Posts from novembro, 2012

Ladra com brinco de pérola

 

 

 

 

Naquela semana o já veterano promotor de justiça era o encarregado de atender o público (não existia ainda a Defensoria Pública, e os promotores cobriam grande parte da demanda), que abarrotava a salinha de espera e transbordava pelo corredor afora.

Ouvia (sobretudo queriam ser ouvidos), esclarecia, aconselhava, orientava, conciliava, expedia intimações, pedia aos cartórios os autos do processo para explicar o que estava acontecendo, e por aí ia…

Passava das 19 horas quando último cliente do dia entrou.

― Boa tarde.

― Boa tarde. Sente-se, por favor.

Acomodou-se numa das poltronas, bem na pontinha, as pernas juntas, as mãos entrelaçadas sobre o colo.

― Pois não. No que posso ajudar o senhor?

― Doutor, o seguinte é esse. Namorei com a Lucinda. Ela diz que não quer nada comigo, mas ficou com o meu tesão. Quero que ela devolva o meu tesão, doutor! 

Contendo o riso, pediu para que repetisse a história. Repetiu igualzinho.

Fazer o quê?

A tarde caía. Estava exausto. Resolveu se divertir um pouco com aquilo.

― Um instantinho só, que vou chamar um especialista para o seu caso.

Foi até o gabinete do outro promotor veterano, amigo desde o concurso de ingresso na carreira, que sempre fora um grande gozador e vivia aprontando com os outros promotores, juízes, advogados, funcionários. Ele já estava de saída, mas o levou para ouvir o relato.

― Por favor, o senhor pode explicar de novo o seu problema aqui para o meu colega?

Contou tudinho do mesmo jeito.

― Mas isso é muito grave ― disse logo o especialista. Apropriação indébita de tesão! Vamos mandar uma intimação para a moça. O senhor volta no dia marcado para resolvermos tudo.

Depois que o cliente saiu, o expert pontificou:

― Essa Lucinda deve ser alguma piranha. Precisamos ver como ela é. Coitado do rapaz…

No dia e hora aprazados, Lucinda, linda e na flor dos seus 16 anos, recatada tal a moça com brinco de pérola, compareceu acompanhada dos pais cheios de zelo.

Ficaram apenas com os três no gabinete. Arrependidos e envergonhados como dois moleques apanhados com a boca na botija, buscaram uma saída desesperada para o imbróglio.

― Vocês conhecem o rapaz que está ali na sala de espera? Ele foi namorado da menina?

O pai tomou a palavra:

― Conhecemos sim, doutor. É o Armandinho, mora na nossa quadra, filho do Seu Armando da farmácia. Ele é meio gardenal. Vive amolando a Lucinda, mas eles nunca namoraram nem nada.

― Deus me livre!, reforçou Lucinda.

― Pois é. Ele esteve aqui contando uma história estranha e falando da Lucinda. Percebemos que deve ter algum problema e ficamos preocupados com o que possa fazer. Por isso chamamos vocês aqui, para alertar. Tenham cuidado. Se ele continuar a incomodar ou fizer alguma ameaça, voltem aqui ou chamem a Polícia.

― Ele não faz nada não, doutor. É um pobre diabo. Mas vamos ficar de olho. Muito obrigado, responde o pai.

Dispensaram a família penhorada e só depois de uns 20 minutos mandaram entrar o Armandinho.

― Tudo resolvido, Seu Armando. Falamos com a Lucinda, o pai e a mãe dela. Eles já foram embora e deixaram o seu tesão na sua casa. Quando o senhor voltar, vai encontrar ele lá. Mas preste atenção: não se aproxime nunca mais da Lucinda, porque se o seu tesão ficar com ela de novo vai dar usucapião,  ela pode ficar com ele para sempre e não poderemos fazer mais nada… Entendeu bem?

― Entendi, doutor. Pode deixar. Muito obrigado, doutor.

Graças aos céus, nenhum dos interessados jamais voltou para reclamar de algo.