“Coração Vagabundo” (Caetano Veloso), com Leo Gandelman e Leila Pinheiro
“Coração Vagabundo” (Caetano Veloso), com Leo Gandelman e Leila Pinheiro
FELIZ ANO NOVO 2015
ano novo
novo ano
dia a dia
tarde a tarde
noite a noite
o tempo aniquilando
o corpo
pervertendo a vida
esvaindo
entre nossos dedos
festejamos
com boas expectativas
por que não?
se nosso destino
é viver e esperar
trabalhar para grandes
e pequenos acontecimentos
excessivamente
e com exaustão
em segredo talvez
e quem sabe
não fazendo nada
por sorte ou azar
sobreviveremos.
BONNE ANNÉE 2015
an nouveau
nouvel an
jour à jour
soir à soir
nuit à nuit
le temps détruisant
le corps
pervertissant la vie
s’écoulant
à travers nos doigts
on fête
quand même
avec de bonnes expectatives
pourquoi pas?
si notre destin
est de vivre et d’attendre
travailler pour de grandes
et petits événements
en excès
épuisement
en secret peut-être
ou en faisant rien
et avec probalité
chance ou malchance
on survivra.
Adalberto de Oliveira Souza
NATAL 2014
e vem o Natal
multicor
invariável
persistente
recordando outros
passados
e prenunciando
outros
que talvez virão
e chega o Natal
recordando sonhos
e devaneios da infância
e de repente
despertamos
e mais que provável
que tenhamos como presente
um ano a mais
a preencher
inexoravelmente.
Adalberto de Oliveira Souza
POEMA DO MENINO JESUS (Alberto Caeiro / Fernando Pessoa)
(excerto, como dito por Bethânia)
Num meio-dia de fim de primavera eu tive um sonho como
uma fotografia: eu vi Jesus Cristo descer à Terra.
Ele veio pela encosta de um monte, mas era outra vez
menino, a correr e a rolar-se pela erva
A arrancar flores para deitar fora, e a rir de modo a
ouvir-se de longe.
Ele tinha fugido do céu. Era nosso demais pra
fingir-se de Segunda pessoa da Trindade.
Um dia que Deus estava dormindo e o Espírito Santo
andava a voar, Ele foi até a caixa dos milagres e
roubou três.
Com o primeiro Ele fez com que ninguém soubesse que
Ele tinha fugido; com o segundo Ele se criou
eternamente humano e menino; e com o terceiro Ele
criou um Cristo eternamente na cruz e deixou-o pregado
na cruz que há no céu e serve de modelo às outras.
Depois Ele fugiu para o Sol e desceu pelo primeiro
raio que apanhou.
Hoje Ele vive na minha aldeia, comigo. É uma criança
bonita, de riso natural.
Limpa o nariz com o braço direito, chapinha nas poças
d’água, colhe as flores, gosta delas, esquece.
Atira pedras aos burros, colhe as frutas nos pomares,
e foge a chorar e a gritar dos cães.
Só porque sabe que elas não gostam, e toda gente acha
graça, Ele corre atrás das raparigas que levam as
bilhas na cabeça e levanta-lhes a saia.
A mim, Ele me ensinou tudo. Ele me ensinou a olhar
para as coisas. Ele me aponta todas as cores que há
nas flores e me mostra como as pedras são engraçadas
quando a gente as tem na mão e olha devagar para
elas.
Damo-nos tão bem um com o outro na companhia de tudo
que nunca pensamos um no outro. Vivemos juntos os dois
com um acordo íntimo, como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer nós brincamos as cinco pedrinhas no
degrau da porta de casa. Graves, como convém a um DEUS
e a um poeta. Como se cada pedra fosse todo o Universo
e fosse por isso um perigo muito grande deixá-la cair
no chão.
Depois eu lhe conto histórias das coisas só dos
homens. E Ele sorri, porque tudo é incrível. Ele ri
dos reis e dos que não são reis. E tem pena de ouvir
falar das guerras e dos comércios.
Depois Ele adormece e eu o levo no colo para dentro da
minha casa, deito-o na minha cama, despindo-o
lentamente, como seguindo um ritual todo humano e todo
materno até Ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma. Às vezes Ele acorda de
noite, brinca com meus sonhos. Vira uns de pena pro ar,
põe uns por cima dos outros, e bate palmas, sozinho,
sorrindo para os meus sonhos.
