De pai para filho (a)

 

 

Para Bell

 

Aos cinco ou seis anos, o menino passou uma temporada de férias na casa dos avós paternos, na Franca do Imperador.

A cidade ainda era calma, mas ele apenas tinha permissão para ir sozinho até a esquina, a uns vinte metros, sempre pela calçada e jamais, jamais atravessar a rua.

No ponto final da sua grande aventura, bem na esquina, ficava o bar do Seu Tomás, que vendia sorvetes, pastéis, balas, pirulitos, e onde se comprava a garrafinha de guaraná permitida no almoço de domingo.

Era lá no Seu Tomás que o menino sempre ouvia um vozeirão entoando uma música diferente, que bulia com ele, às vezes o deixava alegre e saltitante, outras vezes, com uma tristeza entranha.

Um dia quis saber:

― Seu Tomás, quem tá cantando?

― Oxente, é o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, o maior cantor do Brasil!

E Seu Tomás foi buscar a capa do disco para lhe mostrar, com aquele sujeito vestido de vaqueiro, um sorrisão na cara, empunhando uma sanfona branca. Vaqueiros para ele eram os caubóis de que tanto gostava, mas Seu Tomás lhe explicou que aquela era a roupa dos vaqueiros do sertão do Brasil, coisa bonita de se ver.

Nunca mais se esqueceu daquela figura e daquelas canções. Luiz Gonzaga foi seu primeiro ídolo musical.

Tempos depois, o menino já era um moço, começava a faculdade, queria derrubar a ditadura, odiava os milicos, escrevia uns poeminhas envergonhados, compunha algumas canções com os amigos, tocavam, cantavam, participavam de festivais, queriam mudar o mundo.

Um novo Gonzaga surgiu na vida dele então, e suas canções de protesto, depois as românticas e os sambas o botavam comovido como o diabo. Explode coração!

Era um rapaz magrinho, barbudo, de cara fechada, sempre com um cigarro na mão ou na boca. Ficou conhecido como Gonzaguinha, filho do outro, o Gonzagão, que andava sumido.

Soube então que pai e filho tinham uma relação complicada, distante, com mágoas recíprocas do passado. Até que um dia os dois passaram a se apresentar juntos e a percorrer todo o Brasil, reconciliados, fazendo um sucesso estrondoso.

Gonzagão deve ter partido feliz. Cerca de dois anos após, Gonzaguinha também se foi, num acidente de automóvel.

De repente, tudo aquilo  ― e muito mais ― estava ali, vivificado na tela do cinema em São Paulo, numa tarde de sábado.

O menino, o moço, o pai e avô ao lado da filha do meio, ambos emudecidos e engasgados com o que assistiam.

Quando o filme acabou e as luzes se acenderam, ela não se importou de exibir os olhos vermelhos e ainda lacrimejantes.

Ele colocou os olhos escuros para disfarçar (que bobagem…).

Saíram juntos de mãos dadas para a noite que caía e para a vida que os esperava.

Era bom saber que nunca estiveram distantes, mas estavam cada dia mais próximos.

 

 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=63Na62E0LZk[/youtube]

 

 

 

7 comentários

  1. André
    06/11/12 at 11:12

    Gama, infelizmente ainda não tive a oportunidade de assistir a esse filme, mas quero ver se faço isso o mais rápido possível. Deve ser mesmo muito emocionante ver a história de vida dos 2 que realmente estavam juntos a todo instante.
    Abraço,
    André

  2. Brenno
    06/11/12 at 12:16

    Foi como se eu visse o filme… do pós-filme.
    (Tomaram uma juntos depois, né?)
    Viu, Bell? Respeita o Januário!
    Você pode ser famosa,
    mas seu pai é mais tinhoso…
    Respeita os poucos baixos do teu pai.

  3. 06/11/12 at 15:33

    Devidamente agendado. Só ouço e leio elogios.
    Coisa mais linda a sintonia de vocês dois, Bell e Antonio…
    Beijocas! 

  4. 06/11/12 at 15:45

    Papilly, que lindo! Obrigada pela dedicatória. Estaremos sempre próximos porque você está dentro de mim, no meu sangue, cabeça e coração. Desculpe por ter debulhado em lágrimas no cinema. Não aguentei. O filme é lindo mas mais lindo mesmo foi ter visto com você, o garoto que sempre teve bom gosto musical. Tio Brenno, depois do filme foram várias caipirinhas especialíssimas feitas pelo Souza, barman do ano aqui em São Paulo. beijo grande a todos!

  5. Carolgama
    06/11/12 at 22:17

    Ir no cinema com papai?? Q privilégio…
    Qdo é comigo a única coisa ruim é não ter com quem comentar o filme pq falamos sempre a mesmíssima coisa…rs…
    E em RP a depender da hora do filme não se acha um mísero bar pra beber e chorar umas.. 

    • Antonio Carlos A. Gama
      06/11/12 at 22:39

      É isso mesmo, Carol.

      Já aconteceu de comentar alguma coisa com a Júlia e ela responder: “A Carolina falou a mesma coisa…”.

      E lembra daquela vez que saímos de “Meia-noite em Paris” doidos pra tomar um champanhe e não encontramos nada aberto em Ribeirão?
       

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