Posts from novembro, 2012

Eu vejo flores em você

 

 

Bell e as flores em garrafinhas ao fundo

 

 

 

Ele religiosamente acorda todos os dias às 4h da manhã. Depois do café com leite, dirige seu carrinho velho rumo ao Ceasa. Compra flores. Nunca são para ele. São para mim.

Não sabe que me mudei para cá por causa dele. Quando passei na ruazinha da sinagoga e vi que ele estava lá vendendo flores sabia que seria um bom lugar para morar. Em uma rua onde há um vendedor de flores todos os dias não há de acontecer nenhum mal.

Mudança na caixa, esperanças renovadas, novos hábitos. Decidi: na minha casa há de ter flores todos os dias – até duvidei da minha capacidade de manter a promessa já que não consigo ter um só dia como o outro. Mas com a ajuda da irmã mais nova, a gente vem cumprindo a tarefa há quase dois anos ininterruptamente. Semanalmente ele nos entrega 6 rosas. Cobra 5.

Outro dia, à tarde, recebo a ligação da irmã mais nova:

– “Estou na rua. Estão tentando prender o florista. Disseram que é crime. Tentei impedir. O policial é um estúpido”.

Não sou de briga. Mas ao ouvir a voz da minha irmã que acabara de sair do trabalho no hospital revoltada com a confusão, virei onça. Papai, sempre papai, estava presente.

–  “ Que crime? Isso não é crime! É no máximo infração administrativa.”

Mesmo com um jurista por perto fiquei atordoada. Parei o carro e corremos em direção das viaturas policiais que faziam uma intervenção digna de um homicídio. O florista estava lá, sem flores.

– “Você está bem? Minha irmã me ligou”…

–  “Está tudo bem sim. Não foi nada. Eles queriam prender o vendedor de DVDs pirata que estava ao meu lado. Eu disse que não tinha nada a ver com a história. Mas levaram minhas flores. Disseram que se tinham que apreender os DVDs também tinham que apreender as flores.”

Fiquei chocada com a situação. Que mundo é esse que humilham um vendedor de flores? Argumentamos que ele não poderia ser preso, que ninguém poderia fazer nada com ele, fizemos um discurso enorme, nos colocamos à disposição. Acho que nunca ninguém havia se preocupado tanto assim com ele. Assustado com minha revolta. Sua resposta foi uma só:

–  “Não se preocupe. Não vou parar de trabalhar. Amanhã trarei mais flores”.

 

 

 

Bell Gama

Novembro/2012

 

(PS: Texto dedicado a minha justiceira Júlia Moreira Gama)