Posts from março, 2013

Os urubus, as aves e outros pássaros

 

             Annibal Augusto Gama

ANNBAL~1

 

 

 

 

 

 

 

Os urubus, no chão, com um arranque, batiam as asas ― flap! flap! flap! ― subiam, subiam, e ficavam fazendo curvas lá no alto, no céu azul. Quando chovia, e depois que as águas deixavam de cair, vinham pousar na cumeeira do telhado, e ali permaneciam, hieráticos, de asas abertas, para as secar. Se caminhavam no chão do quintal, pareciam desajeitados. Não eram muito estimados, aves pretas que viviam de carniça. Mas tudo tem a sua utilidade neste mundo, até os carrapatos.

Havia, porém, as aves e os pássaros gentis, o beija-flor, as andorinhas, os sanhaços, os canarinhos da terra, a rolinha fogo-apagou, o tico-tico, o joão-de-barro, as pombinhas, a viuvinha, os bem-te-vis, os periquitos, os pássaros-pretos, a tesourinha, tantos, tantos, inumeráveis. Ao longe, no dia abrasador, a araponga malhava no ferro. Nos descampados, as seriemas, nos ervaçais as codornas. A coruja, coitada da coruja!, não era benvista, embora sábia, porque se lhe atribuía o mau agouro, Rasgava mortalha, ao redor das casas onde havia um moribundo. Na fazenda, acharam uma grande coruja, ferida na asa. Trouxeram-na para casa, e deixaram-na empoleirada num quarto de despejo, onde ele passou a tratá-la, trazendo-lhe regularmente pedaços de carne e água. Agarrada no pau da cabeceira de uma cama, ela estagiou ali, alguns dias, e já reconhecia o rapazinho. Tic-tic-tic, fazia-lhe com o bico curvo. Até que se curou, e ele a levou para o parapeito da janela aberta. Ia anoitecer, e a corujona sondou, sondou os arredores . Em seguida alçou vôo. Mas ainda voltou para se despedir dele e, uma vez ou outra, ali aparecia, para o saudar.

Era na época em que, em todas as antologias, havia o soneto de Raimundo Correa:

 

                                   Vai-se e primeira pomba despertada…

                                   Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas

                                   De pombas vão-se dos pombais, apenas

                                   Raia sanguínea e fresca a madrugada…

                                   […]

                                  

                                   Também dos corações onde abotoavam,

                                   Os sonhos, um por um, céleres, voam,

                                   Como voam as pombas dos pombais;

 

                                   No azul da adolescência as asas soltam,

                                   Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,

                                   E eles aos corações não voltam mais…

 

O Irmão Reitor, marista, do ginásio, professor de português, insistia, em cada nova classe de alunos, em declamar o soneto de Raimundo Correa. Ficava de pé, atrás da sua mesa, rubicundo, e agitava as mãos e os braços  enfiados na batina negra. As pombas voavam, Ele, porém, parecia antes um urubu.

Em muitas casas, nos seus poleiros, havia papagaios.  Desbocados alguns, berrando palavrões. Outros rezavam o padre-nosso. Bebiam café.

 

                                                Purrupaco, tataco,

                                               A mulher do macaco,

                                               Ela pinta, ela borda,

                                               Ela toma tabaco,

                                               Torrado num caco…

 

Você, hoje, parece que viu passarinho verde…

E há aquela estória de Millôr Fernandes, do cuco do relógio que, na hora de bater as horas, saia da sua casinhola e perguntava: “Ei, velhinho, que horas são?”

Todas as gaiolas estão com a portinhola aberta.

Os passarinhos fugiram.

 

 

“Passaredo” (Francis Hime / Chico Buarque), MPB4

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