Quando eu morrer, Filhinho, seja eu a criança, o mais
pequeno, pega-me Tu ao colo, leva-me para dentro a Tua
casa. Deita-me na tua cama. Despe o meu ser, cansado e
humano. Conta-me histórias caso eu acorde para eu
tornar a adormecer, e dá-me sonhos Teus para eu
brincar.
Selma Barcellos
Como diziam os antigos, é batata. O ritual de enfeitar o pinheiro do Natal de hoje, me traz a sala de ontem e a voz dela:
— Chega de correr! Olha a cristaleira! Agora vão lá pra fora que preciso desmontar os lustres!
Lá fora era um quintal assim de árvores. Bela tarde, ao chegarmos os três do último dia de aula, para nos premiar pelo boletim e celebrar as férias, ela havia prendido com palitos e linha um monte de goiabas nos galhos. Surpresos com o pé “carregadinho” e ansiosos por comê-las, nem percebemos.Valia tudo para nos ver felizes… Ô, mãe.
A limpeza dos lustres correspondia, digamos, ao lançamento dos CDs de Roberto Carlos: enfim, chegara o Natal. Com gestos calmos, meticulosos, ela desmontava peça por peça, banhava-as numa bacia sobre a mesa forrada com cobertor, secava uma a uma, e as olhava contra a luz. Reverberavam. (Hoje sei que o brilho era dela.)
Apesar da bendita cristaleira, era aconchegante aquela sala de sancas desenhadas, piso de parquet enceradindo, pequenas colunas de mármore, tapeçaria reproduzindo cena das arábias do pai, piano com metrônomo e partituras empilhadas…
Ele, com seu sotaque de Chalita, também arregaçava as mangas: começava o preparo dos disputados ataif – pastéis árabes de massa de crepe, recheados com nozes, amêndoas, avelãs, e regados com calda de água de laranjeira. _ Selmínia, vem brovar bastel! Ô, pai.
Cadê tudo, hein? Onde o avental todo sujo de ovo, a máquina de costurar minhas fantasias, o Studebaker de passear aos domingos, a chuvarada com a gente soltando barquinhos, o balanço da varanda, aquela sala, nossa casa sempre branca…
Só sei dos pilares. E dos barquinhos.
“E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Pra tentar reviver”
Para começo de conversa
com você que me perguntou
qual a fórmula de envelhecer
sem parecer
eu lhe digo: envelheça e apareça.
Não pense que envelhecer
é perecer
quando, apenas e só
envelhecer é acrescentar,
ter na sua porta o luar
e juntá-lo aos muitos luares,
aos mares, plataformas, patamares,
da sua vida que é navegação,
o apito do trem quando chega
e o mugido do boi
que foi, o sino que bate na tarde
e no fogão o fogo que arde.
Some ao cão que lhe abana o rabo
os muitos cães que já teve
e lhe abanaram o rabo quando
você chegou de novo em casa.
E veja que a rosa no jardim
é a rosa desfolhada
que se abre na rosa nova,
enquanto o passarinho voa
com o seu canto
para retornar no passarinho
que tece no galho da árvore
o mesmo ninho.
Não lhe sufoque na garganta
o choro de ontem,
porque também houve o riso
de trasantontem
Some, e não subtraia,
e não caia
para ficar no chão
esparramado.
Lugar de ficar deitado
é na cama
com a mulher que o ama.
Mas a noite não é feita
apenas para dormir.
Também é feita
para repartir,
e todos os bares da madrugada
esperam a sua conversa
com a cerveja na mesa
ou o vinho no copo.
Hoje, amanhã, e depois de amanhã,
e atrás de toda manhã
o sol se levantou,
a chuva caiu, veio o vento,
veio o frio, o calor,
e o pão sobre a toalha de linho
matou a fome do homem
enquanto o galo da alvorada
cantava e canta
para os males que se espantam.
Envelheça, mas não desapareça,
e, um pé aqui, outro ali,
vá por mim
até o fim.
“(…) mas aí o samba era mais forte do que a morte do velhinho, compreende?” (1:38)