
No pensamento
todas as palavras
(até mesmo as inventadas)
presas, trancadas num quarto.
No escrevimento
portas abertas
as palavras libertadas
o atrevimento do parto.
No livro
ou na engenhoca
palavras livres colhidas
contidas no peito farto.
Brenno nos sai com essa lindeza deliciosa de poema.
Por oportuno, Leminskiano…
Por oportuno, Brenno, ‘Palivres’ é uma graça…